Vida Urbana
Santo Amaro
Pesquisadora analisa relação das prostitutas do mangue com o vício no crack
Dissertação foi baseada em matéria publicada no Diario, em 2014, quando foi denunciada a situação das frequentadoras do lugar
Publicado: 04/11/2017 às 08:00

Mulheres negociam o corpo por até R$ 2 para manter o vício no crack. Foto: Ricardo Fernandes/DP/Arquivo/Mulheres negociam o corpo por até R$ 2 para manter o vício no crack. Foto: Ricardo Fernandes/DP/Arquivo

No mangue de Santo Amaro, mais precisamente na Avenida Professor Artur Lima Cavalcante, a moeda corrente no mercado do sexo praticado na lama pode ser R$ 2, R$ 5 ou R$ 10. Dependentes de crack, as mulheres usam o apurado irrisório na compra da droga. A dívida aumenta quando são obrigadas a pagar também os traficantes e usuários de droga que mediam a relação entre elas e os clientes. Para dar conta das dívidas, precisam fazer inúmeros programas com essa média de preços por dia. Emagrecidas, machucadas e com a dentição comprometida, são consideradas “as sobras do mercado do sexo”, onde a miséria dita as regras.
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As observações são da pesquisadora Mércia Assis. Durante seis meses ela entrevistou 15 mulheres frequentadoras do mangue. O resultado foi apresentado na dissertação Entre pedras, prostituição e lamas: um estudo sobre as experiências das usuárias de crack em Santo Amaro, defendida no mestrado em serviço social da Universidade Federal de Pernambuco, em agosto. A pesquisa foi baseada em denúncia publicada no Diario, em agosto de 2014, na matéria Mulheres-caranguejo no mangue de Santo Amaro.
Segundo Mércia Assis, as mulheres ficam à mercê de traficantes do espaço, que exploram os corpos já ausentes de cidadania e são considerados mais desvalorizados. “As dívidas com o crack constituem um eterno ciclo. Elas sempre estão em situação de dívida e buscam saná-las. Algumas chamam a atenção mostrando partes do corpo, outras buscam chamá-los a partir de outras estratégias. Mas, muitos são atraídos também por outros usuários ou pequenos traficantes. Estes cobram pelos programas que conseguem facilitar para as mulheres. Por vezes, para consumir uma pedra de crack é preciso executar vários programas, pois além dos valores baixos cobrados, muitas vezes precisam pagar aos homens que mediam a relação entre elas e os clientes”, explica a pesquisadora.

As mulheres foram ouvidas com a ajuda de equipes dos programas Consultório de Rua e Atitude. As conversas aconteceram longe do manguezal, por decisão das próprias entrevistadas. “Os relatos foram muito ricos e demonstram o quanto é dificil e preocupante a vida delas. São vidas atravessadas por diversas violências, inclusive a sexual, desde a infância à idade adulta. Todas têm vivência próxima com a rua desde crianças, um contexto familiar deteriorado e uma ausência de políticas públicas brutal, que só vai emergir quando estão em contexto de extrema vulnerabilidade”, analisou.
Mércia Assis já trabalhava com profissionais do sexo dependentes de crack do Cabo de Santo Agostinho, mas ainda não conhecia a vivência das mulheres no mangue. “A ideia era articular de forma científica uma denúncia das condições dessas mulheres, que são brutais e radicais. As mulheres prostitutas em situação de uso de crack vivem em grande invisibilidade. A academia ainda não havia atentado que esses corpos existem e precisam ser compreendidos. A matéria trouxe a denúncia e eu quis corroborar com a denúncia”, destacou.
A pesquisadora destaca, no entanto, que é preciso considerar o fato de que, mesmo em meio às adversidades, estas mulheres tomaram decisões e caminhos para suas vidas, ou seja, não são destituídas de protagonismo. “Não se pode desprezar o fato de que o Chupa-chupa, como é chamado o local, é um território construido por mulheres que o fizeram para determinadas práticas e atos”, pontua.
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