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Vida Urbana
LIVROS

Sebos tradicionais do Recife também sentem impacto da crise

O mau momento das livrarias em todo o país se estende a estes espaços. Venda de livros escolares é boa perspectiva apenas para os próximos meses.

Publicado: 28/12/2018 às 15:06

O Largo da Praça do Sebo existe há 37 anos e abriga 19 boxes. Foto: Camila Pifano/Esp. DP./

O Largo da Praça do Sebo existe há 37 anos e abriga 19 boxes. Foto: Camila Pifano/Esp. DP./

Um livro na mão, um passaporte para qualquer lugar no tempo ou espaço. Quem possui o hábito da leitura têm nas livrarias um verdadeiro oásis. No momento atual, entretanto, o setor vive uma crise intensa em todo o país. Duas das maiores redes brasileiras estão em recuperação judicial enquanto editores clamam aos clientes que doem livros como presentes de fim de ano. Alguns, mais pessimistas, dizem que não há mais leitores. Diante deste cenário, como anda, então, o mercado para os sebistas no centro do Recife? O Diario visitou o Largo da Praça do Sebo, na Rua da Roda, e o sebo localizado na Rua Marquês do Recife, entre a Dantas Barreto e a Engenheiro Ubaldo Gomes de Matos. Ambos estão localizados no bairro de Santo Antônio e são os únicos atuantes, com características de comércio coletivo, na região.

O Largo da Praça do Sebo existe há 37 anos e abriga 19 boxes na rua localizada por trás da central Avenida Guararapes. O espaço é bem cuidado, sem sujeira acumulada ou irregularidades no calçamento. Em março do ano passado foi revitalizado, ganhando nova iluminação e recuperação do piso de pedras portuguesas. À sombra das árvores, em um banco, há uma estátua do cronista e poeta pernambucano Mauro Mota, lendo, como quem espera por companhia. Rara, infelizmente, nos dias atuais. A maioria dos boxes abre as portas a partir das 9h para pouquíssimos clientes.

O comerciante Severino Augusto, 59, chegou ao Largo no ano de sua inauguração depois que a área em que trabalhava com seus livros, ao lado do antigo Banco Safra, na Dantas Barreto, foi desativada. Se na época não dispunha nem de 50 livros para venda, hoje possui um estoque de 3mil, com preços de variam entre R$ 10 e R$ 400. Investe em peças raras, por isso costumava receber a visita de historiadores e professores em um tempo não muito distante, há cerca de 10 anos. E que hoje abandonou suas prateleiras. “Muitos perderam o hábito de manusear e optam pelo livro digital. Quem continua com o hábito de ler no papel também aderiu à tecnologia e, por isso, nossos maiores concorrentes são os sites que disponibilizam o nosso serviço, como o Estante Virtual. Se antes vendíamos até 120 livros por dia, hoje este número mal chega a 15”, conta.

O eletricista Cléber José, 39, foi um dos poucos visitantes do espaço enquanto a reportagem esteve por lá. Frequentador das livrarias dos shoppings, costuma procurar os sebos em busca de novidades e promoções. “Busco aqui o que não encontro nelas: lançamentos não tão recentes que já estejam com preços mais acessíveis. Gosto de HQs, ficção, história e estou sempre nesta área”, informa.

Carlos Pontes, há 23 anos comercializando na praça, também sinaliza para a questão do universo digital. “Atualmente, as pessoas procuram muitos livros nas redes sociais, baixam em PDF. Então, assim como nas livrarias, sentimos uma queda gradativa em nossa área nos últimos quatro, cinco anos. Há dias em que não vendo um exemplar sequer”, revela. Situação que, pelo menos nos próximos três a quatro meses, tende a melhorar devido à procura por livros didáticos e paradidáticos. “Embora haja também no meio virtual grupos de whatsapp especializados na troca e venda, registramos um exponencial aumento nas vendas de dezembro a fevereiro e, muitas vezes, até março”, salienta. A doméstica Marilene Lins foi uma das que fez a opção pelo sebo. “Antes comprava tudo para as minhas filhas nas livrarias. Esta é a primeira das muitas vezes que venho aqui, onde pesquisei e consegui fazer uma economia de até 30%”, afirma.

Cátia Sales, outra comerciante atuante na área há 22 anos, acredita que a procura já aumentou em até 40% e tende a crescer ainda mais. “Muitos ainda não chegaram porque não estão com a lista dos materiais, mas outros já se antecipam e saem à procura. O problema é que depois que começam as aulas o movimento despenca de forma gritante. Acredito que o que falta aqui é divulgação deste espaço por meio do poder público, de envolvimento e inserção da praça em mais atividades culturais da cidade”, opina.

Já nos 10 boxes de livros da Rua Marquês do Recife, em frente à movimentada Dantas Barreto, a frequência do público é maior. Nesta época do ano, principalmente em busca de livros escolares. O local, menos espaçoso do que o Largo do Sebo, possui menos boxes especializados mas tem uma confluência maior de público. Provavelmente devido à privilegiada localização, bastante visível para quem circula pela avenida principal, e também pelos preços bastante acessíveis. Stephany Monaliza, comerciante da área com seus irmãos, conta que, nesta época do ano, a demanda chega a aumentar em até 50%, embora também sinta a concorrência dos grupos de whatsapp. “Eles quebraram um pouco a gente. Sobre o impacto para o nosso comércio diante da crise das livrarias, acredito que ainda é algo recente e não chegou, até agora, em nós. O problema das vendas é anterior a isto, pois acho que o brasileiro não tem tão forte o hábito da leitura”, acredita.

A dentista Juliana Bompastor, 40, mostra que, ao contrário do que afirma Stephany, em sua casa o costume de ler teve início bem cedo. É para o filho de 10 anos que ela procurava títulos da saga Star Wars. Uma espécie de resistência e cultivo de uma tradição que, para as próximas gerações, pode estar ameaçada. Na escola da sua criança, a partir de 2019, não haverá mais a utilização de livros impressos. Tudo será consultado via tablet. “Há dois anos, a direção começou a anunciar esta mudança e, durante este tempo, fizeram uma substituição gradual. A partir do próximo ano, será tudo digital, exceto os cadernos de atividades. Esta é uma geração diferente da minha que, temo, não tenha tanto apreço pelos livros. Na minha época, aprendemos a ler da forma tradicional, por isso, para leitura de lazer, por prazer, prefiro os bons e velhos impressos”, conclui.
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