Saúde

Quando a medicina acolhe e compartilha

Relação entre médico e paciente é fundamental para a efetividade dos tratamentos e a definição de diagnósticos.

Publicado em: 11/03/2018 15:00 | Atualizado em: 12/03/2018 15:40

 (Peu Ricardo/DP)
Peu Ricardo/DP
Em tratamento de câncer há 12 anos, a corretora Maria de Fátima Pacheco, 61, faz questão de saber todos os detalhes dos procedimentos aos quais vai se submeter, não tem medo de questionar os profissionais e preza pelo direito de decidir. Ela faz parte de um novo perfil de paciente, que têm mudado a forma como a medicina dá valor à relação entre o médico e o público. É para essas pessoas que se voltam, cada vez mais, os olhos de startups de tecnologia para a saúde e emerge a necessidade de rever as políticas voltadas aos direitos do paciente no Brasil.

No passado, explica a chefe da oncologia do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (HUOC), Cristiana Tavares, a medicina assumia uma postura paternalista, na qual o paciente não tinha poder de escolha. Porém, essa forma de lidar mudou por diversos fatores. A crescente informação disponível, que empoderou a população e desmistificou a figura do médico como único detentor do saber, e o acesso facilitado a determinados serviços entram nessa conta. “As pessoas também descobriram que o médico é falível, que às vezes age de acordo com outros interesses, como os econômicos. Isso faz com que elas se sintam na condição de confrontar”, afirma o diretor da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) Rodrigo Lima.

Diante desse cenário, a tecnologia maquinária entra em segundo plano. A medicina percebeu que, por mais avançado que seja o conhecimento técnico, a adesão e o sucesso dos tratamentos depende das relações humanas. Do elo estabelecido entre médico, equipe e paciente. Tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei para a criação do Estatudo dos Direitos do Paciente, que defende autodeterminação, ou seja, o respeito à vontade individual. Em setembro do ano passado, a Sociedade Brasileira de Bioética defendeu o documento com a Carta Recife. “É fundamental trazer o paciente para perto, dar a notícia, confortar, orientar numa linguagem simples. E considerar sobretudo a autonomia dele”, afirma Cristiana Tavares.
Felicidade plena de Fátima com o tratamento para câncer só foi possível na quarta procura por oncologista. Crédito: Júlio Jacobina/DP (Júlio Jacobina/DP)
Felicidade plena de Fátima com o tratamento para câncer só foi possível na quarta procura por oncologista. Crédito: Júlio Jacobina/DP (Júlio Jacobina/DP)

Em todo o país, cerca de 70% dos processos éticos instaurados pelos conselhos de medicina são decorrentes do inadequado relacionamento entre quem trata e quem está sendo tratado. Em Pernambuco, em 2017, foram abertas 110 sindicância, no Conselho Regional de Medicina (Cremepe) por situações de mal atendimento, problemas gerais no atendimento, conduta antiética, discriminação e assédio moral. Questões de atendimento provocaram 15% mais sindicância que o ano anterior. As condutas antiéticas, 12% mais.

“O médico não manda na minha vida. Três que procurei me decepcionaram por agir como estrelas. O primeiro não identificou que uma mancha na minha coluna poderia ser decorrente do câncer. A segunda disse para a minha filha: ‘ você quer ser médica? Tire o diploma’, porque ela questionou a conduta. O terceiro, virou para mim e disse: ‘eu não tenho mais nada para fazer com a senhora’. Foi horrível”, lembra Fátima.

Apenas no quarto oncologista, Fátima encontrou conforto. “Minha filha saiu do consultório espantada porque ele parecia uma pessoa normal. Me vi diante de um ser humano, que me fez uma proposta de tratamento e me enxergou. É como se ele tivesse me assumido.” Especialistas em bioética e direitos humanos sinalizam, agir assim é o único caminho possível na promoção à saúde.

As vantagens de acompanhar gerações de uma mesma família
Cecília Chaves leva os três filhos para o mesmo pediatra da sua infância. Peu Ricardo/DP (Peu Ricardo/DP)
Cecília Chaves leva os três filhos para o mesmo pediatra da sua infância. Peu Ricardo/DP (Peu Ricardo/DP)

Em uma sala do Imip, um material no canto da sala com a frase “procurei um médico e encontrei um amigo” chamou a atenção de uma mãe angustiada. A mulher, cujo filho estava em tratamento para difteria, virou para Otelo Schwambach Ferreira e disparou: “eu procurei um amigo e encontrei um médico”. A frase foi brutal. Naquele momento, o então recém-titulado profissional percebeu que precisava deixar o tecnicismo de lado. Escolheu a humanização e  hoje faz parte da história de gerações e gerações de famílias pernambucanas.

Otelo é pediatra, aprendeu ouvindo os ensinamentos de Fernando Figueira, que na unidade o rei é o paciente. Depois dele, a equipe de enfermagem. O médico é uma figura de passagem. Assim, ele tirou ainda ali as armaduras, sem dispensar a relevância do conhecimento. “O médico tem que estar disponível, atender o telefone, responder as perguntas, por mais simples que elas sejam. Interagir quantas vezes for preciso, esse é o segredo. Só assim se faz medicina”, garante.

Os médicos brasileiros pedem mais exames do que aqueles de países desenvolvidos. Em dois anos, as solicitações de tomografia e ressonância cresceram 22%. Porém, entre 70% e 90% dos diagnósticos são dados com as informações fornecidas pelos pacientes ou acompanhantes no diálogo. Os exames devem ser subsidiários, ferramentas na ausência de informações, alerta o presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica (SBCM) Antônio Carlos Lopes. Esse é justamente o trunfo dos médicos que acompanham gerações de uma mesma família, consultados à distância de um telefone, caso de Otelo.

“Quando há uma história de acompanhamento, muitos elementos que o profissional já conhece da família são aplicados ao paciente atentido”, ressalta Antônio Carlos Lopes. Entre os fatores que contribuíram para a quase extinção desse tipo de médico, na ótica dele, está a falta de condições dadas pelos SUS e também pelos planos de saúde para criar a fidelidade. Sobretudo ao condicionar o salário com base na quantidade de atendimentos realizados. “Não dá para desenvolver uma relação com oito minutos de consulta. Um tempo razoável é de pelo menos 15 a 20 minutos”, lembra o médico de família Rodrigo Lima.

Paciente de Otelo desde o dia em que nasceu, a cake designer Cecília Chaves, 38 anos, não pensou em outro nome para pediatra dos filhos. É sob a supervisão dele que estão as três crianças. “Por tantos anos de clínica, ele tem um conhecimento absurdo e passa muita segurança. Além de estar sempre disponível. Já aconteceu de eu estar no hospital e ele ir correndo para lá. De ele estar em viagem fora do país e mesmo assim me ligar”, lembra.

O resultado disso é a tranquilidade, para médico e paciente. “Quase nunca vou numa emergência”, pontua Cecília. “Ser médico de várias pessoas de uma mesma família te dá confiança e credibilidade, logo autoridade na conduta. É até mais simples de trabalhar”, conta Otelo, enquanto checa as mensagens que não param de chegar com pedidos de ajuda.

Relação entre médico e paciente é determinante nos cuidados paliativos


No meio de um depoimento contínuo, no qual relata desde o momento do diagóstico até os últimos dias de vida da irmã, a engenheira de pesca Maria de Fátima Sá, 65, só comete um vacilo. Com a mesma precisão que rememora cada detalhe, retira, sem perceber, a formalidade que costuma distinguir os médicos. Para ela, Gustavo é apenas Gustavo, sem preceder do doutor. O rompante é fruto da proximidade que a família estabeleceu durante o tratamento de câncer metastático de Maria Reneude de Sá. Nos cuidados paliativos, o vínculo entre o profissional e o paciente é ainda mais determinante, significa exercer o direito de escolher como terminar a própria vida.
Crédito: Shilton Araújo/DP (Shilton Araújo/DP)
Crédito: Shilton Araújo/DP (Shilton Araújo/DP)

Professora da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Maria Reneude descobriu um câncer de mama durante o último ano do doutorado. Fez o tratamento e retomou a rotina logo foi possível. Quatro anos depois, foi internada com um derrame pleural. Era uma metástase. O cirurgião entrou na enfermaria e avisou a Maria de Fátima: a partir dali, a irmã dela só teria seis meses de vida. Fátima guardou a informação e procurou o oncologista da Oncoclínica Recife Gustavo Godoy. Começava assim um vínculo superior à finitude.

Gustavo deu o telefone pessoal a Fátima, para o acionar sem restrições de horário. O tratamento era uma partilha: das decisões e dos conhecimentos acadêmicos. “Reneude começou a incentivá-lo a montar um grupo de pesquisa, e ele a chamou para participar. Foi uma injeção de ânimo”, lembra a engenheira. Reneude era chamada de professora por Gustavo, que pesquisava como médicos poderiam usar o diálogo como ferramenta para construção de um diagnóstico diferencial.

Com o apoio da então paciente, Gustavo Godoy criou o Salvo - suporte avançado pela qualidade de vida em oncologia -, uma alfabeto de necessidades e abordagens para os cuidados paliativos. “O paciente precisa de dignidade, de capacidade de decisão. Os cuidados paliativos se demonstraram capazes de melhorar a qualidade de vida tanto de pacientes como familiares e até fazê-los viver mais tempo. E a base disso é discutir metas de tratamento conjuntamente”, diz.
 (Peu Ricardo/DP)
Peu Ricardo/DP

Quando o quadro de Reneude se agravou, em janeiro de 2016, Maria de Fátima procurou o médico e pediu: quando minha irmã estiver nos últimos dias de vida, por favor não deixe ela morrer na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Seis anos depois de interromper um estudo baseado no uso de medicamentos fortes com altos efeitos colaterais e considerar a autonomia do paciente, Gustavo acatou. “Ele me deu um abraço e me parabenizou pela escolha. Senti conforto e confiança”, conta Fátima. A irmã dela faleceu 10 dias depois de deixar a intensiva, num quarto de enfermaria, junto da família. O estudo de Gustavo foi transformado em livro, a ser publicado em março deste ano.

Medicina de família e comunidade pode resolver até 90% dos adoecimentos

Fátima Nepomuceno conseguiu estabelecer relação de confiança com moradores da Macaxeira, no Recife. Crédito: Gabriel Melo/Esp. DP (Gabriel Melo/Esp. DP)
Fátima Nepomuceno conseguiu estabelecer relação de confiança com moradores da Macaxeira, no Recife. Crédito: Gabriel Melo/Esp. DP (Gabriel Melo/Esp. DP)

“Doutora gostosinha”, grita uma mulher. Fátima Nepomuceno, 62, acena com um sorriso largo e responde com alegria. Para e joga alguns minutos de conversa. Tudo natural como um encontro de vizinhos. Mas Fátima mora a 15 quilômetros dali. A intimidade que mantém com os moradores da Macaxeira é construída no espaço de uma consulta. Ela é médica de família e comunidade, a especialidade capacitada a resolver até 90% dos casos de adoecimento da população e que está baseada em uma premissa: enxergar o ser humano dentro da sua integralidade e individualidade.

A especialidade se sustenta num novo paradigma de método clínico, que transfere o foco da doença para o indivíduo, trazendo à tona a experiência de compartilhamento de decisões. Na contramão da lógica da superespecialização. “O médico não é dono do corpo de ninguém. Ele orienta à luz de evidências científicas”, explica a presidente da Associação Pernambucana de Medicina de Família e Comunidade, Tássia Carneiro. “O vínculo é fundamental, pois o paciente passar a ser parceiro do equipamento de saúde”, complementa a gerente geral da Atenção Básica do Recife, Ana Sofia Costa.

A missão do profissional é reconhecer o poder da cultura, da família e do contexto social no processo de adoecimento e cuidado. Para isso, a eficiência está na atenção. “A gente não pode se impor ao paciente, é preciso deixar ele falar, trocar experiência e negociar”, conta Fátima Nepomuceno.  Há 14 anos na Macaxeira, ela conhece 70% dos atendidos pelo nome. Em resultado, consegue adesão aos tratamentos de hipetensão e diabetes, e ajuda a manter baixas as taxas de AVC e mortalidade infantil na região. “A gente vê que consegue mudar uma realidade de uma comunidade, se sente útil”, justifica, deixando escapar as lágrimas.

Sem Fátima e a equipe, a artesã Betânia Lopes, 51, não sabe se a mãe de 91 anos  estaria viva. “Não temos como ir até o posto, pois ela tem dificuldade de locomoção, então eles vem até a nossa casa”, diz. Pernambuco tem 84 médicos de família, 2% do total do Brasil, segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM). Isso representa menos de 1% do total de especialistas do estado. Em todo o país, cerca de 2% dos médicos são especializados em família e comunidade. Em países como o Canadá, esse percentual chega a 40%.

A especialidade segue sem a valorização necessária, do ponto de vista de Tássia Carneiro. “Falta um real investimento público e de expansão também da estratégia de saúde da família”, lembra. Pernambuco tem quatro programas de residência na área. “Nossa dificuldade é que a pessoa volte do encaminhamento para a média e alta complexidade com o histórico clínico. Ter o controle dessa história é determinante para nós”, lembra Ana Sofia.

Aplicativos redesenham relação entre médico e paciente

Aplicativo Clinio, da pernambucana Epitrack, oferece serviço de médico a domicílio via celular. Crédito: Ricardo Fernandes/DP (Ricardo Fernandes/DP)
Aplicativo Clinio, da pernambucana Epitrack, oferece serviço de médico a domicílio via celular. Crédito: Ricardo Fernandes/DP (Ricardo Fernandes/DP)

O resgate da relação médico-paciente também pode ser feito usando a tecnologia. É o que querem provar empresas de TI de todo o mundo. Nos Estados Unidos, a Uber experimenta um modelo de serviço. Em Pernambuco, a startup Epitrack desenvolveu o Clinio. A plataforma, que propõe um “delivery de médicos”, começou em dezembro no Recife, Olinda e Jaboatão dos Guararapes. Entretanto, esse modelo de atenção ainda gera polêmica e foi alvo, no fim de fevereiro, de regulamentação por parte do Conselho Federal de Medicina (CFM).

O Clinio funciona da seguinte maneira: os médicos baixam o aplicativo no celular e se colocam disponíveis para atender pacientes no entorno de onde estão. Quando alguém está doente pode acionar a plataforma e solicitar a presença do profissional em casa. O serviço funciona apenas para casos de baixa complexidade, como febre, diarreia, resfriados e inflamações. “A ideia é fundamentada no conceito de saúde sob demanda e remete ao médico que as famílias tinham antigamente”, exemplifica o CEO da Epitrack, Onício Leal.

Para ele, o Clinio empodera as decisões dos pacientes e visa sanar as dificuldades de acesso aos serviços, bem como mitigar os danos causados pela crise econômica, que empurrou muitos beneficiários para fora dos planos de saúde. “O nosso foco é o médico recém-formado, pois hoje o mercado já não os absorve com tanta facilidade como ocorria há quatros anos.”

A consulta custa R$ 119, valor calculado para ser competitivo à média do custo da hora de plantão em emergência. Disso, 75% vai para os médicos e 25% para a Epitrack. O valor é debitado dos cartões de crédito dos pacientes e creditado na conta fornecida pelos profissionais. O radiologista Victor Martins, 29 anos, é um deles. “Existe a comodidade de você atender quando quiser, não fica amarrado a horários de plantão. É um novo mercado que se abre. É uma forma, para mim, de onerar menos aos planos de saúde e às emergências públicas”, explicou.
Conselhos de medicina
No Brasil, as plataformas do gênero têm enfrentado resistência dos conselhos de medicina. O Conselho Federal (CFM) determinou, por meio da resolução nº 2.178, publicada há duas semanas, uma série de exigências para serem cumpridas pelas plataformas. Dentre elas, a obrigatoriedade de que todos os especialistas anunciados sejam efetivamente preparados para atuar na área; que haja o engajamento de um diretor-técnico médico; que seja feito o arquivamento dos prontuários de atendimento; e que a empresa seja inscrita no conselho regional de onde atua. O CFM destaca, entretanto, que o uso do serviço é ético.

Sobre a resolução do CFM, Onício Leal afirmou que a Epitrack está analisando, por meio da assessoria jurídica, como proceder. “Os pontos mais sensíveis são a existência de um diretor médico, pois dependemos de votação interna para eleição desse membro, e também o registro do aplicativo no conselho. É uma preocupação analógica para solução digital. O Cremepe sequer tem formulário para registro de apps.” Para ele, a resolução é positiva no sentido de barrar no mercado a entrada de aventureiros. Hoje o Clinio tem 100 médicos cadastrados e 2,1 mil pacientes.

Como funciona o Clinio


Para o médico

1- O profissional baixa o aplicativo
2- É feito um cadastro, no qual são solicitados: uma foto do médico, da identidade dele, dele segurando o documento de RG e também do CRM
3- O profissional faz o cadastro dos dados bancários
4- Um sistema de inteligência artificial faz o cruzamento dos dados para verificar a credibilidade das informações fornecidas
5- O médico já está apto a aceitar consultas e precisa marcar o botão de disponível quando quiser realizar atendimentos
6- Quando aparece uma consulta, o médico recebe um resumo da chamada e tem o livre arbítrio de aceitar ou não

Na hora da consulta

- Ao iniciar a consulta, o médico precisa deixar o celular do lado (o aplicativo não interfere na conduta do ato médico)
- No fim do atendimento, ele registra a consulta, o encaminhamento dado e a conduta realizada

Para o paciente

1 - O paciente baixa o aplicativo
2 - Faz um cadastro com os dados de: nome, sexo, idade e endereço, além do cadastro de um cartão de crédito
3 - O paciente pode adicionar outras três pessoas ao cadastro
4 - Quando seja necessário, o paciente solicita a consulta

Na hora da consulta
- A pessoa abre o aplicativo e diz para qual paciente cadastrado é o atendimento
- O aplicativo mostra um telefone do Samu antes de confirmar a consulta, para caso de ser um atendimento de média e alta complexidade
- Se o caso for de baixa complexidade, é preciso dizer quais os sintomas o paciente está sentindo e há quanto tempo
- O aplicativo começa a buscar um médico nas proximidades
- O paciente pode cancelar o pedido em até 10 minutos
- Ao fim da consulta, o paciente faz uma avaliação do atendimento (que fica guardada em um banco de dados inacessível ao público)

O modo de tratar que vem de outro país

Médico Arnolis Hernández abriu mão de salário maior para se dedicar à comunidade de baixa renda no Brasil. Crédito: Peu Ricardo/DP (Peu Ricardo/DP)
Médico Arnolis Hernández abriu mão de salário maior para se dedicar à comunidade de baixa renda no Brasil. Crédito: Peu Ricardo/DP (Peu Ricardo/DP)

O sol caía quando o médico Arnolis Hernández, 44 anos, foi surpreendido no primeiro dia de trabalho em Caracas, na Venezuela. Um homem entrou na unidade de saúde na pedindo ajuda, pois uma mulher estava em trabalho de parto nas proximidades. Os dois subiram em uma motocicleta e foram até ela. Ao chegar, o cenário era de adversidade. Não havia energia nem instrumentação. Diante da paciente gritando de dor, Arnolis não pensou duas vezes. Usou a lanterna da moto como iluminação, uma faca de suporte e iniciou os procedimentos. Com o próprio jaleco, limpou o bebê e, com o cadarço do tênis, cortou o cordão umbilical.

É para uma consulta com esse profissional que os pacientes da Unidade Básica de Saúde Dom Helder Câmara, no Janga, em Paulista, disputam as senhas todas as manhãs. Formado há 21 anos, na cidade de Holguín, em Cuba, Arnolis vem restaurando um desejo abandonado pela população do entorno da UBS: procurar o médico. O motivo é simples, ele é atencioso com os pacientes. “Se são distribuídas 12 fichas por dia, por exemplo, o doutor atende às vezes o dobro. A gente é que precisa apressar ele”, conta uma funcionária da unidade.

Arnolis aprendeu ainda na graduação a importância de olhar o doente e não a doença. Chegou ao Brasil dentro do programa Mais Médicos, sem saber nada de português. Só um mês de aula. Estudou muito a língua, mas diz que o idioma nunca foi um empecilho. “A linguagem da medicina é universal. Tem que olhar, chamar o paciente pelo nome, saber a idade dele, a origem. Sentir como se sentisse a doença dele”, reflete, hoje já com o português perfeito.

Recife tem 16 médicos estrangeiros pelo PMM. Em Olinda, são três. Arnolis segue no programa, mas agora com registro local. Ele cumpriu a missão, voltou a Cuba, assinou os documentos e regressou ao Brasil, onde revalidou o diploma e tirou o registro no Cremepe. Foi chamado para atuar no Janga e no primeiro dia de serviço decidiu caminhar pelo bairro com os agentes. Queria conhecer a realidade local. Para atuar no PMM, precisou abdicar de um salário maior em um hospital privado. “As pessoas aqui são mais pobres, têm mais dificuldade de acesso, precisam do médico”, justifica ele, que não usa celular enquanto trabalha e tem até horário estabelecido para ir ao banheiro. A população agradece e retribui fazendo filas.

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