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A vida das pessoas

Shampoo, de menino de rua à celebridade da Zona Sul

A infância e ascensão do ex-jogador do Íbis são ainda mais interessantes que o folclore criado em torno dele

Publicado em: 11/05/2018 07:00 | Atualizado em: 11/05/2018 08:20

Ex-jogador do Íbis tira seu sustento do salão de beleza. Foto: marlon Diego/Esp. DP

Boquinha, Leleu, Boca de Véio. Os irmãos Beto e Gilmar. Mauro era, com eles, menino de rua e dormia sob o teto frio do abandonado Mercado de Boa Viagem. Tinha tudo para dar errado. “Meus amigos iam roubar rádio Tkr e Hotstar. Bora? vou não. Eu falava ‘viva sua vida que vivo a minha’. Vê mesmo que história maravilhosa! Podia estar rico, preso ou morto. Mas eu só pensava em ganhar dinheiro e levar para meu pai”. Tinha 13 irmãos, pai e mãe na pobreza. Aos 9 anos, Mauro perambulava ao relento entre a pracinha e o calçadão de pedras portuguesas da orla. “Era época que não tinha tubarão”. Na areia em dia de sol, fez-se ambulante. “Olha os pastéis. Quem come um, come dez”. Hoje, aos 62 anos: ex-engraxate do extinto Hotel Boa Viagem, eterno ídolo do Íbis, o pior time do mundo, cabeleireiro famoso, pai de Shampoo, Secador e Creme Rinse. “Agora, mangue de mim”.

Mauro Teixeira Thorpe, que adotou como nome artístico Mauro Shampoo, é uma celebridade. O cidadão mais querido da Zona Sul. Único nativo digno de ganhar buzinaço de ônibus coletivo numa terça-feira sem graça, abraço de policial e a histeria das vendedoras de artesanato da área. “Show”, ele grita. “Show, show, show”, responde a mulherada com sorriso de orelha a orelha. É aquele que chama a atenção ao balançar a cabeleira cada dia mais volumosa, vestido com uniforme de futebol, embalado pela ginga de jogador e a simpatia de um astro gentil - um tipo incansável ao tratar os fãs com gentileza.

“Fui muito humilhado. Fiz tudo para ser um jogador de verdade. Eu era muito bom. Ganhei a marca do pior e só fiz um gol na minha carreira. Foi o gol da minha vida e todo mundo fala que foi contra. A memória que ficou foi essa. Fazer o que? Só digo uma coisa: na vida, sou vencedor” - sentencia Mauro Shampoo, ajustando o enredo sobre si mesmo. “Porque eu construí minha vida no mesmo bairro onde fui morador de rua e hoje posso dizer com orgulho que sou jogador, cabelereiro e macho”. O salão de Mauro fica no Praia Sul Shopping, a vinte passos do mercado que lhe servia de abrigo. Foi reticente em aceitar ser aprendiz de cabeleireiro. Tinha medo de preconceito na favela e foi vencido pelo argumento da mãe: “Vá, meu filho. Aprenda porque a gente gasta muito cortando o cabelo de todo mundo aqui”.

Mauro Shampoo nunca teve aula em curso de cabeleireiro. “Enchia umas bolas de festa, ensaboava e começava com a navalha. Se estourasse, pow!, era como um corte no cliente”. Intercalava expediente com os treinos no Íbis. “Depois foi cortar o cabelo na casa das pessoas. Mas tinha a mania de só chegar na hora do almoço”, brinca com a realidade Alexandre Lessa, amigo de décadas e cliente atual.

O salão de Shampoo, cheio de memórias afetivas, é concorrido. Do amigo da infância ao italiano Marcato Paulo, aposentado rico da área de construção civil que mora em Muro Alto e retoca o visual antes de embarcar rumo a Veneza. Com os americanos, idem. Aprendeu o how much, (quanto custa, em português) e frases básicas. O aprendizado lhe serve até hoje. “Mauro é um patrimônio de Boa Viagem”, diz Édson Gonçalves, cuja família emprestava o alpendre da casa nº 277 na Barão de Souza Leão para Mauro Shampoo dormir. “Se você não o conhece, não sabe nada daqui”.

Shampoo mora no Ipsep, mas cresceu com Boa Viagem nos últimos cinquenta anos no bairro fincou suas raízes. “Em campo de várzea ele ganhava todas. A gente até foi tricampeão jogando pelo time Estrela do Mar”, assegura Gilmar Francisco, ex-peladeiro e segurança da igreja da pracinha. “Segui o meu destino. Hoje tenho uma loja minha, tenho um filme sobre mim, um boneco gigante de Olinda e uma música de Oswaldo Montenegro. Viajei até para a França com tudo pago para contar minha história. Toda vez que faço uma coisa diferente eu penso: ‘quem era Mauro?’”.

Shampoo, a maior celebridade da Zona Sul do Recife, tem clientela cativa e atende no salão-de-beleza-arena paramentado como jogador do Íbis. Faz questão de usar a braçadeira de capitão e as chuteiras com as iniciais “MS” bordadas - como todo craque. Como veste a Camisa 10, compara-se a Neymar, Rivaldo, Zico, Ronaldinho Gaúcho. Mauro Shampoo é um cara vitorioso. É show.

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