URBANISMO

Comprado pelo estado, antigo prédio do Diario não tem rumo definido

Publicado em: 20/05/2019 10:00 | Atualizado em: 20/05/2019 11:49

Foto: Leandro de Santana/Esp.DP.

O prédio histórico onde funcionou o Diario de Pernambuco, na Praça da Independência, área central do Recife, tem um futuro incerto. Comprado pelo governo do estado, o imóvel está com aprência de abandono. Pichada, mal conversada e rodeada de lixo, a edificação encontra-se em um "limbo" administrativo. Enquanto a Secretaria de Administração de Pernambuco informa que ela pertence atualmente ao Porto Digital, a gestão do parque tecnológico informa que a cessão não foi concluída. Diante do impasse, ainda não se sabe o que será feito com o prédio. 

O antigo prédio do Diario de Pernambuco – local onde funcionou a redação do jornal até 2004 – foi adquirido pelo governo há 15 anos e inicialmente seria cedido ao Arquivo Público. Em 2014, porém, um projeto de lei foi encaminhado para a Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) para formalizar a cessão do imóvel e de outro, localizado no número 32 da Rua Marquês do Recife ao Porto Digital. O parque tecnológico chegou a lançar, em 2016, um concurso para escolher um projeto de requalificação do imóvel.

Voltada para empresas de arquitetura e engenharia, a seleção tinha como objetivo recolher propostas de requalificação para a área que compreende o conjunto arquitetônico, composto pelo prédio histórico do jornal, além de três edificações anexas. O projeto escolhido, após duas fases da competição, assinaria um contrato de R$ 400 mil para a execução da proposta. Procurado pelo Diario nesta semana, porém, o Porto Digital, informou que "o prédio ainda não foi passado formalmente para o Porto Digital. Por enquanto, está com o governo. Sendo assim, não temos mais nada a falar sobre o prédio".

Já a Secretaria de Administração de Pernambuco, que responde pelos imóveis de propriedade do estado, respondeu que "a autorização de cessão do antigo prédio do Diário de Pernambuco, localizado na Praça da Independência, pertence atualmente ao Porto Digital". Sem uma definição clara sobre a gestão e futuro do prédio, a população lamenta a situação do imóvei histórico. "É uma pena. Acho tão bonito. Na adolescência, eu ia sempre com a minha mãe ao prédio do Diario para publicar anúncios. Era um edifício imponente e muito bonito", afirma a pedagoga Maria Paula Santos, 45.

Foto: Leandro de Santana/Esp.DP.
Na época do anúncio da cessão do governo para o Porto Digital, a gestão do parque tecnológico chegou a criticar a situação de abandono da Praça da Independência, onde o antigo prédio do Diario está localizado. O aspecto de falta de cuidados continua no espaço público. A fonte d'água da praça estava, quando a equipe do Diario visitou o local, desligada e cheia de lixo. O monumento "O Mascate", do artista plástico Corbiniano Lins, estava quebrado e pichado. 

Foto: Leandro de Santana/Esp.DP.
A praça é usada ainda como banheiro por pessoas que vivem no local. "Quero ser internado, mas ninguém vem nos ajudar. A gente também não quer morar aqui, mas não tem opção. Eu sai de casa por causa da dependência", disse um morador do espaço público que não quis se identificar. "Vivo aqui e na Maciel Pinheiro", relatou. A Secretaria Executiva de Desenvolvimento Social do Recife respondeu que dispõe do Serviço Especializado em Abordagem Social (SEAS), com equipes diurnas e noturnas atuando em diversas áreas da cidade, inclusive na Praça da Independência.

"O trabalho gradativo de construção de vínculo é desenvolvido com a compreensão das histórias de vida e identificação das necessidades e/ou demandas das pessoas em situação de rua. É feita a articulação com outros serviços municipais para emissão de documentação civil, acesso benefícios socioassistenciais, atendimento na rede de saúde, acolhimento institucional dentre outras intervenções que contribuam para reorganização da vida das pessoas em situação de rua. Entre 2013 e 2018, mais de 50 mil atendimentos das equipes de abordagem social foram realizados na capital", respondeu o órgão.

Sobre a manutenção da Praça da Independência, a Autarquia Municipal de Limpeza Urbana (
Emlurb) informou que ela recebe "ações de limpeza diariamente. A manutenção do espaço também é feita de periódica. O órgão esclarece ainda que não há previsão de maiores ações na praça".

Prédio foi palco de eventos históricos

Foto: Biblioteca do IBGE/Reprodução.
Construído em 1903 pelo então proprietário, o conselheiro Rosa e Silva, para abrigar o decano da imprensa brasileira, o prédio da Praça da Independência seria durante o século 20 palco de acontecimentos de dimensão histórica. O edifício tornou-se, no período de Carlos Lira Filho, uma espécie de reduto da intelectualidade. Recepcionou um presidente da República no exercício do cargo, e até mereceu um gesto simpático de um integrante da realeza britânica, a rainha Elizabeth 2, em visita a Pernambuco.

No dia 2 de novembro de 1968, o Diario deu ampla cobertura à visita da rainha Elizabeth ao Recife. Na capa, sob a manchete "Rainha promete que voltará no dia 18", uma foto da comitiva real em frente ao prédio do jornal acompanhada de um texto intitulado "Rainha parou para ver o Diario".

Na página três, o texto relatava que, pouco depois das 17h, a rainha passou em frente ao jornal, que estava "profusamente iluminado, ostentando enorme faixa com os dizeres 'Welcome Elizabeth', um grande retrato da rainha e a bandeira da Inglaterra". Mais de cinco mil pessoas lotavam a pracinha para ver sua majestade. A reportagem diz que o então governador Nilo Coelho quis mostrar à rainha a "escola jornalística de Assis Chateaubriand", que fora embaixador em Londres durante o governo de Juscelino Kubistchek, no fim da década de 1950.

A rainha mandou parar o Lincoln, conversível que a levava e "respondeu com acenos e sorrisos à saudação que lhe dirigiam nossos redatores e gráficos". A reportagem afirma que, durante a Segunda Guerra, o Diario "sustentou como nenhum outro do Norte do Brasil, a causa das nações aliadas, o que lhe valeu, depois da paz, uma alta distinção: a Medalha do Rei, concedida pelo pai de Elizabeth, Jorge VI, ao ex-diretor do nosso jornal, Aníbal Fernandes".

Anos depois, em novembro de 1985, o ex-colaborador do jornal e então presidente da República José Sarney visitou o Diario e prestou sua homenagem ao jornal, acompanhado de uma comitiva que incluía quatro governadores e seis ministros, além de outras autoridades. "DP é patrimônio cultural do Brasil, diz presidente" era a manchete do dia 23 de novembro, que trouxe a cobertura da visita realizada no dia anterior.

"Estou aqui para, em nome da República, saudar o Diario de Pernambuco na sua festa de 160 anos. Para juntar-me às alegrias dos Diários Associados, onde reencontro amigos da vida inteira, com o afeto do tempo, a saudade das redações românticas, das noites consumidas no trabalho da notícia", lembrou o presidente.

O texto na capa do jornal revela que, numa exposição organizada na sede da Prefeitura do Recife, Sarney deparou-se com uma elegia escrita por ele na década de 40, sua primeira colaboração para o suplemento literário do jornal - o poema foi originalmente publicado na edição de 17 de abril de 1948.

"Pelo que representa na atualidade e por tudo quanto realizou ao longo de mais de um século e meio, o Diario de Pernambuco é um patrimônio cultural do Brasil", disse Sarney em seu discurso proferido na redação, onde fora recebido por altos dirigentes dos Associados, empresários e políticos de Pernambuco.
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