URBANISMO

Clima no edifício Holiday é de consternação e resistência. Síndico vai recorrer da decisão judicial

Publicado em: 14/03/2019 10:13 | Atualizado em: 14/03/2019 13:38

Justiça determinou desocupação em até cinco dias úteis. Foto: Tarciso Augusto / Esp. DP Foto

Um dia após o anúncio da interdição do Holiday, o clima entre os moradores e nas imediações do icônico edifício é de consternação aliada à resistência. Neste momento, os moradores que ainda estão no local reúnem-se em assembleia para falar sobre as obras que precisam ser feitas no local e aspectos como gerenciamento da mesma, mobilização de recursos, mão de obra, materiais, etc. Em sua maioria, entretanto, não aparentam movimentação que sugira o processo de desocupação do espaço, embora uma equipe da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos da Prefeitura do Recife esteja no local cadastrando moradores que precisem de auxílio para fazer sua mudança. 

Agentes da Defesa Civil, Secretaria de Mobilidade e Controle Urbano, Guarda municipal, Samu, membros da Celpe e da Secretaria de Justiça de Direitos Humanos estão em frente ao edifício para atender os moradores e prestarem auxílio para mudança. O secretário executivo de Defesa Civil do Recife, Cássio Sinomar esclareceu que as famílias que desocuparem os apartamentos não irão receber auxílio-moradia. "O empreendimento é privado. Não existe auxílio moradia nesse caso. Cabe a eles recompor sua moradia. O que damos, devido ao prazo de desocupação, a Prefeitura está oferecendo é apoio logístico, caso alguém precise realizar a mudança", disse.

O síndico do edifício, Rufino Neto, anunciou que irá recorrer da decisão judicial e afirmou que o sentimento geral é de total tristeza. “Sinto como se fôssemos lixo. O que a gente pede é mais uma compreensão do excelentíssimo juiz porque, no dia da audiência ocorrida no dia 28 de fevereiro, ele me perguntou se nós tínhamos como arcar com algumas etapas da reforma e eu disse que não. Agora, entretanto, as coisas mudaram. Algumas ações já foram feitas em mutirão, minimizando a possibilidade de incêndio, e já estamos criando parcerias, conseguindo verbas para trabalhar. Demos algumas passos para a frente, então iremos pedir a reconsideração para que ele nos dê mais tempo a fim de que o trabalho seja concluído”, informa. O síndico afirma, ainda, que está mantida a audiência de conciliação com a Celpe, agendada para o dia 28 de março.

Andréa Feliciano da Silva, 43, desempregada, mora com o marido e duas filhas, de 18 e 22 anos. Ambas possuem esquizofrenia e com toda esta problemática o quadro das garotas tem piorado. Uma delas, a mais nova, já chegou a ter uma crise, momentos em que mutila-se e tenta suicídio. A menina faz tratamento no CAPS, toma medicação, mas o problema que está vivenciando faz a situação se agravar.  Andréa mora no 14º andar do Holiday há 20 anos, está sobrevivendo de doações que recebe da igreja, cozinhando com água mineral e não pretende sair do local.  “Não tenho para onde ir e não posso sair do que é meu para morar em abrigo com minha família. A gente precisa de um prazo maior para conseguir se organizar e tentar começar a obra da parte elétrica”.

A aposentada Maria de Lourdes, 68, se mudou para o Holiday ainda recém-casada, há 50 anos, com o edifício ainda no fim da construção. "Na época, ele era como qualquer um desses outros arranha-céus que vemos hoje. Um prédio grandioso, lindo. Aqui me sinto em casa. Não quero sair daqui. Foi aqui onde formei minha família. Aqui está a minha história", diz. Com a impossibilidade de continuar na própria casa, ela busca apartamento para alugar em Olinda, onde parte da família mora. "Minha sobrinha mora em Olinda e pede que me mude para lá. O problema é que recebo minha aposentadoria e teria que pagar um aluguel que não contava", diz.

A dona de casa Mariele Batista da Silva, 63, diz que a mobilização perdeu a força com a saída de inquilinos, já que a maior parte dos moradores que continuam no Holiday são proprietário dos apartamentos. Ela mora há 19 anos no 17° andar do edifício, onde todos os moradores já se mudaram. "Não vou me mudar para pagar por um aluguel tendo o meu próprio. Aqui não há violência, a rotina do Holiday não é como muitos pensam. Existem família, idosos e crianças. Pessoas que já têm suas casas e não irão para abrigos. Eu vou ficar até as últimas", disse.

Prevenção

De acordo com o secretário executivo de Defesa Civil do Recife, Cássio Sinomar, interdição do edifício é a maior medida preventiva da cidade do Recife no sentido de salvar vidas e de evitar o que poderia ser o maior desastre humano do Brasil. "A questão única e exclusiva porque eles estão saindo é a necessidade de interdição por inércia do condomínio de fazer as devidas manutenções que todos os prédios da cidade do Recife são obrigados. Existem 476 proprietários, mas o prédio hoje não oferece condições de habitabilidade pelo alto potencial de risco de incêndio", explicou.

Sinomar comparou  o caso com outras tragédias ocorridas no Brasil. "No caso da Boate Kiss, no Rio Grande do Sul, por exemplo, houve dezenas de mortos porque alguém deixou de fazer alguma coisa ou ação, seja Prefeitura, Estado ou o empresário. Buscar culpados depois é muito fácil, mas ninguém pode trazer a vida das pessoas de volta. No CT do Flamengo também, houve um desastre em área plana, imagina em uma edificação vertical como esta?", afirma.

Foto: Mandy Oliver/DP.

Ele destaca ainda que, desde 1996, quando foram realizados a primeira avaliação e relatório de vistoria apontando as falhas e necessidades de recuperação, nada foi feito."É como uma doença que, sem remédio, vai se agravando", compara e menciona o alto grau de risco de incêndio de nível 4 (o máximo na escola) por não haver sistema de prevenção, pelo fato de a parte elétrica estar inadequada e fora das normas e leis vigentes. "Não funciona a questão elétrica, hidráulica, não se tem sistema de prevenção e combate à incêndio nem manutenção. Além disso, sobram infiltrações", informa.

O secretário mencionou ainda que, por tratar-se de um empreendimento privado, a responsabilidade sobre apresentar um projeto de reestruturação é de responsabilidade do condomínio e que, apenas após isto, poderia se pensar no retorno dos moradores. "Aqui não há condições de habitação e a decisão do juiz não foi baseada em meros laudos, mas em uma inspeção visual realizada às 20h de uma quinta-feira anterior ao Carnaval. O que cabe à prefeitura, diante destas condições em um edifício particular é, devido ao prazo e sabendo das dificuldades de as pessoas se mudarem, dar este apoio logístico que estamos oferecendo, bem como aolhimento social em abrigos", afirma. 

Holiday – ícone da arquitetura modernista

Construído entre 1957 e 1959, edifício foi um dos primeiros arranha-céus da capital, juntamente com o Acaiaca e o Califórnia. Possui 416 apartamentos (divididos em 317 quitinetes, 65 quarto-e-salas e 34 dois-quartos) distribuídos em 17 andares e surgiu a partir de projeto do engenheiro Joaquim de Almeida Marques Rodrigues. O intuito inicial era, como a maioria das edificações à época, de que fosse usado como veraneio. Marco da arquitetura modernista na cidade, transformou-se em um verdadeiro emblema do bairro de Boa Viagem. 

Para o premiado arquiteto pernambucano Wandenkolk Tinoco, profissional símbolo do modernismo e figura fundamental no desenvolvimento da arquitetura com esta linguagem no Nordeste, o Holiday é sinônimo de ousadia. “Principalmente considerando o grande número de apartamentos concentrados na sua estrutura e que demandava um serviço urbano mais completo de coleta, abastecimento, enfim. O que acontece hoje, provavelmente é resultado justamente disso, por ter sido implantando no momento em que estas estruturas ainda não estavam apropriadas para este tipo de edificação. Gosto muito, entretanto, do comportamento de quem o projetou, porque acho que a ousadia faz parte da antevisão. Quando se quer fazer algo adiante, faz-se com ousadia”, destaca, relembrando ainda o grande impacto que o Holiday teve na malha urbana e na fisionomia na cidade. “Com todos os percaços, reverencio o Holiday, acho que é projeto muito inspirado na linha de Oscar Niemeyer, mas a verdade é que ele perece há muito tempo pois não houve a adequação perfeita entre cidade e edifício”, conclui.
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