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Wilson Carneiro da Cunha, o fotógrafo da cidade

Wilson Carneiro da Cunha nasceu em 2 de março de 1919 e faleceu em 17 de agosto de 1986

Publicado em: 12/03/2018 07:27

Foi Wilson quem registrou uma foto histórica da destruição da Igreja dos Martírios.  Arte DP/ Sobre foto de Wilson Carneiro da Cunha (Arte DP/ Sobre foto de Wilson Carneiro da Cunha)
Foi Wilson quem registrou uma foto histórica da destruição da Igreja dos Martírios. Arte DP/ Sobre foto de Wilson Carneiro da Cunha (Arte DP/ Sobre foto de Wilson Carneiro da Cunha)


Ao lado da Igreja de Santo Antônio, instalou o Kiosque do Wilson, estúdio, escritório e ponto de encontro de muitas pessoas no Recife. De 1960 até a década de 80, toda a gente do Recife gostava de ver a foto do Zeppelin sobre a cidade, e uma famosa de Lampião com os cangaceiros. Muito tempo depois é que notamos Wilson além do exótico, fora do capítulo do insólito e das fotos de batizados e casamentos. Então reconhecemos que Wilson Carneiro da Cunha foi, era o repórter fotográfico da cidade.

No registro cotidiano do Recife, muito nos espanta hoje o seu sentido de flagra, mais rápido que o de um fotógrafo de esporte no momento do gol. No precioso arquivo de sua filha Olegária, aparecem fotos de ladrões meninos ou adultos no instante do furto. Como se fosse de repente, naquele momento tão suave e sub-reptício que ninguém vê, Wilson mostrava em preto e branco os dedos escorregando em uma bolsa de mulher, no centro do Recife. O seu flagrante não media conveniências. Flechava, ou melhor, “flashava”  até meninos miseráveis, sem banheiro no mocambo, defecando à luz do dia em um canal da cidade.

Olegária nos contou que tamanha era a intimidade do pai com os famosos do Recife, que ele chegou a fotografar misses de Pernambuco nuas. Para nossa infelicidade não restaram as provas, porque Wilson, honestíssimo, devolvia os negativos às donas das curvas. (O que eram os costumes do tempo e a gentileza do fotógrafo.) Wilson trabalhou  em toda imprensa do Recife, mas era artista que não se limitava à pauta dos jornais, ou a mero ilustrador da notícia.

O que não cabia na imprensa era a sua especialidade. Alagados, casebres, mocambos, queima de judas, maracatu, meninos tomando banho em cano estourado,  na favela um músico a tocar bandolim, sentado numa caixa de madeira, porcos na rua. Wilson possuía senso e faro próprio. Ele se estendia dos populares, dos flagrantes da gente do Recife, aos acontecimentos mais luxuosos, da “elite”. Era o fotógrafo escolhido para o Balé Bolshoi, e ao mesmo tempo ele se escolhia para o registro de um homem puxando um cachorro, tão pobre e rasgado quanto o dono. Dele são imagens dos prédios e coisas da cidade em sua mais cruel mudança. Foi Wilson quem registrou uma foto histórica da destruição da Igreja dos Martírios. Nas palavras de José Luiz da Mota Menezes em entrevista a mim:

“Então o prefeito Augusto Lucena iniciou um processo que caracterizasse o destombamento. Para esse fim, ele mandou que um indivíduo chamado Ubirajara, que era o demolidor oficial da Prefeitura do Recife, amarrasse um cabo de aço na torre da Igreja, para derrubar a torre e descaracterizar dessa forma o edifício. Wilson, aquele, do “Kiosque de Wilson”, nessa altura se achava presente, documentou o prefeito Lucena, em pessoa, auxiliado por seu secretário Ubirajara, amarrando o cabo de aço na torre da Igreja e puxando, e a torre caindo”.

Wilson usava de preferência uma Rolleiflex linha avançada, filme de 120, ou câmera Cannon. A filha Olegária, a maior fonte de conhecimento da obra do pai, nos informou que ele não deixava passar um “instantâneo”, uma das palavras queridas do fotógrafo. Então eu perguntei a Olegária como ele conseguia tais fotos, se ele possuía algum truque, pois lento é o raciocínio humano e do entrevistador. Resposta da filha: “Ele possuía uma habilidade muito grande. Rapidez. Ele tinha rapidez, uma reação rápida. Quando ele via, não pensava duas vezes, ele agia”.

Essa resposta me fez lembrar Nelson Rodrigues, quando tentou explicar Garrincha: “Todos nós dependemos do raciocínio. Não atravessamos a rua, ou chupamos um Chica-bon, sem todo um lento e intrincado processo mental. Ao passo que Garrincha nunca precisou pensar. Garrincha não pensa. Tudo nele se resolve pelo instinto, pelo jato puro e irresistível do instinto. E, por isso mesmo, chega sempre antes, sempre na frente, porque jamais o raciocínio do adversário terá a velocidade genial do seu instinto”.

Ou adaptando o drible e criação de Garrincha ao fotógrafo e repórter da cidade: Wilson pensava com os dedos e a câmera, rápido. E a sua área, o seu campo de futebol, era todo o espaço do Recife. De preferência. A não ser, claro, que aparecessem as misses nuas. Mas disso, infelizmente, jamais teremos a prova. Só o negativo do desejo.

* Trecho do Dicionário Amoroso do Recife
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