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DIARIO NOS BAIRROS

A Rua do Cupim e a resistência de um modo de viver

Publicado: 27/09/2019 às 13:53

Roberto e Isolda gostam da simplicidade do local e de se reunir com a vizinhança. Foto: Leandro de Santana/Esp. DP./

Roberto e Isolda gostam da simplicidade do local e de se reunir com a vizinhança. Foto: Leandro de Santana/Esp. DP./

Dona Helena mora na Rua do Cupim há 30 anos e não se rendeu à verticalização. Foto: Leandro de Santana/Esp. DP. A casa ocre de fachada simples, muro baixo e portão estreito quase não é percebida por quem passa na agitada Rua do Cupim, nas Graças, Zona Norte do Recife. Moradora do imóvel há quase 30 anos, a aposentada Helena Bezerra, 79, viu a transformação do bairro pelas janelas de grade marrom. Testemunhou a verticalização dos arredores da rua e viu vizinhos se mudarem para que suas casas passassem a dar lugar a escritórios. O número de pedestres diminuiu na mesma velocidade em que a quantidade de veículos passando ou estacionados na via cresceu.

Os residenciais de um pavimento da Rua do Cupim mantêm viva a resistência que deu origem ao nome da via, batizada em alusão ao Clube do Cupim. “A partir de 1880, multiplicaram-se no Brasil as sociedades contra a escravidão, que tinham como objetivo básico angariar fundos para comprar cartas de alforria de escravos. Em Pernambuco existiram mais de 30 dessas sociedades, que foram a gênese do Clube do Cupim, pois muitos dos seus sócios fundadores já participavam ativamente de algumas delas”, explica a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj).

De acordo com a Fundaj, a última façanha do Clube do Cupim foi o embarque de 119 escravos em 23 de abril de 1888. “Desceram à noite, do Poço da Panela, da casa de José Mariano, em uma canoa de capim até a Capunga, sendo depois rebocados por dois botes que fundearam em frente à casa de banhos, passando daí para o barco Flor de Liz e, na manhã seguinte, para um rebocador que os levou para a liberdade. No dia 13 de maio, a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea.”

A história homenageada pela rua orgulha os moradores que fazem questão de continuar nas casas onde vivem há décadas. “Nasci no Engenho Tabocas (em São Lourenço da Mata), mas muito cedo passei a morar nas Graças, onde estou até hoje. Essa rua só tinha casas. Costurei roupas para as pessoas daqui por muito tempo. Com o passar dos anos, a maioria dos vizinhos foi embora”, conta Helena. Os poucos que ficaram costumam se reunir com outros moradores do bairro pelo menos uma vez por mês. “Os moradores das Graças são muito unidos. Temos uma associação e uma série de eventos para discutir a melhoria do bairro”, diz o professor universitário aposentado Roberto Faria, 79 anos, sendo quase 45 na mesma casa, na Rua do Cupim.

Roberto e Isolda gostam da simplicidade do local e de se reunir com a vizinhança. Foto: Leandro de Santana/Esp. DP. Roberto e a esposa, a socióloga aposentada Isolda Faria, 79, participam ativamente das atividades do bairro.“Em 1975, quando cheguei nesta casa, a Rua Dona Anunciada (transversal à Rua do Cupim) não era calçada. Fiz logo um abaixo-assinado e, semanas depois, ela foi pavimentada. A nossa história de resistência é antiga”, lembra, com orgulho, Roberto. O casal costuma receber os vizinhos na calçada da residência para debater temas de interesse da comunidade. Sempre no terceiro domingo do mês, os moradores do bairro se reúnem para o Café na Calçada das Graças. É um café compartilhado entre vizinhos e admiradores do bairro, promovido pela Associação por Amor às Graças. Juntos, os participantes elaboram ideias de ações de rua para garantir um espaço público mais seguro, feliz, ativo e afetivo. “É uma oportunidade de estarmos sempre atentos às questões do bairro e organizados para pedir mudanças”, explica Isolda.

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