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EDUCAÇÃO

'Nosso maior desafio é a não aprendizagem'. Confira entrevista com Maria Alice Carraturi

Publicado em: 13/05/2019 10:42 | Atualizado em: 13/05/2019 10:53

Foto: Ana La Regina/Divulgação (Foto: Ana La Regina/Divulgação)
Foto: Ana La Regina/Divulgação (Foto: Ana La Regina/Divulgação)
Com vasta experiência na gestão da educação pública, Maria Alice Carraturi é ex-diretora de formação de profissionais da Educação Básica do Ministério da Educação (MEC) e organizadora da Base Nacional de Formação de Professores da Educação Básica, que está no Conselho Nacional de Educação. 

A carreira da nova diretora começou em 1984 como professora de Educação Infantil. Em 1986 ingressa no magistério estadual e em 1995 inicia a carreira na formação de professores quando assume aulas no magistério da rede pública estadual (São Paulo). Em 1999 tornou-se professora em cursos de formação de professores em ensino superior, na graduação e na pós-graduação, além de participar de cursos de educação continuada nos municípios e estado. A partir de 2000 passa a assumir cargos na gestão no Ensino Superior e se especializa em Educação a Distância. Modalidade a qual dedicou as últimas duas décadas tanto na direção quanto na implantação de Instituições de Ensino Superior.  
Em 2017, foi nomeada presidente/reitora da Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp), única universidade pública a distância do Brasil e, em 2018, assumiu o cargo de Diretora de Formação de Profissionais da Educação Básica, do Ministério da Educação. responsável pela política e estratégia para a formação de professores em nível nacional 

Quais são as medidas que estão sendo tomadas para a introdução das inovações e soluções tecnológicas no paradigma da educação no país?
Acredito que este paradigma do uso da tecnologia na educação já está em vigor tanto para escolas públicas quanto privadas. Além das escolas, cursos de formação inicial e de formação continuada de professores também já têm incluído o uso de tecnologias para fins de ensino. Também estamos vendo a intensificação de políticas públicas para acesso às tecnologias, entretanto, elas são sempre novas e precisam de constante formação e adoção. De várias maneiras a disseminação do uso de tecnologias tem acontecido: em grupos de professores, em redes sociais, em eventos de educação e tecnologia, entre outros. O Ministério da Educação e vários estados e municípios possuem seus próprios programas de uso e disseminação das tecnologias mais afeitas à educação. Dessa forma, entendo que a introdução já está em curso, teremos que sempre dar continuidade, inovar e avaliar os resultados. Essa é a parte que ainda devemos investir: pesquisas e monitoramento para entendermos os resultados e podermos aperfeiçoá-los sempre.   

Como preparar o aluno para enfrentar o que a revolução tecnológica recente exigirá dele?
De alguma maneira o aluno de hoje está inserido no mundo digital, seja por meio de equipamentos móveis, jogos, redes sociais e etc. Para se preparar para o mundo de hoje o aluno precisa estar sempre aberto a novas aprendizagens, pois, o que temos certeza é da mudança constante. Há novas competências e habilidades tanto para lidar com tecnologias digitais e disruptivas quanto para lidar com o outro. Preparar o aluno hoje para este mundo líquido é habilitá-lo a olhar para a constante mudança de paradigma, de certezas e criar formas de estar nele de forma criativa, solidária, respeitosa, tratando o mundo, as pessoas e a si mesmo como conexões indissociáveis. A tecnologia, que faz parte desse novo mundo continuará a ter grande representatividade na vida das pessoas e do mundo produtivo. Participar desse novo contexto exige habilidades tecnológicas, certamente, como a colaboração, a autoria, a participação e a responsabilidade pelo legado à humanidade.

Quais os principais desafios que o setor de educação está passando?
A educação é sempre desafiadora e não há uma resposta simples que defina precisamente seus problemas. Entretanto, o Brasil já avançou em algumas frentes e uma delas é na avaliação da educação. Já temos uma série histórica que insiste em nos mostrar dados alarmantes de aprendizagem insuficiente na educação básica, que logicamente se reflete no ensino superior. Atualmente, começamos a chamar de “crise de aprendizagem”, ou seja, apesar de termos 96% das crianças nas escolas, menos da metade lê no terceiro ano, no quinto ano mais de 50% não estão no nível adequado de matemática, 60% não têm nível adequado em Língua Portuguesa no nono ano e somente 9% dos alunos do terceiro ano do ensino médio têm nível adequado em Matemática. Esse é um quadro tenebroso! Respondo, com isso, que nosso maior desafio na educação é a não aprendizagem. O aluno vai para a escola, mas não aprende. Isso é grave! Penso que todos temos que olhar para esse quadro e nos espantarmos, nos mobilizarmos e agirmos para que ele se reverta no mais breve espaço de tempo. Uma das evidências apontadas pela OCDE mostra que, entre os fatores que podem ser controlados pela política educacional, o professor é o que tem maior peso na determinação do desempenho dos alunos, ou seja, é preciso investir muito na formação de professores para um impacto grande na aprendizagem.   

Transformar a educação do nosso país é prioridade? Por onde devemos começar?
Muitos são os pontos de melhoria, mas como política pública penso que o foco deve ser o professor: suas condições de trabalho, valorização, plano de carreira e formação. Se entendermos que as evidências apontam que o maior impacto no desempenho do aluno é o professor, precisamos enxergar que é nessa carreira que a política pública deve atuar, não de forma isolada, mas de forma sistêmica. A Base Nacional Comum para formação de professores entregue ao Conselho Nacional de Educação em 2018 faz a proposta da “Visão sistêmica” da formação e carreira docentes. É preciso pensar no perfil do professor necessário para o contexto atual, na sua formação inicial e continuada, no seu plano de carreira e na valorização social da profissão, isso tudo de forma orgânica e não mais fragmentada como está entre vários órgãos do governo federal, estados e municípios. Se olharmos para os países que se destacam em educação, essa foi a “fórmula” utilizada, não há como melhorar a educação se não investirmos no professor. Essa precisa ser uma carreira atraente, bem remunerada, socialmente valorizada e, por outro lado, temos que ter uma formação mais compatível com as necessidades do mundo atual, que a formação e os professores correspondam ao que a sociedade brasileira precisa como a qualidade na educação. 

Um assunto tão debatido, e tão necessário no Brasil, é a valorização e a formação dos professores. Vocês já pensaram em realizar uma Bett Educar com temas voltados para soluções de inovação da profissão do professor, com o objetivo de valorizar essa categoria?
Esse é um debate permanente. Muitas discussões relevantes têm sido feitas nos círculos educacionais brasileiros com especialistas de todo o Brasil e em vários estudos e experiências de formação em outros países, que apontam a formação de professores como um dos fatores mais relevantes para a melhoria da educação de um país. Temos ainda a discussão da Base Nacional Comum de Formação de Professores no CNE. A BETT Educar sempre discutiu o tema, trouxe para a pauta e vamos a cada ano intensificar o debate. 
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