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Ponte da Boa Vista: relicário de memórias e beleza

Publicado em: 16/04/2019 18:11 | Atualizado em: 16/04/2019 18:22

Embora esteja precisando de reparos, ainda é um dos mais representativos cenários da cidade. Foto: Tarciso Augusto / Esp. DP Foto

Um verdadeiro cartão-postal recifense, composto de estruturas de ferro, histórias, memórias de séculos passados e de uma paisagem quase bucólica em pleno centro da cidade: a Ponte da Boa Vista. Popularmente conhecida como Ponte de Ferro é uma das mais representativas deste tipo de edificação que simboliza a capital do Estado e que a fez ganhar a famosa alcunha de Veneza Pernambucana. Herança do período holandês em Pernambuco, apenas depois disso, entretanto, ganhou seus famosos detalhes em ferro.  

A primeira ponte inaugurada no Recife foi a Maurício de Nassau, em 1644, que liga o Bairro do Recife a Santo Antônio. A da Boa Vista surgiu quase simultaneamente a esta primeira. Atualmente, faz a ligação da rua Nova, no bairro de Santo Antônio, com a rua da Imperatriz, na Boa Vista. É caracterizada por seu design diferenciado e considerada a  mais original do Recife. Segundo o escritor Carlos Bezerra Cavalcanti, autor do livro “O Recife e seus Bairros”, quando surgiu, entretanto, ela possuía uma estrutura muito precária. Era, na verdade, um simples caminho sobre as águas que servia ao Palácio da Boa Vista, local de repouso e lazer de Nassau e onde atualmente encontra-se o Convento do Carmo. “Ela não seguia um rumo certo, isto é, não era em linha reta como é comum nestas construções. Formava um ângulo obtuso. Na verdade, a Ponte Holandesa da Boa Vista, como foi inicialmente chamada, partia da frente deste Palácio e seguia até o atual Cais José Mariano”, explica.

Esta primeira ponte resistiu por um século até ser destruída por ordem do governador da província de Pernambuco, Henrique Luís Pereira Freire (1737-1746). Em seu lugar, foi construída uma nova, agora sim, no mesmo local da que existe atualmente. Com estrutura de madeira, passou por vários reparos, sendo praticamente reconstruída pelo engenheiro Antônio Bernardino Pereira do Lago, em 1815, quando recebeu gradis de ferro e calçamento com seixos irregulares trazidos da ilha de Fernando de Noronha. Havia também, varandas, de cada lado, onde foram colocados bancos de madeira.

Mais de 120 anos depois, em 1876, por ordem do então governador da província, Henrique Pereira de Lucena, o futuro Barão de Lucena, foram iniciadas as obras de reconstrução da ponte, dessa vez com projeto do então jovem engenheiro Francisco Pereira Passos, que mais tarde viria a ser prefeito do Rio de Janeiro. Desapareceram os famosos bancos. Foi inaugurada em 7 de setembro deste ano. Com estrutura inteiramente metálica, foi trazida pronta, diretamente da Inglaterra. Toda em ferro batido, possuía as mesmas medidas atuais: duas passarelas laterais de 2 m de largura, destinadas aos pedestres, e um vão central para veículos e animais, medindo 7,70 m.

Parcialmente destruída pelas enchentes do rio Capibaribe em 1965  a ponte da Boa Vista foi restaurada, em 1967, na gestão do então prefeito Augusto Lucena. “Além de abalada, ela estava com tanto entulho que ameaçava ruir por completo”, conta Carlos Bezerra. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) embargou a obra, porém suas passarelas já haviam sido alargadas, seus pilares unidos por um revestimento de concreto até o nível da água e toda a estrutura do lastro inferior já havia sido concretada. E é este o retrato com que o recifense se depara cotidiniamente.

Moradores reverenciam a beleza da Ponte, mas indicam necessidade de reparos

Durante a visita do Diario de Pernambuco ao local, a técnica em enfermagem Rosilene Nascimento, 37, fazia fotografias na base da ponte. Natural de Natal, no Rio Grande do Norte, e pela primeira vez no Recife, conhecia a construção apenas por fotografia. “Sempre tive vontade de conhecer pessoalmente e achei que ela é mais bonita de perto”, opina. 

Rosilene Nascimento, de Natal (RN), encantou-se com a paisagem. Foto: Tarciso Augusto / Esp. DP Foto


Sidney Gomes da Penha comercializa bolsas ao pé da Ponte, na esquina da Rua da Aurora, desde os nove anos de idade, juntamente com o pai. Afirma que, tanto tempo depois, continua admirado  pelo local. “Ela ainda me impressiona. A gente não enjoa de contemplá-la, não”. Salienta, entretanto, que apesar de bem-conservada, de modo geral, ainda precisa de reparos. “No mês passado, a prefeitura veio trocar as lâmpadas e trechos da calçada. É preciso, ainda, cuidar da pintura, coisa que nunca mais foi feita”, afirma. 

O comerciante Sidney Gomes acredita que a ponte tem necessidade de reparos. Foto: Tarciso Augusto / Esp. DP Foto


O vendedor Sérgio Augusto, por sua vez, trabalha há 26 anos em uma livraria da Rua da Imperatriz localizada em frente a Ponte da Boa Vista. Conta que ela já faz parte da sua história. “Antigamente, quando eu tinha uma folga no horário do almoço, colocava uma cadeirinha em frente à janela dos andares superiores do prédio e ficava olhando o movimento em torno dela”, afirma. Tempos passados, assim como a oportunidade de passear pelo local à noite. “Está muito escuro agora. Às 18h, já está tudo deserto por aqui porque as pessoas não tem coragem de transitar em meio à escuridão”, revela.

Apesar de não apresentar grandes problemas em relação à estrutura e não ter mais a presença dos tantos comerciantes que durante muito tempo nela vendiam seus produtos, a ponte realmente parece necessitar de uma manutenção mais cuidadosa. Há falhas na base da estrutura de uma das colunas centrais, pixações nos ferros e muita sujeira nas colunas onde estão inseridas as informações sobre início e conclusão das obras.  A placa que a identifica, na Rua do Sol, está torta e pichada.

Das 27 pontes da capital pernambucana, a da Boa Vista não é uma das sete com urgência na recuperação estrutural, segundo a Prefeitura do Recife. As do Derby e Torre serão as primeiras a passarem pelas intervenções previstas pelo governo municipal. Nos dois locais já foi instalada a infra-estrutura para início dos serviços, iniciados em março e com prazo de conclusão previsto para um ano. A obra foi licitada em mais de R$ 11 milhões. São prioritárias, também, as pontes Motocolombó, Princesa Isabel, Giratória, Joana Bezerra e Joaquim Cardoso. As duas primeiras estão com o projeto executivo em andamento e até o final do primeiro semestre será lançada licitação para o início das obras. As demais estão em processo licitatório para contratar a elaboração do projeto de recuperação estrutural.

No caso da Ponte da Boa Vista, segundo a Empresa de Manutenção e Limpeza Urbana (Emlurb), o local é alvo frequente de furtos e vandalismo. Por isso, o órgão está realizando um levantamento das ações necessárias à recuperação, como pintura, limpeza e consertos de placas, por exemplo, para fazer um orçamento e programar os serviços. Reposição de refletores e luminárias também são reparos a serem realizados periodicamentes. A Emlubr afirma que, ainda nesta semana, uma equipe será levada ao local para elaborar a programação destes ajustes.

CURIOSIDADES 

*Um detalhe interessante: a primeira versão da ponte foi construída em apenas sete semanas. Era constituída de madeira resistente e guarnecida por parapeitos. 

*Existem nas suas quatro pilastras de entrada, diversas inscrições que registram datas e fatos históricos relevantes de Pernambuco e do Brasil, como “feitoria” de Olinda, em 1535, a invasão dos holandeses (1630); as Batalhas das Tabocas, de Casa Forte (1645) e dos Guararapes (1648-1649); a restauração de Pernambuco (1654); a Guerra dos Mascates (1710); a Revolução de 1817; a Confederação do Equador (1824); a abdicação de Pedro I e início do reinado de Pedro II (1831). 

*Com a aparência de uma ponte ferroviária, a Ponte de Ferro é muito semelhante à Ponte Nova, de Paris, construída, em 1578, no reinado de Henrique III.

* Durante as décadas de 1940 e 1950, a ponte era um local de destaque na vida social da cidade quando, por ela, as mulheres desfilavam com as versões do vestuário em moda. Foi nesta época que surgiram também os fotógrafos do retrato instantâneo, que lá ofereciam seus serviços, novidade naqueles tempos. 

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