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Boa Viagem: Da vila de pescadores ao superbairro

Com 123 mil habitantes, Boa Viagem tem população maior que grande parte dos municípios da RMR e abismo socioeconômico dentro de seus limites

Publicado em: 11/05/2018 07:00 | Atualizado em: 11/05/2018 08:22

A praia é considerada o principal fator de atração de moradores para a região. Foto: Thalyta Tavares/Esp.DP

A colônia de pescadores que se tornou uma praia de veraneio e hoje é o bairro mais populoso do Recife. Com 123 mil habitantes, Boa Viagem tem dimensões de cidade. Dos 14 municípios da Região Metropolitana do Recife (excetuando a capital), só perde em população para Jaboatão, Olinda, Paulista e Cabo de Santo Agostinho. Se o bairro fosse um município, seria o quinto maior da RMR, com quase o dobro dos moradores de Moreno, que tem 62 mil habitantes, e seis vezes mais que Araçoiaba (20 mil).

Entre 2000 e 2010, Boa Viagem ganhou mais de 20 mil novos moradores, segundo o IBGE. Outro grande crescimento aconteceu na década de 1970, de acordo com o pesquisador Paulo Reynaldo Maia Alves, autor do livro Os valores do Recife: o valor do solo na evolução da cidade. A obra, de 2009, revela um incremento demográfico de 175,76% entre os anos 1960 e 1970. Naquela década, o bairro - junto ao Pina - somava 77.467 habitantes. “A procura por Boa Viagem é fruto de vários motivos, sendo o mais relevante a existência da praia”, pontua o autor.

O banho de mar, porém, nem sempre foi visto como um atrativo. “A península do Pina e Boa Viagem era separada do Centro do Recife pelo rio. Na época, não havia distribuição de água tratada para as residências, então era um problema, pois não havia água doce em casa para se banhar depois de ir ao mar. Assim, o banho de rio era mais procurado. Com a chegada da água às casas e a construção das pontes, que ligavam o bairro ao Centro, a popularização de Boa Viagem começou, e a proximidade com o mar passou a ser uma vantagem”, explica o arquiteto e urbanista Ênio Eskinazi.

Foi na década de 1970, época de expansão do bairro, que o advogado aposentado Luciano Carvalho, 83 anos, comprou um terreno em Boa Viagem. “Aqui era um lugar tão sem atrativos que minha mulher disse ‘arrume outra para ir morar com você nesse fim de mundo'”, lembra. Convencida por ele, a esposa aceitou trocar Casa Forte, na Zona Norte, pela então praia de veraneio. “Hoje, ela não quer sair daqui. Foi onde criamos nossos filhos, ganhamos nossos netos”, diz.

Na época, o principal fascínio que o bairro causava era a proximidade com o mar. “Na minha infância, meu pai nadava em Boa Viagem. Ele ia ao fundo, se exercitando. Não tinha tubarão, mas eu já tinha medo e ficava só observando da areia”, recorda o filho do advogado, Luciano Carvalho Júnior, 53. Como escreveu Gilberto Freyre no Guia prático, histórico e sentimental da Cidade do Recife, “um banho em Boa Viagem é um dos maiores regalos que o Recife oferece a adventícios, tanto quanto a nativos”.

Luciano viu a chegada de lojas, do Shopping Recife, dos edifícios. “Não existia prédio onde moro.” Hoje, o advogado vive em uma casa cercada de espigões. O jardim, a piscina e a mesa ampla para um café da manhã na área externa fazem o visitante esquecer que está em Boa Viagem. “Muitas construtoras já me procuraram para comprar, mas não saio”, diz.

Uma síntese da capital pernambucana
Síntese do Recife, Boa Viagem convive com problemas de mobilidade urbana e relacionados à segurança pública. Apesar de ter uma das maiores taxas no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), lida com uma visível desigualdade. O IDH 0,951 - de uma escala que vai de 0 a 1 - faz Boa Viagem ter um índice maior do que o de países desenvolvidos. Hoje, a Noruega é o país com o maior índice de desenvolvimento humano do mundo (0,949). A média do Brasil é de 0,754 - número considerado elevado, mas não muito alto.

Entre a orla, onde a realidade se assemelha mais à Noruega do que ao Brasil, e as comunidades Entra Apulso, Borborema e Ilha do Destino, que têm índices mais próximos aos de países africanos de baixo IDH, diferentes facetas do bairro podem ser observadas. As três comunidades são consideradas Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis) da cidade.

Para o arquiteto e urbanista Ênio Eskinazi é sobre essas questões que o poder público deve se debruçar hoje ao pensar Boa Viagem. “O bairro já foi totalmente ocupado após uma especulação imobiliária desenfreada, que colocou parte da população à margem dos 'benefícios' criados. Não há muito o que se discutir do ponto de vista da ocupação do solo, pois o bairro está saturado. Agora, é preciso pensar sobre como oferecer qualidade de vida aos moradores, como melhorar a mobilidade e a segurança”, ressaltou.

O futuro de Boa Viagem é pensado pelo poder público levando em consideração diversos eixos, entre eles o ambiental, o econômico, o social e o urbano. O secretário Municipal de Planejamento Urbano, Antônio Alexandre, ressaltou que essas dimensões são observadas no Plano estratégico de desenvolvimento de médio e longo prazos para a cidade do Recife 2037 (Recife 500 anos) e a revisão do Plano Diretor. 
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