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Comportamento

Amor e união, na saúde e na doença, há 60 anos

Sem condições de festejar em casa, juiz e contadora aposentados comemoram matrimônio em hospital

Publicado em: 01/06/2018 07:17 | Atualizado em: 01/06/2018 12:14

Fotos: Marlon Diego/Esp DP
Todos os dias, religiosamente, José, 88 anos, e Izabel, 87, tiram suas alianças de ouro e as colocam em um altar montado em casa. Depois, põem as joias de volta nos dedos e beijam a mão um do outro. O ritual é como uma bênção para o casal, unido há 60 anos, completados ontem. As bodas de diamante seriam celebradas, nesta sexta-feira, com uma missa na capela do Colégio Virgem Poderosa, na Jaqueira. Um contratempo infeliz adiou o evento. A nova data ainda não está definida.
No último domingo, José de Abreu Santos, juiz aposentado, foi internado em um hospital particular do Recife em virtude de uma infecção. Desde então, Izabel Monteiro de Abreu Santos, formada em contabilidade, passa os dias ao lado do companheiro. Somente não dorme na unidade de saúde por precaução da família. Tocados com o adoecimento repentino do pai e a dedicação da mãe, os oito filhos e filhas do casal decidiram não deixar a data passar em branco. Combinaram de fazer uma cerimônia surpresa de bênção das alianças em uma pequena capela do Hospital Esperança, na Ilha do Leite, onde José está.

A cerimônia aconteceu no final da manhã de ontem. Contou com a presença do padre Tiago Melo, pároco da Madalena, amigo da família há muitos anos. Além dos filhos, também presenciaram a renovação dos votos de José e Izabel, netos, netas, genros e noras. No espaço pequeno, a família cantou músicas religiosas ou queridas do casal, como a romântica Hino ao amor, tocou violão, rezou e posou para fotos, como em uma celebração tradicional. “Assim que meu pai tiver alta, vamos esperar mais dez dias para remarcar a nova data da festa”, disse Maria Verônica Monteiro de Abreu, uma das filhas do casal.

Janice Souza é auxiliar de enfermagem no hospital. Ela acompanhou toda a cerimônia em silêncio, encostada na porta da pequena capela, dedicada a pacientes e a seus familiares. “Estou achando belíssimo. É muito difícil ficar junto tanto tempo assim.” Entre a prole, José Daniel Monteiro de Oliveira segue os passos dos pais. Sua união com Sandra Abreu já dura 25 anos.

Fotos: Marlon Diego/Esp DP

No quarto onde José está internado, familiares espalharam por janelas de vidro e nas paredes fotos do casal, atuais e quando ainda jovens. Para a cerimônia, José colocou uma gravata verde e um paletó. Izabel vestiu um terno da mesma cor. Desceram de mãos dadas até o térreo, onde fica a capela. “Sinto por ele só amor, muito amor. Não é aquele amor agitado do início, é mais sereno. As pessoas se admiram e perguntam se tem receita para ficar tanto tempo junto. Digo que não tem. Costumo dizer que no casamento a gente sai de uma situação de um pouco mais de liberdade que teria na vida de solteiro, pois exige renúncia. Mas foi uma escolha, não fui obrigada a nada”, diz Izabel. Ao lado dela, José resume: “Ela é meu presente do céu. Somos dois em um. Um em dois. Onde falhei ela chegou.”

Os dois se conheceram em 1950, em Garanhuns. Os pais trabalhavam com fornecimento de cana e eram muito amigos. Pouco tempo depois, cada um tomou um destino diferente em outras cidades. Izabel terminou contabilidade em Campina Grande, na Paraíba, e José cursou direito no Recife. Cinco anos se passaram até se reencontrarem, por acaso, na Rua Nova, no Centro do Recife. Izabel trabalhava na via e ele concluía o curso. Todos os dias, buscava a amada no trabalho. Até que um dia, tomou coragem para segurar na mão de Izabel. Pronto. Dali não largaram mais. Em 1958, casaram-se. Não sem um contratempo antes. Izabel perdeu o vestido de noiva em uma viagem de trem entre Garanhuns e Recife. Por sorte, a roupa foi guardada pelo maquinista.

Em 60 anos, nunca dormiram separados, a não ser no recente internamento de José. Fazem tudo juntos. Quando moraram em Maraial, na Mata Sul, no início da carreira de magistrado de José, criaram uma escola dentro da própria casa para ensinar aos mais pobres. Aconteceu em 1964, em plena ditadura militar. Por conta disso, foram acusados de comunistas e procurados por homens fardados. Ela, grávida, quase perdeu o bebê com o susto. O episódio agora é só uma lembrança ruim. Izabel queria mesmo mais sorrisos do amado. Naquela manhã, ganhou vários.

Fotos: Marlon Diego/Esp DP

José nunca tirou férias ou licença prêmio. Por isso, aposentou-se mais cedo. A ideia do casal era viajar junto após a aposentadoria. Conseguiram cumprir apenas parte do sonho. No aniversário de 80 anos dele, embarcaram para a Europa. Tempos depois, ele passou a precisar de hemodiálise. E as viagens longas tornaram-se inalcançáveis. Deixaram a casa em Surubim, no Agreste, para morar com a filha Verônica, no Recife, onde ele tem acompanhamento médico. Também ficam mais juntos dos oito filhos e filhas, 17 netos e netas e oito bisnetos e bisnetas.

Nas primeiras horas da manhã de ontem, José ligou para a companheira para lembrar da data emblemática. Relembrou para ela um episódio ocorrido em Inajá, no Agreste, onde moraram logo quando casaram. “Naquele dia, estava chegando em casa. O lugar não tinha luz, chuveiro, a cozinha era com carvão. Ela, abaixada no chão de terra batido, dando banho em um dos meninos e com outro pequeno junto. Ouvi quando ela disse: ‘Ah se eu soubesse que casamento era assim’. Fiquei assustado com a fala, quando ela me viu e completou: ‘Recomeçaria tudo de novo.’” Os dois riram juntos. (Amor e união, na saúde e na doença, há 60 anos.
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