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Coluna Acerto de Contas: Temos vagas, mas...

Se você chegar em qualquer lugar do mundo, e não será diferente em Recife, e perguntar qual a profissão que mais deverá empregar no futuro (e já está acontecendo no presente), quase todo mundo irá falar da área de tecnologia e saúde.

Publicado em: 06/04/2019 08:00 | Atualizado em: 07/04/2019 10:09

Porto Digital e entorno. Foto: Shilton Araújo/Esp.DP.
O mais curioso disso tudo é que enquanto temos uma visão geral razoavelmente clara do mercado de trabalho, os cursos de direito continuam abarrotados de alunos enquanto tecnologia não é a preferência da grande maioria. Neste momento temos vagas disponíveis em abundância para pessoas que trabalham na área de desenvolvimento de softwares. Apenas no Porto Digital trabalhamos com a expectativa de pelo menos 10% das vagas disponíveis nas empresas, o que daria por volta de 900 vagas em aberto.


Mas por que isto acontece?

Dois fatores causam este descasamento no mercado de trabalho com a formação das pessoas e vale a pena discutir.

O primeiro é o sistema de incentivos do setor público, que ofereceu durante muito tempo vagas de emprego, especialmente na área jurídica, que provavelmente podemos considerar como os melhores empregos disponíveis no mundo civilizado. Salários iniciais muito mais altos do que a média de mercado, além da inexistência completa de cobrança por resultado e a certeza de que nunca será demitido, independente do que produzir. Isso sem falar que em algumas áreas é oferecido ao agraciado 60 dias de férias por ano. E para quem entrou há algum tempo, ainda temos a aposentadoria integral. Quem recusaria um incentivo como este?

O segundo ponto é a assimetria de informações. Este sistema de incentivos do setor público, apesar de ser muito atrativo, é coisa do passado, pelo menos em grande escala. O Estado brasileiro simplesmente quebrou e teremos muito pouco concurso. Mas esta informação parece não ter sido assimilada pela grande maioria dos jovens, que continua superlotando as escolas de direito. Enquanto isso, as instituições privadas de ensino têm muita dificuldade em fechar turmas na área de tecnologia, especialmente no turno vespertino. Na prática podemos chegar à conclusão de que os jovens ainda não possuem a informação correta sobre o mercado de trabalho.

O caso das faculdades de direito realmente chama a atenção, já que hoje é o maior curso do Brasil em número de alunos. Segundo dados do Censo do MEC, temos 879 mil alunos matriculados em direito no Brasil. É maior do que pedagogia (714 mil) e administração (682 mil alunos). Este último é uma espécie de curso coringa dos estudantes que ainda não definiram sua área de atuação e que serve para todas as áreas no mercado privado. Estes dados são do Blog Exame da Ordem.

Mas o quadro ainda é pior. De 2016 para 2017, apesar da informação disseminada de falta de concursos, a demanda aumentou 8,6% no curso de direito, mesmo com a diminuição radical do FIES. Temos atualmente 1.423 faculdades de direito no Brasil.

E se quisermos falar em descompasso completo com o mercado de trabalho, ainda temos um quadro mais curioso: mais de 2% da população é bacharel em direito. Segundo informações de formação, temos mais de 4 milhões de bacharéis na área, porém a maioria não advoga ou não foi aprovada no Exame da Ordem. O resultado de ações desorganizadas como esta é que teríamos, segundo estimativas de muita gente, algo como 5 milhões de pessoas estudando para concurso neste momento. Claro que uma parcela disso é para a área de saúde e educação, que realmente precisa e nem de longe recebe incentivos como o da área jurídica, mas o dado assusta. Para quem duvida da informação, basta refletir e perceber que dificilmente alguém não tem um familiar ou um amigo que não está estudando para concursos neste momento, mesmo sabendo que a festa acabou.

A verdade é que precisaremos agir em várias frentes para modificar este quadro. Seja melhorando a informação para os jovens, seja dificultando o acesso para cursos que estejam com excesso de profissionais. Isso pode ser feito com ações simples, como não oferecendo Fies ou ProUni para áreas não prioritárias, por exemplo.

O quadro é ainda mais desanimador quando olhamos para a pós-graduação, onde temos mais de 30% de desemprego entre jovens doutores, especialmente da área de humanas. Nos acostumamos a formar apenas para a área acadêmica e não percebemos que havia um descompasso também entre as áreas. Formamos muitos doutores em humanas e muito pouco na área de ciências sociais aplicadas e saúde. O resultado inevitável disso é o desemprego. Sem falar que ainda formamos muito mal em algumas áreas. E enquanto isso, permanecemos com 900 vagas no Porto Digital. E em um lugar com 17% de desemprego, isto é inaceitável. 

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