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Neto de pedreiro vira arquiteto na França

Determinado, menino criado em Maranguape II, Paulista, ergueu uma carreira internacional

Publicado em: 11/01/2018 07:23

Foto: Nando Chiappetta
A casa projetada na cabeça de Ednailton Félix, 30 anos, demorou sete anos para ficar pronta. O dinheiro para tocar a obra sempre foi pouco. Ela fica no bairro de Maranguape II, em Paulista, na Região Metropolitana do Recife. É um imóvel simples, iluminado, ventilado e, o mais importante: tem dois quartos. Para quem passou a infância pobre dividindo com os pais e o irmão a dormida em um mesmo cômodo no bairro de San Martin, no Recife, ter um quarto só para ele era privilégio. Foi o próprio Ed quem desenhou sua casa. Assim fez a pedido dos pais quando tinha apenas 13 anos. “Se você gosta tanto de desenhar, vai e desenha a casa”, disseram. O menino, neto do pedreiro Jovelino Camilo dos Santos, não podia imaginar. Mas dava ali os primeiros passos para um futuro profissional surpreendente na Europa.

Aconteceu de Ed estar atento às oportunidades. Todas, ressalte-se, ofertadas na forma de políticas públicas destinadas a estudantes. A primeira delas foi um curso de francês gratuito na Escola Luiz Delgado, na Rua do Hospício, no bairro da Boa Vista. Na mesma unidade de ensino, estudou inglês. Enquanto isso, também cursava o ensino regular gratuitamente no Liceu de Artes e Ofícios. Foi quando começou a sonhar com o curso de arquitetura na França, país com 20 escolas públicas com oferta dessa formação. Um dia, depois de uma primeira tentativa, Ed passou na seleção francesa da Escola Nacional Superior de Arquitetura de Lyon. Não embarcou porque o governo daquele país negou o visto. Havia uma nova política de migração de estrangeiros. “Quase entrei em depressão. Estava me preparando para aquilo desde os 14 anos. Fiz tudo que estava ao meu alcance e encarei uma derrota.”

Ed era estudioso. Mas também teimoso. Quando pensou em desistir, teve apoio dos pais para seguir em busca do curso de arquitetura. Assim era mais propício tomar a vida de volta, lançar o olhar atento para as tais oportunidades. Fez o Enem, que logo depois foi validado como forma de ingresso no Prouni. Conseguiu boa nota e uma bolsa de 100% no valor da mensalidade. Com a alta pontuação, poderia ingressar em medicina se quisesse. Escolheu arquitetura na Unicap. Na infância, Ed lembra dos dias em que acompanhava o pai em uma oficina de conserto de eletrodomésticos em San Martin e aproveitava para observar de perto uma obra de uma casa na frente do estabelecimento. “Ficava imaginando como seria aquele imóvel por dentro. Gostava do cheiro, de tudo.”

Um dia, a França voltou a permear os sonhos de Ed. Ele soube da primeira edição do Ciência sem Fronteiras e se inscreveu para estudar naquele país. Passou na seleção e embarcou para estudar por um ano na École Nationale Supérieure d’Architecture et de Paysage de Lille, cidade do norte da França. Na Unicap, permaneceu matriculado, mas em situação de intercâmbio. Depois, Ed passou em uma seleção de mestrado na mesma escola francesa e concluiu em paralelo a graduação no Brasil. O neto do pedreiro é o único brasileiro a concluir o mestrado em arquitetura em Lille. O diploma habilita o arquiteto para atuar com a profissão na Europa. Lá ele trabalha na Boyeldieu Dehaene Architectes e já planeja se mudar para a Alemanha. Vai aprender a quinta língua. Na casa de Maranguape II, hoje vive apenas a mãe dele.

A história de Ed me lembrou o depoimento do publicitário Felipe Silva, negro de origem pobre que contou, em postagem no Facebook, ter alcançado o posto de redator em uma das maiores agências de publicidade do mundo após fazer escolhas difíceis para quem vive em uma comunidade pobre, cercado pela tentação do dinheiro obtido com o tráfico de drogas. No texto, Felipe coloca abaixo a tese de meritocracia e o mito da oportunidade para todos. “Não existe, chapa, tudo utopia. Mas pobre não tem nada a perder. Se você não tem saída, vença! Foi o que eu fiz”, escreveu. Ambos começaram em desvantagem. Mas uma tal teimosia, aliada à boa oferta de políticas públicas, parece ter feito a diferença na vida deles.
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