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UFPE se posiciona contra o programa Future-se

Publicado em: 26/08/2019 20:09 | Atualizado em: 26/08/2019 21:53

Para Conselho Universitário da UFPE, é preciso considerar primeiro o caráter lacônico do projeto. Foto: Bruna Costa/Esp DP FOTO

A Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) se posicionou com relação ao Programa Institutos e Universidades Empreendedoras e Inovadoras – Future-se, apresentado pelo Ministério da Educação e materializado em projeto de lei a ser remetido ao Congresso Nacional. Em sessão extraordinária, realizada nesta sexta-feira (26), o Conselho Universitário manifestou-se contrário ao programa. A proposta de projeto de lei, como está apresentada, para a universidade, contraria os princípios da autonomia universitária e o compromisso de democratização do ensino superior.

Para a UFPE, é preciso considerar primeiro o caráter lacônico do projeto, "que não explicita, de modo claro e transparente, as atividades de gestão a serem transferidas para a organização social contratada, a composição do comitê gestor, as diretrizes da política de internacionalização, os critérios de escolha dos fundos de investimento, entre outras questões relevantes para que se possa compreender adequadamente o funcionamento do modelo proposto".

A instituição destacou em nota que já possui experiência de boas práticas de governança, empreendedorismo, inovação e internacionalização, aliada às várias formas de parcerias com todos os setores da sociedade, "sempre norteada pelo interesse público e o debate plural de ideias".

Para a UFPE, ao remeter pontos relevantes para posterior regulamentação do Ministério da Educação, o projeto enfraquece o debate público sobre o tema e desconsidera a competência privativa do Congresso Nacional de aprovar as diretrizes da educação nacional, conduzindo a um modelo de excessiva centralização de poderes no âmbito do Ministério.

Por outro lado, destaca a universidade, é nítido que o programa pretende transferir a gestão dos recursos financeiros das universidades e institutos a uma organização social, escolhida pelo Ministério da Educação, permitindo-se entrever que essa entidade atuará, ainda, na gestão de pessoas, bens e serviços das instituições de ensino. "Essa organização social, inclusive, poderá ser escolhida sem prévia chamada pública, prevendo-se a contratação de entidade que já desenvolva projetos junto ao Ministério da Educação", detalhou a nota.

A UFPE disse ainda que analisará, à luz dos seus princípios, a versão que será enviada ao Congresso Nacional. Ao ressaltar que a autonomia universitária é uma garantia estabelecida em prol de toda a sociedade brasileira e não algo de que as Universidades possam livremente dispor, a UFPE entendeu que não cabe à instituição renunciar à autonomia.

A possibilidade de escolha de organizações sociais, do ponto de vista da UFPE, abre espaço para que, caso aprovadas as alterações, recursos públicos possam ser destinados ao pagamento dos diretores, escolhidos diretamente pelo Ministério da Educação, sem concurso público. A universidade também se opõe à securitização do seu patrimônio imobiliário e se disse perplexa diante da proposta de se permitir aos hospitais universitários a celebração de convênios com operadoras de planos privados de saúde. 
Em votação no Conuni, Carta de Recusa foi aprovada por maioria. Foto: Univasf/Divulgação

Entenda
Primeiro programa do governo Bolsonaro para a educação, o Future-se foi lançado com o objetivo de “fortalecer a autonomia administrativa, financeira e da gestão das universidades e institutos federais”. Reitores criticam a falta de participação na concepção do projeto, e especialistas enfatizam que a produção científica só pode ser mantida com mais investimento público. Segundo eles, é preciso garantir a constitucionalidade, uma vez que o artigo 207 da Constituição Federal assegura “autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial” às universidades.

Diante da complexidade do Future-se, as universidades Federal de Pernambuco (UFPE), Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e Federal do Vale do São Francisco (Univasf) criaram grupos de trabalho para analisar todos os eixos apresentados no programa do MEC. A Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) foi a primeira a se posicionar. No último dia 13, o Conselho Universitário aprovou a Carta de Recusa à minuta do Projeto de Lei (PL) do programa. O ato sinaliza alterações à proposta original do MEC, com base no princípio constitucional da autonomia universitária.
 
Na avaliação dos conselheiros, o modelo proposto poderá impactar o direcionamento de atividades de pesquisa, ações de ensino, extensão e de inovação tecnológica das Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes). A previsão de contrato com Organizações Sociais (OS), de modo impositivo para adesão das Ifes ao programa, também foi apontada como ameaça à autonomia da universidade. A Carta de Recusa que fundamenta a decisão do Conuni também destaca a missão institucional da Univasf e indicadores que demonstram o ritmo de desenvolvimento da instituição, em diversas áreas.
 
Confira a nota da UFPE na íntegra 
 
A Universidade Federal de Pernambuco, por meio de seu Conselho Universitário, reunido em sessão extraordinária no dia 26 de agosto de 2019, vem a público manifestar-se contrariamente à atual versão do Programa Institutos e Universidades Empreendedoras e Inovadoras – Future-se, apresentado pelo Ministério da Educação e materializado em projeto de lei a ser remetido ao Congresso Nacional, considerando os princípios constitucionais que regem esta Ifes, comprometidos com os interesses democráticos do Brasil, dentre os quais se destacam os da autonomia universitária, do caráter público, gratuito e de qualidade do ensino superior, da admissão por concurso público, da diversidade do conhecimento e da pluralidade de ideias.

Inicialmente há de se consignar o caráter lacônico do projeto, que não explicita, de modo claro e transparente, as atividades de gestão a serem transferidas para a organização social contratada, a composição do comitê gestor, as diretrizes da política de internacionalização, os critérios de escolha dos fundos de investimento, entre outras questões relevantes para que se possa compreender adequadamente o funcionamento do modelo proposto. A UFPE já possui experiência de boas práticas de governança, empreendedorismo, inovação e internacionalização, aliada às várias formas de parcerias com todos os setores da sociedade, sempre norteada pelo interesse público e o debate plural de ideias.

Entende a Universidade que, ao remeter pontos relevantes para posterior regulamentação do Ministério da Educação, o projeto enfraquece o debate público sobre o tema e desconsidera a competência privativa do Congresso Nacional de aprovar as diretrizes da educação nacional, conduzindo a um modelo de excessiva centralização de poderes no âmbito do Ministério.

Por outro lado, é nítido que o programa pretende transferir a gestão dos recursos financeiros das Universidades e Institutos a uma organização social, escolhida pelo Ministério da Educação, permitindo-se entrever que essa entidade atuará, ainda, na gestão de pessoas, bens e serviços das instituições de ensino. Essa organização social, inclusive, poderá ser escolhida sem prévia chamada pública, prevendo-se a contratação de entidade que já desenvolva projetos junto ao Ministério da Educação.

Conquanto a Universidade Federal de Pernambuco nunca tenha se furtado ao diálogo interinstitucional, acerca de sua participação em projetos de interesse público e no debate sobre os meios de se aumentar a sua eficiência administrativa, suas decisões permanecem pautadas pelos estritos termos da Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988. A UFPE analisará, à luz dos seus princípios, a versão que será enviada ao Congresso Nacional.

O art. 207 da Carta Magna é explícito ao assegurar às Universidades “autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial”. Esta prerrogativa não é um fim em si mesmo, mas um meio de se preservar a pluralidade de ideias, o livre pensar, o desenvolvimento científico e tecnológico, sem as amarras que lhes foram impostas no passado recente, nos anos da ditadura.

A autonomia universitária é uma garantia estabelecida em prol de toda a sociedade brasileira e não algo de que as Universidades possam livremente dispor.

Por tais motivos, a Universidade Federal de Pernambuco entende que não lhe cabe, em hipótese alguma, renunciar à sua autonomia, repassando a sua gestão administrativa e orçamentária a uma entidade alheia à comunidade acadêmica.

Repudia a Universidade, inclusive, a possibilidade de escolha de organizações sociais sem prévia chamada pública, além da possibilidade de pagamento de remuneração aos diretores dessas organizações. Essas mudanças seguem na contramão do decidido pelo Supremo Tribunal Federal e desnaturam a própria razão de ser dessas entidades sociais, pensadas como reunião de pessoas que desejam, voluntariamente, trabalhar em prol do interesse da coletividade. Caso aprovadas as alterações, recursos públicos poderão ser destinados ao pagamento desses diretores, escolhidos diretamente pelo Ministério da Educação, sem concurso público, sem prévia licitação, sem qualquer procedimento capaz de preservar a moralidade e a impessoalidade administrativas.

Embora textualmente se diga que a assinatura do contrato de gestão dependerá da anuência da universidade ou instituto, a Universidade Federal de Pernambuco alerta a comunidade, com ênfase aos seus representantes no Congresso Nacional, acerca dos riscos advindos desse projeto. A experiência brasileira demonstra o risco concreto de, caso aprovado o programa, em seguida proceder-se ao tratamento desigual entre as instituições aderentes e não aderentes, inclusive mediante o contingenciamento de seus recursos orçamentários. A proposta de projeto de lei, como está apresentada, contraria os princípios da autonomia universitária e o compromisso de democratização do ensino superior.

A Universidade também se opõe à securitização do seu patrimônio imobiliário, vez que subordiná-lo à lógica e aos riscos do mercado financeiro não condiz com as finalidades constitucionais das instituições de Ensino Superior. Expressa, por fim, a sua perplexidade com a proposta de se permitir aos hospitais universitários a celebração de convênios com operadoras de planos privados de saúde. Esse modelo, adotado no passado, marcou-se pelo tratamento diferenciado concedido aos pacientes dos planos de saúde, em detrimento da população mais necessitada, razão pela qual foi proscrito pelo Sistema Único de Saúde. A aprovação do projeto, neste item, representaria um evidente retrocesso nas políticas de atenção à saúde no país.

Em síntese, a Universidade Federal de Pernambuco permanece aberta ao diálogo, sobretudo no que tange a iniciativas que permitam ampliar o aporte financeiro e aperfeiçoar a gestão administrativa, no âmbito das instituições de ensino superior, e esclarece as razões pelas quais se opõe à atual versão do Programa Institutos e Universidades Empreendedoras e Inovadoras – Future-se.

 
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