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Vida Urbana
Cinco anos depois

Legado da Copa foi um sonho que ficou pela metade

Publicado: 14/07/2019 às 08:12

Fábio Avelino usa o entorno do estádio como parque para brincar com os filhos em São Lourenço. Foto: Tarciso Augusto / Esp. DP Foto/

Fábio Avelino usa o entorno do estádio como parque para brincar com os filhos em São Lourenço. Foto: Tarciso Augusto / Esp. DP Foto/

Fábio Avelino usa o entorno do estádio como parque para brincar com os filhos em São Lourenço. Foto: Tarciso Augusto / Esp. DP Foto
Há cinco anos, os pernambucanos se voltaram para a Arena de Pernambuco, que sediou cinco jogos da Copa do Mundo de 2014. Foi o ápice de uma preparação que teve início quatro anos antes, com a corrida para implantação dos projetos de infraestrutura urbana. A mobilidade foi um dos pontos prioritários para viabilizar os deslocamentos de carro, ônibus, metrô ou avião até a Arena nas imediações da BR-408, Zona Oeste do Recife. Mas além da mobilidade havia uma expectativa no desenvolvimento da Zona Oeste metropolitana a partir da mesma lógica pensada na década de 1970 para transformar a região numa nova nucleação urbana, dessa vez com a proposta de uma Cidade da Copa, que era uma das promessas de legado do Mundial, juntamente com o sistema Bus Rapid Transit. 

O terreno público de 230 hectares na Zona Oeste foi o escolhido para abrigar a Arena. Sem necessidade de desapropriação, havia o argumento de uma nova centralidade urbana. Antes disso, se cogitou uma arena nas imediações do Complexo Salgadinho, em Olinda, mas o projeto acabou sendo descartado devido às dificuldades para desapropriações e às condições do terreno que havia sido aterrado. Foi em 2011 que o governo bateu o martelo pelo terreno próprio onde hoje está a Arena de Pernambuco, um equipamento de 40 hectares de área construída. Embora geograficamente, ainda isolado, o estádio não está sozinho. Moradores do entorno aproveitam o espaço externo para exercícios, jogos e piqueniques.

Fábio Avelino de Araújo, 38 anos, servidor público, costuma levar as f ilhas para passear e brincar no “parque da arena”, a área de lazer mais próxima de sua casa no bairro São Cosme e Damião, nas imediações do estádio. “É um equipamento permanente que a gente pode vir sempre que tem uma oportunidade. As meninas curtem muito esse passeio”, contou.

Duas quadras de futebol e uma quadra de vôlei compõem o parque externo do estádio. Mas é a área pavimentada, com a sombra que a edificação proporciona, dependendo da posição do sol, que serve para as atividades ao ar livre. Eduardo Aguiar, 27 anos, segurança, caminha 10 quilômetros do bairro Santa Mônica até o local. “A beleza do lugar, a natureza do entorno e a tranquilidade valem a pena”, revelou.

As amigas Ana Paula Alves, 45, e Sulamita Vasconcelos, 37, moram na UR-7, na Várzea. Deixam o carro no estacionamento e aproveitam o espaço para correr e fazer exercícios. “Aqui é muito bom e como tem a vigilância da Arena, nos sentimos seguras”, contou Ana. Já o agente ambiental Romualdo Rodrigues Alves, 49 anos, também morador da UR-7 na Várzea, faz o caminho de bicicleta. “Gasto 15 minutos para chegar aqui. A gente acreditava que ia ter até um shopping por aqui, mas ficou a pista para a gente usar. E aos domingos muita gente vem para fazer piquenique”, afirmou.

Há quatro décadas, a Agência Condepe/Fidem projetou para a Zona Oeste a instalação de vários equipamentos e serviços para incentivar o adensamento naquela área, entre eles o Terminal Integrado de Passageiros (TIP) e um centro administrativo das três esferas de governo, mas apenas o TIP foi implantado. O centro administrativo e uma central de distribuição de alimentos acabaram sendo deixados de lado. E, pela segunda vez, em um intervalo de quatro décadas, a Zona Oeste perdeu a chance de se tornar um ponto de convergência urbana e se revela ainda distante das demandas da população.

A proposta de nucleação era uma forma de desafogar os centros urbanos e direcionar o crescimento da cidade. O TIP foi implantado mais rapidamente por causa dos transtornos que a antiga rodoviária já causava no Cais de Santa Rita. “O Centro Administrativo voltou a ser cogitado no governo Arraes, mas se ponderou que esvaziaria o Centro como ocorreu em outras capitais, a exemplo de Fortaleza, e a central de distribuição perdeu um pouco de peso por causa de Suape, que crescia forte naquela época”, contou a arquiteta e urbanista Sônia Calheiros, funcionária de carreira da Fidem. O sonho de uma nova ocupação para a Zona Oeste voltou nos desenhos do arquiteto e urbanista Zeca Brandão, professor do departamento de pós-graduação e Mestrado em Desenvolvimento Urbano (MDU) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). 

Após um convite feito pelo então governador Eduardo Campos para que ele montasse no governo uma estrutura semelhante ao que havia no laboratório do MDU. “Nós montamos o Núcleo Técnico de Operações Urbanas (NTOU) com parte da equipe da universidade e a partir daí pensamos estrategicamente os projetos de infraestrutura para a Copa do Mundo”, contou Zeca Brandão. Os projetos desenvolvidos pela equipe comandada por Zeca Brandão permitiram que o Recife fosse uma das capitais escolhidas para ser subsede da Copa. Mas nem tudo saiu como foi planejado. “Foi um momento de grande eferverscência no país, com financiamentos a juros baixos para as obras de infraestrutura. E todo país que sedia essa competição aproveita para melhorar as condições de infraestrutura e foi com esse pensamento que fizemos os projetos”, revelou Brandão. 

Não demorou para a proposta da Cidade da Copa se resumir apenas ao estádio de futebol. “O Brasil ainda não está preparado para fazer Parceria Público Privada. O que aconteceu claramente foi que o protagonismo começou a ser passado para o setor privado e isso ocorreu em todo o país. Mas sem o ente público, o privado não teria acesso aos financiamentos. Hoje, dificilmente toparia participar”, revelou Zeca Brandão.
 
Cidade ainda pode se tornar realidade
Ex-secretário extraordinário da Copa , Ricardo Leitão, enfatiza que estrutura está montada à espera de investidores. Foto: Helder Tavares/DP/D.A Press
Por três anos, de 2011 a 2014, o homem forte das questões ligadas ao Mundial no estado foi o secretário extraordinário da Copa (Secopa), o jornalista Ricardo Leitão. A pasta foi criada para atuar pelas diversas áreas da mobilidade, infraestrutura, turismo, hotelaria, segurança, entre outros. Sobre as críticas de que a Cidade da Copa não saiu do papel, ele tem outra forma de encarar o legado da Copa no estado.“Nosso principal foco desde o início foi a Arena. Sem o estádio não haveria jogos da Copa do Mundo aqui. Quais as chances de termos competições desse nível novamente? E a outra questão é que a infraestrutura está toda montada, de transporte, iluminação, água, rodovias.É um grande loteamento pronto para ser construído basta aparecer investidor interessado. Os projetos estão prontos para aquela área e a qualquer momento podem ser retomados”, disse ele. Para o ex-secretário, o sonho da Cidade da Copa não morreu. “De forma alguma. Na verdade, acredito que é uma região com grande potencial e isso foi enxergado pela equipe técnica que projetou a Cidade da Copa. A escolha do terreno levou em conta esse potencial de crescimento na Zona Oeste”, afirmou.

O projeto da Cidade da Copa aposta em quatro pilares básicos: o ensino( com campus universitário); moradias (com escolas, playgrounds e áreas de convivência); trabalho (com torres comerciais, escritórios corporativos); e lazer (com arena multiuso, hotéis, e convenções, cinema, shopping, bares e restaurantes). A Secopa também ser v iu para alinhar e integrar as ações dos governos estadual, federal e as prefeituras do Recife e de São Lourenço da Mata, além da articulação junto às entidades esportivas. “Nós acompanhamos de perto a construção da Arena, que foi erguida desde o chão e tinha uma exigência muito grande em relação ao cumprimento dos prazos e do Padrão Fifa. E cumprimos o prazo da Arena um ano antes, o que possibilitou a realização da Copa das Confederações em 2013. Tivemos, na verdade, um estádio e duas copas”, lembrou Ricardo Leitão.

A Arena custou R$ 513 milhões com capacidade para 45 lugares, um dos menores custos do país, segundo o ex-secretário. E hoje só não chega a ser um elefante branco, graças aos esforços da gestão da Arena de fazer parcerias para eventos esportivos, culturais e até religiosos. No lado externo, a população do entorno se encarrega de manter viva a edificação. “É uma área muito agradável e com grande potencial de crescimento”, destacou ele.
 
Mobilidade melhorou, apesar de lacunas
Foto: Tarciso Augusto / Esp. DP Foto
A Copa do Mundo também significou um marco para a mobilidade no estado. A sigla inglesa BRT (Bus Rapid Transit) caiu na boca do povo e passou a integrar o vocabulário como sinônimo de meio rápido e de qualidade. A expectativa gerada pelos projetos que idealizaram a transformação no transporte público, no entanto, foi em parte frustrada devido às obras inacabadas, mesmo cinco anos após a realização do mundial. O legado deixado, no entanto, é visto como positivo. O transporte público antes e depois da Copa mudou, mesmo que não tenha sido como esperado.

Não por acaso, os usuários do sistema Via Livre do BRT nos dois corredores Norte/Sul e Leste/Oeste aprovam o modelo dos ônibus com mais conforto e das estações, uma condição bem distinta a dos veículos convencionais e das paradas de ônibus. “Minha avaliação é positiva. Foi um ponto inicial de mudança de paradigma de investimento para a mobilidade da cidade”, ressaltou Djalma Dutra, diretor operacional da MobiBrasil, que opera o corredor Leste/Oeste. Dos dois corredores de transporte, o Leste/Oeste teve um peso maior para o transporte de torcedores para a Arena Pernambuco. Na estreia da Copa, no entanto, estavam em operação apenas duas estações: Derby e Cordeiro. 

As outras não estavam concluídas e os dois terminais de integração previstos na Avenida Caxangá só foram entregues após a Copa. “A gente começou pequeno, mas foi uma operação fantástica e atendeu bem ao público e culminou no que temos hoje”, ressaltou Dutra. Durante a Copa o maior transporte de massa acabou sendo o Metrô, que não recebeu grandes investimentos. Apenas a estação Cosme e Damião, próximo à Arena. A demanda transportada pelo Metrô foi tanta que houve a necessidade de ampliar a saída entre a plataforma e o acesso aos ônibus que levaram os passageiros para o estádio. A estação Cosme e Damião também mudou o bairro que leva o mesmo nome. As ruas do entorno ficaram mais valorizadas. A aposentada Zulmira de Moura, 72 anos, mora quase de frente para a Estação Cosme e Damião.“Estou há dois anos aqui. Esse lugar ficou mais valorizado e temos transporte na frente de casa”, contou. Cinco anos depois já há no bairro a geração pós-Copa. “Tenho uma filha de dois e outra de quatro que nasceram aqui e hoje brincam aqui na estação. A mais velha de nove anos acompanhou as mudanças”, revelou Talita Cabral, 24 anos.

Apesar da importância do Metrô, o protagonismo pós-Copa ainda é do BRT. O Terminal Integrado de Camaragibe, que não recebeu as reformas previstas, dispõe de seis linhas e atende moradores de São Lourenço da Mata e até de Abreu e Lima. “Moro em São Lourenço e venho para o terminal de Camaragibe para pegar o BRT. Não tenho um transporte para seguir direto”, contou Elivyhe Hakkenen, 19 , estudante. A principal avenida de Camaragibe, a Belmiro Gouveia, ao contrário do previsto, não dispõe de estações do BRT. O acesso só pode ser feito pelo terminal integrado ou pelo ônibus híbrido da linha Macaxeira, que dispõe de uma entrada à direita para a parada convencional e a da esquerda para a estação de BRT. “O usuário de Camaragibe tem, por enquanto essa duas opções para usar o BRT”, explicou Djalma Dutra. Maria José Gomes, 50 anos, operadora de caixa, dificilmente usa o sistema que passa ao longo da avenida principal. “O BRT passa direto e acho longe ir até o terminal”.

Além da Avenida Belmiro Gouveia, que ainda não teve as estações de BRT previstas construídas, a Avenida Conde da Boa Vista só agora está com um novo projeto para a pista e as estações do BRT. De acordo com o secretário de Desenvolvimento Urbano, Marcelo Bruto, o atraso nas obras se deu em razão dos problemas enfrentados no país nos últimos quatro anos. “A gente viveu até 2014 uma grande euforia e teve ano de capturar de três a quatro bilhões de reais a partir de 2015 não houve mais operação de crédito, o que afetou as obras públicas e as empresas privadas”, apontou o secretário. Para tentar reparar os danos, o estado vem fazendo o caminho de volta do levantamento das obras remanescentes.

“A equação é encaixar as obras que faltam com a realidade fiscal do estado e da União”, contou Marcelo Bruto. Entre as obras já retomadas ele aponta o Terminal Integrado de Igarassu. Também está previsto o alargamento de um trecho de quase 200 metros para permitir uma faixa exclusiva na via para o BRT. “A nossa previsão é de licitar o projeto até segundo semestre de 2020”. Outra obra pendente é o alargamento do Canal da Malária na PE-15, que teve as obras iniciadas e abandonadas pela empresa. Também faltam ser feitas duas estações do Norte/Sul e cinco do Leste/Oeste e mais a duplicação do viaduto do ramal da Copa. “O legado é positivo e o impacto das obras vai ser ainda maior quando a economia reaquecer”, afirmou Marcelo Bruto. 
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