Luta

Maracatu Baque Mulher: a voz feminina que ecoa no batuque pernambucano

Há 10 anos, Maracatu Baque Mulher, formado exclusivamente por mulheres, amplifica a voz feminina dentro da comunidade do Bode

Publicado em: 13/07/2018 17:49 | Atualizado em: 13/07/2018 22:02

Foto: Peu Ricardo/DP.
Joana Cavalcante, 39 anos, somente se deu conta do tamanho do machismo no seu entorno quando assumiu o posto de mestra do Maracatu Nação Encanto do Pina. Na época, chegou a testemunhar homens deixando o grupo por não aceitarem uma mulher em uma posição tão importante. Joana transformou tudo em luta. Há dez anos, criou o Maracatu Baque Mulher, formado exclusivamente por mulheres, e amplificou a voz feminina dentro da comunidade do Bode, no Pina. Não apenas lá. Hoje, são 22 grupos do Baque Mulher em outros estados do país.

Os ensaios são abertos a qualquer mulher que queira participar. Não importa a idade, se são de outras nações ou de outros bairros. Os encontros acontecem aos domingos no terreiro Yle Axé Oxum Deym, no Bode, sempre a partir das 14h. O começo é sempre com uma roda de diálogo sofre feminismo e segue com a oficina de percussão. A agenda pode ser confirmada com antecedência na página do Facebook do maracatu ou no site www.baquemulher.com.br.

"Se nas outras classes sociais têm saúde, educação, por exemplo, aqui na favela a estrutura é mais precária, é a lei da sobrevivência. E isso engloba tudo. A mulher pensa, por exemplo, que depende de homem. Aqui é dez mil vezes mais difícil debater os direitos da mulher. Além de enfrentar o machismo, é preciso fazer com que ela permaneça viva", explica Joana.

Cerca de 80 mulheres integram o Baque Mulher. A luta delas é por um espaço maior para ensaiar porque o terreiro é pequeno para abrigar tanta gente. Joana está tentando viabilizar junto à Prefeitura do Recife uma escola pública para fazer as atividades aos domingos. Até agora não teve retorno.

Com a multiplicação do Baque Mulher em outros estados, as integrantes do grupo no Bode passaram a viajar para promover oficinas de percussão. As passagens de avião são custeadas pelas integrantes dos grupos que vão receber as oficinas e as meninas recebem cachês. “Antes, apenas homens faziam esse trabalho”, lembra Joana. A próxima a viajar é Sandra Viana, 16 anos. “Estou nervosa, mas quando coloco o instrumento na mão, esqueço tudo. Sinto muito amor pelo que faço”, conta.

Maria das Dores, 20, participa do maracatu desde os dez anos. Entrou com a mãe, Andreza Silva, 47, e uma irmã. “É bom porque estou em contato com outras mulheres. Ser mulher, negra e de favela não é fácil. A gente chega em um lugar e as pessoas já olham de lado”, conta. Isabelle Caldas, 26, é produtora cultural e deixa a Zona Norte para participar do maracatu. “Sou da Nação Estrela Brilhante, mas aqui me sinto muito à vontade por só ter mulher. Tem homem que pensa que a gente não pode tocar igual ou melhor que ele, mas conheço muitas meninas que fazem melhor”, pontua.

Joana hoje é a única mulher a reger uma nação de maracatu de baque virado no país. Quando ela era criança, as mulheres somente podiam cozinhar, bordar, costurar e dançar dentro do maracatu. Jamais tocar. Quando começaram a pegar nos instrumentos, se vestiam de homens. No Baque Mulher, as integrantes podem usar suas saias, adereços, maquiagens e cabelos soltos. “Aqui eu aprendi que minha vida não parou. Voltei a estudar, conheci outras mulheres e uma ajuda a outra, mesmo as de outros estados”, conta Andreza. Joana e seu grupo são prova da força que tem o maracatu feminino no país.
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