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Vida Urbana
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Basílio: memória viva da Vila Santa Luzia

Publicado: 27/09/2019 às 07:32

Foto: Peu Ricardo/DP/

Foto: Peu Ricardo/DP/

À medida que envereda na história das lutas dos moradores da Vila Santa Luzia pela casa própria, José Basílio da Silva segura a respiração. A emoção vai dominando o narrador, um líder comunitário. Em determinado momento, ele não segura. Chora. É compreensível. As ruas largas e de comércio movimentado e os imóveis de alvenaria e piso de cerâmica da vila, no bairro da Torre, estão a anos-luzes das descrições feitas por José Basílio do que eram os becos, casebres e barracos de madeira em que residiam as famílias que para ali se mudaram, na década de 1980. “Embora os moradores não saibam, a vila é fruto de muita determinação, noites de pouco sono, reuniões e conversas”, resume José Basílio. Aos 71 anos, com os movimentos de uma perna limitados devido a uma amputação – “coisa da diabetes” – o líder comunitário é o que os moradores mais antigos chamam de “a memória viva da vila”. A memória merece ser preservada, segundo ele, para mostrar o quanto melhorou a qualidade de vida das pessoas e o quanto vale uma causa justa.

Antes de se mudar para a Vila Santa Luzia, construída por um projeto da Prefeitura do Recife, José Basílio morava na Vila da Prata, favela às margens do Rio Capibaribe. A casa dele em madeirite era um palacete em relação à parte das demais, pois eram amontoados de madeira, papelão e plástico. “Olho para minha casa e vejo que tenho mais do merecia. Deus me deu o que nunca pensei em ter”, afirmou.

Entre os barracos mais pobres da época estava o de Ana Soares de Lira, 74. Era um vão para cinco pessoas: ela, o marido e três filhos. “Passamos da água para o vinho”, conta, enquanto aguarda compradores para os seus bolos e salgados, expostos em uma mesa na calçada. As calçadas da vila, diga-se, têm mais do que função arquitetônica, têm função social. Aos fins de tarde, enchem-se de moradores. Joga-se conversa fora. Parece cidade de interior, em uma tranqüilidade que se diferencia da fama de que a vila é lugar violento. “Conheço gente que perdeu filhos para a violência, mas não é a violência que nos impede de sentar na calçada, falar com o vizinho”, disse a aposentada.

O líder comunitário trabalhou na fábrica, fechada em 1982, integrou grupos que reivindicavam a construção das casas para os ocupantes das margens do Capibaribe e de lugares para a prática de esportes e de lazer. O campo é resultado disso. Passadas três décadas da transferência de cerca de 250 famílias da Vila da Prata para as novas casas, a Vila Santa Luzia tem aproximadamente 15 mil habitantes. As famílias não vieram somente da Vila da Prata. Vieram das favelas Apulso, Formigueiro e Vintém. Foi um projeto construído em etapas e a partir de uma organização surgida com o apoio da Igreja Católica. Por mais de uma vez, o então arcebispo de Olinda e Recife, dom Helder Camara, esteve na Vila da Prata. “O nome da vila seria Nova Torre, mas por uma solicitação nossa mudou para Santa Luzia”, revelou José Basílio. Ele assinou o ofício que pedia a troca do nome.
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