Educação

Centro de Informática da UFPE: a origem do nosso Vale do Silício

Com números que impressionam, o CIn ajuda a colocar Pernambuco no mapa da tecnologia de ponta

Publicado em: 16/04/2018 14:37 | Atualizado em: 16/04/2018 14:43

O Centro de Informática da UFPE tem o maior número de projetos da Lei de Informática do país. Foto: Thalyta Tavares/Esp.DP.
Onze projetos pela Lei de Informática, 49 grupos de pesquisa, 1.761 dissertações e 403 teses defendidas. Os números do Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco (CIn/UFPE) impressionam. Considerado um dos maiores polos universitários em tecnologia da América Latina e com o quinto melhor curso de computação do país, o CIn coloca Pernambuco no mapa da educação superior de ponta, atraindo estudantes, pesquisadores e investimentos de empresas que buscam soluções tecnológicas.

Em 2018, o centro completa 44 anos com o resultado máximo na última avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) para comemorar. O Programa de Pós-Graduação em Ciências da Computação da UFPE é um dos poucos brasileiros e o único na área de informática do estado a receber nota 7 no levantamento sobre a qualidade dos programas stricto sensu (mestrado, doutorado e mestrado profissional) do país.   

Juntamente com o Porto Digital, o CIn tornou o Recife uma referência em ideias e criação na área tecnológica. “O Centro de Informática da UFPE se estabeleceu como um dos principais centros de formação de capital humano em graduação e pós-graduação da América Latina. É o centro acadêmico que atrai mais recursos da Lei de Informática”, destaca o professor emérito do Centro de Informática da UFPE, Silvio Meira, referindo-se à legislação sancionada em 2014, que concede incentivos fiscais para empresas do setor de tecnologia.

Berço de importantes ambientes de inovação, o centro se prepara para os próximos anos com a meta de manter a qualidade e o posto de referência conquistados nas últimas décadas. Há ainda a expectativa de ampliar de três para quatro o número de cursos de graduação, com a criação, em 2019, do bacharelado em engenharia de software nos campi Recife e Caruaru da UFPE. “Vamos trabalhar fortemente para manter e melhorar as ações que já desenvolvemos”, garante o diretor do CIn, André Santos.

'Vale do Silício' pernambucano em ascensão
Gustavo Danzi (esq) e Igor Gatis (dir) têm parceria desde a graduação. Foto: Shilton Araújo/Esp.DP.

O impacto do Centro de Informática da UFPE vai além das fronteiras do campus. Além de formar estudantes que se destacam nos mercados nacional e internacional, tem papel relevante na transformação do Recife em um “Vale do Silício brasileiro”. É tido como a pedra fundamental para a criação do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (CESAR) e do Porto Digital, que fizeram a capital pernambucana ser considerada o maior polo tecnológico do Brasil.

A produção de conhecimento abrange diferentes áreas de interesse da sociedade e se renova a cada projeto. Juntos, os alunos João Paulo Vicente, 23, Matheus de la Roque, 22, Moabe Veloso, 22, e Jailson Dias, 22, criaram um aplicativo chamado Porquin. O app é voltado para o público feminino interessado em moda e oferece descontos em lojas parceiras. “Fomos escolhidos para participar da Campus Party, onde vamos apresentar o aplicativo. O projeto nasceu em uma cadeira do curso. Recebemos apoio de professores e do centro para continuar com ele após a conclusão da disciplina”, lembra João Paulo.   

“Sou estudante de design, mas estudo uma cadeira do CIn, oferecida como eletiva para o meu curso. Fazemos um ‘projetão’, trabalho da disciplina projeto de empreendedorismo, que reúne alunos de vários cursos. Vejo o CIn como um local para desenvolver ideias e esse ‘projetão’ como um primeiro passo para o mundo dos negócios”, acrescenta Flávio Mattos, 26 anos

Ex-alunos do CIn e diretores da empresa Acqio, Igor Gatis, 37, e Gustavo Danzi, 36, estudaram na mesma turma em 1999. Durante a graduação, participaram da ACM International Collegiate Programming Contest, uma maratona de programação. Naquela época, como observam os dois, não existia a cultura de participação em eventos como esse. No mestrado, que também fizeram juntos no CIn de 2004 a 2006, participaram da Imagine Cup, maior competição de soluções de tecnologia do mundo, promovida pela Microsoft.

“Voltamos do Japão com o quarto lugar depois de concorrer com 30 países. Trabalhamos na Microsoft e voltamos ao Recife para empreender. Criamos, em 2014, a Acqio (sistema de pagamentos), com 120 funcionários no país, sendo 16 aqui. Queremos expandir e contratar este ano. Hoje, contratamos muitos ex-alunos do CIn, mesmo sem experiência profissional, pois sabemos da qualidade do centro”, relembram.

Ensino médio

A criação de escolas técnicas estaduais voltadas para o parque tecnológico do Recife também remete indiretamente ao CIn. “O impacto da rede de formação de pessoas não se limita ao ensino superior e chegou aos níveis técnico e médio, como a Cícero Dias, em Boa Viagem, e a Porto Digital, no Bairro do Recife, além da rede Pernambucoders”, ressalta o professor emérito do CIn, Silvio Meira. O Pernambucoders é um projeto que estimula o interesse dos estudantes por programação e computação, através da instalação de clubes de programação nas escolas da rede estadual.

SandPIT: ambiente dedicado à inovação
SandPIT é o mais novo espaço do CIn. Foto: Thalyta Tavares/Esp.DP.

Um ambiente de fomento ao empreendedorismo e aos novos negócios em tecnologia é o mais novo investimento do Centro de Informática. Batizado de SandPIT, a sala dedicada à prototipação e inovação tecnológica funciona como um celeiro de startups em fase de pré-incubação, ou seja, na etapa anterior ao estágio de validação de uma pequena empresa em período inicial. 

O espaço, inaugurado em março, foi projetado com dois ambientes, sendo um formado por quatro ilhas de trabalho, quadros, TVs  e sofás para realização de reuniões e desenvolvimento de protótipos de negócios. A outra sala é um espaço “maker”, onde ficam equipamentos como impressoras 3D, mesas de corte e outros equipamentos para a criação de dispositivos. “É um local onde os estudantes têm todo o suporte para desenvolver ideias que podem, depois, passar pelo processo de incubação. Como muitas startups que existem no estado surgiram de projetos do CIn, decidimos formalizar esse alicerce na universidade”, explicou o professor do CIn, Cristiano Araújo.

O primeiro programa de residência  em empreendedorismo em negócios digitais do CIn, que funciona de forma semelhante a uma residência médica no curso de medicina, ocupa essa nova área do centro. Quatro projetos foram selecionados através de edital publicado pela UFPE. As equipes contempladas têm acesso a infraestrutura, assessoria, capacitação, networking, ferramentas e soluções adequadas para criação e desenvolvimento de startups de base tecnológica.

A raiz de uma transformação urbana na Bairro do Recife

Região é epicentro do polo tecnológico de Pernambuco. Foto: Shilton Araújo/Esp.DP.

O CIn está na origem da revitalização do Bairro do Recife, promovida,  direta ou indiretamente, pelo Porto Digital, há quase 20 anos. Desde 2001, mais de 80 mil metros quadrados de prédios históricos da ilha foram recuperados. A previsão, até o fim deste ano, é de que mais 40 mil metros quadrados sejam revitalizados em mais quatro prédios. Entre os projetos em desenvolvimento está a transformação do imóvel em ruínas do número 50 da Rua da Moeda.

Além do Núcleo de Gestão do Porto Digital, que restaurou oito edificações na área central da cidade, sendo sete no Bairro do Recife e um em Santo Amaro, as empresas e associações que fazem parte do parque tecnológico têm papel decisivo nessa mudança urbanística.

O primeiro imóvel restaurado é a sede do CESAR, na Rua Bione. Na época, o Porto Digital adquiriu ainda outros três imóveis - dois na Rua do Apolo (números  181 e 213) e um no Cais do Apolo (número 222) - para abrigar o Portomídia. Foram recuperados ainda um prédio do governo do estado, na Rua Vital de Oliveira, para acolher a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação, um imóvel da Prefeitura do Recife para receber o Centro de Excelência em Tecnologia de Software do Recife (Softex), na Rua Domingos José Martins. Já em Santo Amaro, o prédio do número 420 da Rua Capitão Lima foi revitalizado para acolher a Jump Brasil, que se mudou para o número 235 da Rua do Apolo, o último imóvel a ser restaurado e reaberto pelo Porto Digital.

Hoje, o endereço de Santo Amaro abriga o escritório local da Uber. Para o presidente do Porto Digital, Francisco Saboya, apesar de a ação direta ser do parque tecnológico, o Centro de Informática da UFPE tem forte relação com a mudança no Bairro do Recife. “A importância do CIn se dá pelo fato de ele ter sido determinante para a criação do Porto Digital. Essa mudança foi liderada por um conjunto de professores de lá. O DNA do CIn está estampado em cada prédio e em cada fachada reformada”, pontua.  

Entrevista // André Santos, diretor do CIn

Quais são os principais marcos na história do Centro de Informática?
O curso é, na realidade, bem antigo. Ele vem desde 1974, quando foram criados o curso de ciências da computação e a pós-graduação em ciência da computação da UFPE. Desde sempre, fizemos um grande investimento em formar capital humano, visando ao máximo de qualidade possível. Ao longo desse tempo, a gente criou o doutorado nos anos 1990. Nessa época, a gente perdia muito aluno para fora do estado porque não existia um mercado consolidado aqui. O conhecimento que os alunos tinham no CIn era avançado para o mercado local. Foi quando começamos a trabalhar para uma interação maior do centro com o mercado. Houve, então, também nos anos 1990, a criação do CESAR e do Porto Digital, objetivando a criação de startups, o fomento do empreendedorismo e o fortalecimento da relação da academia com o mercado. Fizemos isso sem abrir mão da excelência no ensino de graduação, na pesquisa e na pós-graduação.

A que vocês creditam o fato de o CIn ser referência nacional e internacional no ensino superior?
Acho que isso se deve a essa estratégia de formar pessoas que pudessem tanto se voltar para o CIn quanto alimentar esse mercado do Porto Digital e de startups. É uma formação que viabiliza irrigar esse mercado local e, obviamente, também os mercados nacional e internacional. No entanto, o principal ainda é a a estratégia de investir muito em uma boa formação em graduação e pós-graduação.

Então os pilares do CIn são o ensino, a pesquisa e essa relação com o mercado?
A gente se preocupa para não descuidar de nenhum viés. Estamos sempre preocupados com a qualidade dos cursos de graduação e com a formação dos alunos. Abrimos novos cursos ao longo dos 15 anos, crescemos com os cursos de engenharia da computação e sistemas de informação, além, claro, do mais antigo, que é o de ciência da computação. A formação na graduação é complementada com a questão do empreendedorismo, com a parte de projetos que eles podem se envolver ao longo do curso. Em linhas gerais, é uma formação que abre as portas para eles encararem a carreira que quiserem depois, seja acadêmica, seja no mercado. Temos essa preocupação com a pós-graduação também e, para isso, a gente tem um corpo docente de professores reconhecidos nacional e internacionalmente. Somos nível 7 na Capes, que é o nível mais alto que uma pós-graduação pode atingir. O terceiro pilar é essa parceria com a indústria. A gente recebe demandas de governos, de empresas locais, nacionais e internacionais. Estamos sempre abertos a conversar com eles e ver se tem algum conhecimento, alguma pesquisa que possamos fazer transferência de tecnologia ou desenvolver novos conhecimentos que possam ser transferidos para o mercado. Esse é um diferencial que infelizmente não ocorre com muita frequência nas universidades, então temos um grande destaque nacional por isso. São questões que estão entrelaçadas, mas estamos sempre atentos para não descuidar de nenhum desses pilares.

Quais são os principais projetos que estão sendo desenvolvidos atualmente?
Do ponto de vista da cooperação com a indústria, a gente trabalha fortemente com indústria automobilística e temos projeto com a FCA (Fiat Chrysler Automobiles), que está instalada em Goiana. Temos cooperação ainda com a industria de tecnologia da informação, como Samsung, Motorola e outros. Localmente, temos parcerias com empresas instaladas no Porto Digital e com o próprio Porto Digital. Temos uma relação muito próxima ainda com o CESAR e com o governo. Recentemente, em março, inauguramos o SandPIT, um espaço dedicado à prototipação e inovação tecnológica. Ele que é voltado para a viabilização de startups a partir de projetos de alunos, pois temos também várias empresas do Porto Digital que foram criadas a partir de ideias de alunos nossos. Queremos fomentar isso.

Como vocês enxergam o CIn no futuro?
O nosso trabalho é nunca descuidar do tripé ensino, pesquisa e estreita relação com a indústria, então estamos sempre atentos às novas tecnologias, às novas frentes de pesquisa que surgem a cada dia. Nosso foco continuará no ensino, na pesquisa e na pós-graduação. Eventualmente, pensamos em criar novos cursos também. Mas nosso foco será traballhar fortemente para manter as ações que já desenvolvemos. Outro ponto que temos em mente para o futuro é uma maior internacionalização do CIn. Estamos trabalhando para fortalecer nossas colaborações com centros de pesquisa, laboratórios, universidades e a indústria internacional. Já temos cooperações, mas queremos reforçar isso e aumentar o número de estudantes do exterior vindo para cá, isto é, fomentar o intercâmbio. Buscamos mecanismos de internacionalização tanto de pesquisa quanto de ensino e cooperação. O cenário atual é bom, pois há muito interesse das universidades do exterior em colaboração. Hoje, os principais países com quem colaboramos são Inglaterra, Canadá, EUA, França e Alemanha. Além disso, vejo o CIn como o hub de inovação da UFPE.

Quais novos cursos seriam esses?
A gente tem colaborado com o campus do Agreste da UFPE, em Caruaru, que está com o projeto de lançar um curso de engenharia de software. Estamos estudando o lançamento também no Recife. Trabalhamos em conjunto e há possibilidade de esse curso ser lançado nos dois campi no futuro. Um futuro que não dá para se comprometer ainda, mas digamos que em 2019 é possível que isso seja viabilizado. Ainda estamos em estudo porque essa é uma decisão que envolve vários setores da universidade, uma vez que há questões de infraestrutura, contratação de professores. Por enquanto, não temos como dizer nada de muito concreto, mas a gente vem trabalhando nisso há algum tempo.

Como o CIn se mantém hoje com tantos laboratórios de ponta, apesar do corte de orçamento do governo federal?
A gente tem o orçamento que vem do governo federal, principalmente para professores e infraestrutura. Temos ainda financiamentos também de projetos aprovados em órgãos de fomento, como Facepe, CNPq, Ministério da Ciência e Tecnologia. Além disso, temos os projetos de cooperação com a indústria, que é um braço muito forte na manutenção dos laboratórios, da infraestrutura e para a desenvolvimento de novas tecnologias. Essa parceria viabiliza ainda muitas bolsas de alunos e possibilita a contratação de profissionais.   

Como é a empregabilidade dos alunos do CIn após a conclusão da graduação?
A gente recebe demandas constantes de empresas. Mais de uma vez por mês, recebemos visitas de empresas interessadas em conversar com os nossos alunos, então a empregabilidade deles é muito grande. A gente recebe tanto empresas locais como nacionais e internacionais. Todo semestre recebemos visitas do Google, Facebook, Microsoft e outras empresas, então a demanda é muito forte para todos os alunos dos nossos cursos.

O CIn em números
Maioria dos alunos é do sexo masculino.Foto: Thalyta Tavares/Esp.DP.

  • 1.295 estudantes de graduação
  • 471 estudantes de ciência da computação, sendo 453 homens e 47 mulheres
  • 535 estudantes de engenharia da computação, sendo 478 homens e 74 mulheres
  • 289 estudantes de sistemas de informação, sendo 201 homens e 45 mulheres
  • 88 professores
  • 42 servidores de setores administrativos
  • 264 estudantes de mestrado
  • 313 estudantes de doutorado
  • 4 estudantes do CIn estudando no exterior
  • 6 estudantes de fora de Pernambuco estudando no CIn



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