Moradia

Ocupação Marielle Franco, no Centro do Recife, é feita em Imóvel de Preservação

MTST pede pela desapropriação do prédio 91 da Praça da Independência, em Dívida Ativa por não pagamento de IPTU, e pelo cumprimento da função social da propriedade

Publicado em: 20/03/2018 21:55 | Atualizado em: 20/03/2018 22:07

Edifício SulAmérica, no bairro de Santo Antônio. Foto: Marlon Diego/Esp. DP

O antigo Edifício SulAmérica, número 91, localizado na Praça da Independência, bairro de Santo Antônio, área central do Recife, está ocupado desde as 23h de segunda-feira (19) por cerca de 300 mulheres integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), dentre elas gestantes e crianças. O grupo reivindica por moradia digna, pela função social da propriedade e pede pela desapropriação do imóvel, sem uso desde 1995, e com dívida ativa referente a débitos de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) que somam mais de R$ 1,5 milhão. De acordo com a Procuradoria-Geral do Município, no momento existem cerca de 50 ações judiciais de execução de débito de IPTU para o imóvel, em diversos sequenciais diferentes. A ocupação foi batizada de Marielle Franco em homenagem à vereadora assassinada no Rio de Janeiro na última semana.

Segundo ocupantes, dentro do edifício foram encontradas contas e cartas endereçadas à Empresa Nacional de Hotéis LTDA, proprietária de todo os sete pavimentos do prédio. A coordenadora estadual do MTST Vitória Genuino disse que a proposta da ocupação, além da desapropriação, é abrir uma mesa de diálogo junto ao município para negociar propriedades sem uso enquanto milhares de pessoas, sobretudo mulheres, não têm um local para morar. Todos os seis andares superiores ao térreo estão ocupados.

“Além da dívida ativa de IPTU, o imóvel ainda possui outras pendências, como taxa de bombeiros. Os débitos desse edifício devem chegar a mais de R$ 2 milhões, maior que o valor venal do imóvel calculado para fins de IPTU”, afirmou a advogada do movimento Cecília Gomes. Segundo ela, antes da ocupação, foi realizado um levantamento da situação do prédio através do pedido de informações à Prefeitura do Recife. O déficit habitacional da capital pernambucana é de mais de 60 mil casas.

Em nota, a Procuradoria-Geral do município informou que as dívidas referentes a IPTU são cobradas inicialmente pela Secretaria de Finanças de forma administrativa. Após inscrição na Dívida Ativa, que pode acontecer em até cinco anos a partir do atraso, inicia-se a cobrança judicial, mas hoje não existe norma que estabeleça, por exemplo, a perda da propriedade em razão imediata da dívida, independente do tempo decorrido. “As sanções previstas aos proprietários em razão da dívida com o município são impostas pela justiça, em razão do interesse público na recuperação dos créditos fiscais”, disse a nota da Prefeitura do Recife. Construído em 1936 pelo engenheiro Roberto Campello, o número 91 da Praça da Independência está classificado como Imóvel Especial de Preservação (IEP) desde 1996.

George Freire, advogado da Empresa Nacional de Hóteis LTDA. Foto: Marlon Diego/Esp. DP
O advogado da Empresa Nacional de Hóteis LTDA., George Freire, informou que nesta terça-feira (20) foi registrado um boletim de ocorrência de invasão de propriedade privada acumulada com perdas e danos materiais e que até quinta-feira (22) entrará na justiça com pedido de reintegração de posse.

“O imóvel não está abandonado. Inclusive, recentemente colocamos andaimes para reforma da estrutura externa e hoje os proprietários estão realizando reformas internas e temos notas fiscais dos serviços que estão sendo realizados. Acontece que por muitos anos não existiam empresários interessados em trabalhar nos prédios antigos do centro e as salas ficaram paradas. Como a prefeitura está começando a voltar os olhos para aquela área, os donos do imóvel resolveram investir em uma reforma”, justificou o advogado. Segundo ele, foi solicitado que a prefeitura reanalise a dívida já que, por ser IEP, o imóvel tem tributação diferenciada, o que reduziria boa parte do débito.
A Polícia Militar de Pernambuco informou que foi acionada na manhã desta terça-feira (20) para uma ocorrência de invasão e que segue monitorando a ação considerada pacífica.

PELA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
Além da reivindicação por moradia, o MTST pretende chamar a atenção para a necessidade de políticas públicas eficazes para as mulheres, como ampliação dos números de casas de acolhimentos, creches, entre outros serviços. “Infelizmente, a caminhada de luta das mulheres é traçada com diversas perdas e, nesse sétimo dia, viemos fazendo uma homenagem à companheira Marielle Franco. A brutal execução que sofreu por sua trajetória de lutas por direitos da periferia, das mulheres e da população negra, e de denúncia das violências cotidianas contra esses grupos, não nos fará silenciar”, afirmou representantes do movimento através de nota lançada nas redes sociais.

A coordenadora estadual do MTST Vitória Genuíno reforçou a necessidade de fazer cumprir a função social dos imóveis abandonados. Segundo líderes do movimento, a dívida de IPTU é um “dinheiro sonegado à população que poderia servir para melhoria das condições de vida de uma parte da população do Recife que ainda sofre com o problema da moradia. E, como este, existem outros milhares de imóveis ociosos e devedores enquanto mais de 70 mil famílias lutam para ter o direito à moradia”.

Em nota, a Secretaria de Planejamento Urbano (Seplan) informou que faz parte do Plano de Ordenamento Territorial (POT) a revisão do Plano Diretor, da Lei de Uso e Ocupação do Solo, da Lei de Parcelamento e a regulamentação de instrumentos urbanísticos, sob a coordenação técnica do Instituto da Cidade Pelópidas Silveira. “Dentre estes instrumentos está a normatização do Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios (PEUC) e do IPTU Progressivo, importantes instrumentos que auxiliarão o município a exercer a função social da propriedade. Tais instrumentos estão indicados no Estatuto das Cidades e no Plano Diretor, que está em pleno processo de revisão”.

Uma das ocupantes do edifício 91 da Praça da Independência é Aline Maria da Silva, que morava na comunidade do Coque, bairro de Joana Bezerra, e disse enfrentar dificuldades para cuidar de dois filhos pequenos sem uma casa. “Onde em moro não tem geladeira. A que eu tenho, uso para colocar roupas, enquanto a comida fica guardada em um balde. Eu queria ter apenas um lugar para chamar de meu. Ter as minhas coisas e não mais viver de favor”, contou. 
Aline Maria da Silva morava na comunidade do Coque. Foto: Marlon Diego/Esp. DP

A realidade de luta por vida digna é o mesmo sentimento que levou Edileuza José da Silva, de 72 anos, à ocupação. “Quando a pessoa não tem onde morar, qualquer lugar serve. Não pode ser assim, precisamos exigir qualidade de vida também, e o governo tem condições de fazer isto, e nós ainda iríamos pagar uma taxa mínima pelas contas”, disse.

HISTÓRICO DO IMÓVEL

Segundo o arquiteto e urbanista da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) Rodrigo Cantarelli, o edifício 91 da Praça da Independência foi projetado pelo engenheiro Roberto Campello, em 1936, para ser a sucursal no Recife da SulAmérica Companhia Nacional de Seguros de Vida. “Ele foi um dos primeiros (senão o primeiro) edifícios no Recife construído para servir a escritórios. Nos anos 1930 e 1940, era comum empresas de seguro construírem edifícios comerciais para gerar renda. Construía-se um grande prédio de escritórios, a a seguradora ficava com algumas salas e alugava o resto para render dinheiro. Por isso, a Avenida Guararapes está cheia de prédios nesse formato que recebiam o nome da seguradora que o construía. A Sulacap é outro exemplo”, contou Cantarelli.

Segundo ele, um dos primeiros escritórios a ocupar o edifício SulAmérica, assim que foi inaugurado, foi o Consulado dos Estados Unidos no Recife. “O gabinete do cônsul ficava no sexto andar e, em fotografias antigas, dá para ver um mastro e um brasão, semelhante aos que são usados por consulados”, contou o urbanista. Sobre os boatos de que nesse edifício já funcionou hotéis, Cantarelli disse que a informação não procede.
A Empresa Nacional de Hotéis LTDA, que presta serviços hoteleiros, adquiriu o imóvel há mais de 20 anos das Casas José Araújo, cuja loja funcionou no andar térreo por muitos anos, enquanto os escritórios nos pavimentos superiores eram alugados a terceiros.

SAIBA MAIS

Perfil do imóvel ocupado

Nome: Antigo Edifício SulAmérica
Logradouro: Praça da Independência, bairro de Santo Antônio
Número: 91
Situação: Ativo
Quantidade de pavimentos: 07
Área do lote: 360m2
Área total construída: 2.152m2
Tipo do empreendimento: comercial/serviços
Ano de construção: 1936
Ano em que foi desocupado: 1995
Ano em que entrou na lista dos IEP’s da cidade: 1996
Proprietário: Empresa Nacional de Hóteis LTDA
Engenheiro responsável pelo projeto do edifício: Roberto Campello
Dívida ativa do imóvel: R$ 1,6 milhão

Fonte: site Esig Zoneamento Recife 2008, da Prefeitura do Recife, e urbanista Rodrigo Cantarelli.
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