Dia Internacional da Mulher

Denúncia e apoio: Mulheres vítimas de violência retomam a vida

O caso de enfermeira de 42 anos, vítima de estupro e violência psicológica praticadas pelo ex-marido, um pastor evangélico, mostra que recomeço é possível

Publicado em: 08/03/2018 15:23 | Atualizado em: 08/03/2018 16:13

Serviço de Apoio à Mulher foi fundamental na mudança de rumo da vida de Ester (nome fictício). Foto: Paulo Paiva/DP

Ester (nome fictício), uma enfermeira de 42 anos, ganhou algo semelhante a asas. Está livre das amarras de um casamento marcado pelo estupro quase diário e pela violência psicológica. A tortura durou 12 anos. Uma psicóloga feminista do Serviço de Apoio à Mulher Wilma Lessa foi fundamental na mudança de rumo da vida de Ester. Até então, ela não estava certa de seus direitos e do nível de gravidade da violência praticada pelo ex-marido, um pastor evangélico. Ester era obrigada por ele a manter relações sexuais violentas.

Quando não se submetia à situação, suas duas filhas, ainda crianças, sofriam as consequências da negativa. Chegaram a ser espancadas.Tratava-se de um homem cujo prazer estava em ver a dor e o sangramento da mulher durante o ato. Ester chegou a pedir socorro junto a pessoas da igreja logo após a lua de mel. Ela não estava bem e precisava de um atendimento ginecológico. Naquele dia, prometeram uma normalidade no casamento dentro de pouco tempo, pois no começo era assim mesmo. Isso nunca aconteceu. Como Ester, filha única, pais já falecidos, duas filhas pequenas para cuidar, dependente financeiramente do marido e convivendo com pessoas conservadoras conseguiu escapar do ciclo de violência no casamento?

Para ela, a rede de mulheres feministas que construiu ao seu redor foi fundamental. Ao sair de casa com as filhas, em 2010, ficou na residência de uma amiga até se fortalecer para conseguir um novo lar. Encaminhada para o Wilma Lessa, recebeu orientações importantes.
Decisivo também, diz ela, foi seguir adiante com a separação. "Quando a mulher torna o abuso público, o homem tende a dizer que vai se redimir, mas isso nunca vai acontecer", alerta. As mulheres encontradas ao longo do caminho tornaram-se amigas. Ester já não tem mais medo do ex-marido. Ainda pensa em acionar o agressor na Justiça. Também planeja casar no final deste ano. "Sozinha a gente não consegue", diz ela.

Psicóloga do Centro de Referência Clarice Lispector, da Prefeitura do Recife, Wanderlúcia Diniz explica que o atendimento psicológico junto à mulher vítima de violência pode acontecer independentemente da queixa na polícia ou na Justiça. "Algumas, por viverem por muito tempo nessas condições, têm medo de serem ameaçadas e nem cogitam a denúncia na polícia. Cada situação é diferente e procuramos entender. A violência psicológica, por exemplo, deixa marcas em relação à autonomia", explica. O importante, diz, é o fortalecimento da vítima antes de qualquer coisa. "A ideia é encontrar, junto com essa mulher, os caminhos que ela entende que podem ser trilhados para o enfrentamento. E nem sempre nesse percurso está a delegacia.” No atendimento, o importante é evitar a revitimização da mulher. No Centro de Atenção à Mulher Vítima de Violência - Sony Santos, que funciona 24 horas no Hospital da Mulher do Recife, no Curado, a vítima também pode registrar o boletim de ocorrência e fazer a perícia no IML, além de receber o atendimento de saúde e psicológico.

COMPLEXIDADE

Importante também perceber as nuances que envolvem a violência contra a mulher. No Clarice Lispector também chegam casos de agressões praticadas por companheiras, irmãs e pela mãe. "Acontece em menor proporção, mas são situações que têm como referência o modelo do homem, de reproduzir a masculinidade abusiva”, pontua Wanderlúcia. O espaço também recebe mulheres trans e os homens trans são encaminhados para outros espaços de atendimento. O telefone de atendimento à mulher da Prefeitura do Recife é o 0800 2810107. Claro, há situações de emergência que exigem ação imediata da polícia na defesa da mulher. De 1º de janeiro a 15 de fevereiro deste ano, por exemplo, 45 mulheres foram assassinadas em Pernambuco, segundo a Secretaria Estadual da Mulher, duas mortes a mais que as registradas no mesmo período do ano passado. Do total deste ano, 22% se tratam de feminicídio.

Alguns casos certamente denunciados antes e, apesar disso, não evitados. "Mesmo com o machismo, é possível a mulher procurar ajuda. Temos o 0800 2818187 para denúncias e repasse de informações e podemos acionar a rede de qualquer lugar do estado para ajudar as vítimas. A família e os amigos muitas vezes desencorajam a denúncia. É complexo, mas peça ajuda, mulher", incentiva Sílvia Cordeiro, secretária estadual da Mulher. Outras informações importantes também podem ser obtidas no site da instituição http://www2.secmulher.pe.gov.br/web/secretaria-da-mulher.

APOIO É FUNDAMENTAL
Mesmo com duas filhas pequenas e sem independência financeira, Ester conseguiu escapar do ciclo de violência no casamento. Foto: Paulo Paiva/DP

Buscar apoio em amigas feministas, familiares, frequentar centros de referência e buscar a delegacia são caminhos para encerrar um relacionamento abusivo. Outra possibilidade é acionar a Justiça para garantir direitos. A coordenadora do Grupo Frida de Gênero e Diversidade e professora do curso de direito da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), Carolina Ferraz, explica que a mulher pode entrar com ação indenizatória por danos morais, constrangimento e violência à integridade psíquica.

"Ainda há resistência no Judiciário de reconhecer esses direitos, mas é possível trabalhar essa situação. Se o ofensor tem meios, que ele passe a ser responsável financeiro pelo processo terapêutico da vítima, por exemplo. Há poucos advogados com sensibilidade para a questão de gênero no estado, mas já há escritórios feministas no Rio de Janeiro, São Paulo e Paraíba. Há um escritório no Sul que trabalha com permuta, por exemplo. Como a maior parte das mulheres vítimas são oprimidas economicamente, elas ofertam serviços em troca do atendimento. Essa perspectiva de sororidade é importantíssima", destaca Carolina Ferraz.

Para a professora, a família tem papel definitivo no processo. "A família precisa persistir nesse apoio. Imagine uma mulher em carne viva. Dificilmente ela tem condição de pedir ajuda. Ela é silenciada a ponto de não se sentir vítima de violência. É preciso não fazer a
defesa do opressor e não preservá-lo", defende. A hora é de denunciar e apoiar a vítima no caminho do fortalecimento. 

Fontes: Secretaria Estadual da Mulher e Secretaria de Defesa Social. Arte: Diario de Pernambuco/DP
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