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Litoral Ataques de tubarão: 25 anos de medo nas praias Um quarto de século após início dos ataques de tubarão em Pernambuco, estado tem geração que não toma banho de mar, enquanto cientistas seguem tentando entender o fenômeno

Por: Alice de Souza - Diario de Pernambuco

Por: Anamaria Nascimento

Por: Wagner Oliveira - Diario de Pernambuco

Publicado em: 21/11/2017 20:05 Atualizado em: 22/11/2017 19:41

Ao longo de mais de duas décadas, 62 vítimas foram atacadas, das quais 24 morreram. Foto: Peu Ricardo/DP.
Ao longo de mais de duas décadas, 62 vítimas foram atacadas, das quais 24 morreram. Foto: Peu Ricardo/DP.
Há 25 anos, Pernambuco entrava no roteiro mundial das estatísticas de incidentes com tubarão ao começar a registrar oficialmente ataques do predador dos mares na própria costa. Foi o início de uma era de tensão nas águas. Ao longo de mais de duas décadas, 62 vítimas foram atacadas, das quais 24 morreram. O fenômeno imprimiu um estigma às praias urbanas da Região Metropolitana do Recife, conhecidas no mundo pela presença desses animais, e mudou a relação dos moradores locais com um dos seus principais atrativos turísticos. Entretanto, até hoje, há mais perguntas do que respostas e mais propostas do que soluções.

Pernambuco não é o único estado brasileiro com ataques de tubarão em suas águas. Dados inéditos em análise pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) apontam que, das 17 unidades da federação cortadas pelo mar, 11 têm histórico de incidentes. São mais de 100 casos na costa brasileira. São Paulo e Maranhão completam o pódio. Pernambuco é responsável, no entanto, por mais da metade dos incidentes e mantém uma média de mais de duas ocorrências por ano.

O primeiro caso aconteceu em frente à igreja da Praia de Piedade, em 1992. O boom ocorreu em 1994, quando 10 pessoas foram atacadas. A realidade impôs pensar estratégias. A mais enérgica foi a proibição da prática de esportes náuticos em 32 km de costa, em 1995. Para o pesquisador do Departamento de Pesca da UFRPE Jonas Rodrigues, foi também a mais efetiva para conter os incidentes.

Quando tudo era novidade, houve uma força-tarefa para tentar entender o fenômeno. Placas de orientação foram instaladas no perímetro de impedimento e pesquisas começaram a ser feitas. Doze anos depois, nasceu o Comitê de Monitoramento de Incidentes com Tubarão (Cemit) para formalizar as ações. Pouco se concluiu. Dos mais de 60 ataques, apenas 10 tiveram a espécie confirmada. O impacto de grandes obras como a construção do Porto de Suape em um possível deslocamento dos animais permanece uma incógnita.



Como se seguisse o movimento do mar, a onda que veio e passou. As atividades de educação ambiental, também elencadas pelos especialistas como determinantes para que não houvesse ainda mais vítimas, foram descontinuadas há dois anos. Hoje, apenas dois estudos sobre o tema são realizados. Um em Fernando Noronha e o outro no Recife, que começará a entrevistar a população de banhistas, para saber o nível de conhecimento sobre o tema, no próximo mês. O que permanece inabalado é a fama das praias pernambucanas no imaginário popular.

Vidas interrompidas pela força de um animal
Charles foi atacado por um tubarão quando surfava com amigos em Boa Viagem. Foto: Peu Ricardo/DP.
Charles foi atacado por um tubarão quando surfava com amigos em Boa Viagem. Foto: Peu Ricardo/DP.

O dia 28 de junho de 1992, quando o banhista Ubiratan Martins Gomes foi atacado e morto por um tubarão na altura da Igrejinha de Piedade, em Jaboatão, marcou o início da era de apreensão no litoral do estado, que marcou a vida de uma geração de vítimas e também de pernambucanos que jamais tiveram a sensação de tomar banho nas águas da RMR por medo.

Com 21 anos na ápoca, Charles Heitor Barbosa Pires foi atacado por um tubarão quando surfava com amigos em Boa Viagem. O incidente aconteceu em 1º de maio de 1999, nas imediações do Edifício Acaiaca e marcou a vida de Charles até hoje. Foi a 30ª pessoa atacada em Pernambuco, segundo o Comitê Estadual de Monitoramento de Incidentes com Tubarões (Cemit).

Depois de perder as duas mãos tentando se livrar do animal, Charles conseguiu na Justiça o direito de receber duas próteses. Os equipamentos foram obtidos em 2010, mas atualmente estão com defeito. Charles depende deles para realizar alguns movimentos. Apesar do susto, sete anos depois ele voltou a surfar.

“Estava sentado na minha prancha esperando a onda chegar para subir. Foi nesse momento que senti algo se aproximando de mim. Não deu tempo de sair. O tubarão me puxou pela perna e me levou para o fundo. Tentei reagir batendo no animal e acabei perdendo as duas mãos. Sangrei muito, mas ainda consegui nadar um pouco até ser resgatado”, recorda.

Charles espera receber novas próteses ou que as suas sejam consertadas. “Meu processo está na Justiça, mas ainda não andou”, afirma. O Tribunal de Justiça de Pernambuco disse que o pedido de conserto e manutenção não consta da petição inicial do processo de conhecimento. O TJPE informou ainda que é necessária a impetração de outra ação com este novo requerimento.
Seis anos antes, em 23 de janeiro de 1993, Charles Roberto Soares Veras, então com 15 anos, viveu o mesmo drama de seu xará. Ele foi a 4ª vítima notificada pelo Cemit. Surfava com um primo em Piedade, Jaboatão, quando foi atacado. “Era um fim de tarde de sábado e estávamos só eu e meu primo no mar. O tubarão arrancou a batata da minha perna. Passei por várias cirurgias e hoje levo uma vida normal. Quando a gente é muito novo, não pensa direito nas coisas. Poucos meses depois do ataque, voltei a surfar no mesmo lugar. Foi quando minha família descobriu e me proibiu”, conta Charles, hoje com 39 anos. O representante comercial pratica futvôlei e pega onda em lugares sem riscos.

Diversão de banhistas ficou restrita à areia
Mesmo morando perto da praia, as estudantes Isadora Melo, 18, e Mariana Albuquerque, 14, evitam o mar em Boa Viagem. Foto: Shilton Araújo/Esp.DP.
Mesmo morando perto da praia, as estudantes Isadora Melo, 18, e Mariana Albuquerque, 14, evitam o mar em Boa Viagem. Foto: Shilton Araújo/Esp.DP.

O histórico de ataques e a presença de placas de alerta criou uma geração de jovens que, por precaução, não entram no mar da RMR. O advogado Pedro Passos, 28, está entre os que vão a Boa Viagem com frequência, mas ficam na areia. “Não molho nem o pé”, disse.

Mesmo morando perto da praia, as estudantes Isadora Melo, 18, e Mariana Albuquerque, 14, evitam o mar em Boa Viagem. Mariana nunca entrou. Isadora já, mas “há muito tempo”. Nos grupos de amigos com quem costumam sair, ninguém toma banho. “A gente conversa, caminha. Não vem de biquíni completo”, contou Isadora.

O mesmo acontece com o gerente de vendas carioca Anderson Belarmino, 31, que mora no Recife há duas décadas. “Quando cheguei aqui, ficava na areia, tomando banho de chuveiro. Me sentava esperando acontecer um ataque, estranhando porque havia tantas pessoas na água”, lembra.

A psicóloga Amanda Patrícia Sales, autora do livro Trauma, psicopatologia, resiliência - uma análise do relato das vítimas de ataque de tubarão, explica que a exposição às placas e a proibição da prática de esportes náuticos influenciam na percepção das pessoas sobre a iminência de um incidente.

“A ideia é realmente deixar um alerta para que se mantenha a precaução”, lembra. Por isso, o medo de entrar no mar não é considerado patológico. Contudo, se o medo se estende a outras praias, sem histórico de incidentes com tubarão, merece atenção. “Se a pessoa tem medo até de molhar os pés ou estar num ambiente protegido por arrecifes, isso significa uma ansiedade mais elevada. Aqui (no Recife) é até justificável. Mas não em outras partes do litoral onde nunca houve ocorrência.”

Padre foi atacado e morreu há 70 anos
Em frente à Igrejinha de Piedade, em 1947, o frei Serafim de Oliveira, 25, morreu após ser atacado. Foto: Shilton Araújo/Esp. DP.
Em frente à Igrejinha de Piedade, em 1947, o frei Serafim de Oliveira, 25, morreu após ser atacado. Foto: Shilton Araújo/Esp. DP.

Apesar dos ataques em sequência nos últimos 25 anos, as histórias envolvendo incidentes com tubarão em Pernambuco vêm de épocas mais antigas. No dia 26 de maio de 1845, o Diario publicava notícia de um ataque no Cais da Alfândega. A nota dizia que um homem de cor negra entrou na água para tomar banho junto às escadinhas quando um tubarão comeu sua perna. A vítima, que não foi identificada, chegou a ser socorrida, mas morreu.

Um dos locais onde mais ocorrem ataques em Jaboatão, as imediações da Igrejinha de Piedade, costuma reunir banhistas nos fins de semana, mesmo com o alerta de risco. Atualmente, existe um posto do Corpo de Bombeiros na localidade para orientar os frequentadores. No dia 11, fez 37 anos que o adolescente Ibson Gomes Vieira, de 16 anos, foi atacado por um tubarão.

O corpo dele foi encontrado no dia seguinte. O atestado de óbito, no entanto, apontou que a morte aconteceu por afogamento. Foi também na frente da igrejinha, em 1947, que o frei Serafim de Oliveira, 25, morreu após ser atacado.

O jovem religioso, contam os colegas carmelitas, estava com um grupo de padres na Capela Nossa Senhora da Piedade quando eles foram tomar banho de mar. “Era um convento de passeio. Nos fins de semana, vários grupos de religiosos vinham do conventos do Carmo do Recife, do Carmo de Olinda e de Goiana para descansar e tomar banho de mar. Foi assim que frei Serafim morreu. Ele foi o primeiro a entrar. O tubarão comeu a parte inferior do corpo dele. No dia seguinte, o mar devolveu o restante do corpo e os restos mortais foram sepultados no ossuário da Basílica do Carmo”, relata frei Tito Figueiroa, 77, capelão-reitor da Calepa de Nossa Senhora da Piedade.

Ele lembra ainda que após o ataque o convento passou alguns meses fechado. “Na época em que aconteceu esse ataque a frei Serafim eu tinha sete anos de idade e fazia catecismo na Basílica do Carmo, no Recife. Muitas vezes eu o vi por lá. Depois da morte, os padres ficaram com medo de tomar banho no mesmo local. Meus pais mesmo não deixavam eu entrar na água de jeito nenhum. Não queriam nem que eu viesse passar um dia aqui no convento”, completa frei Tito.

Ciência poderá, enfim, trazer respostas

Pouco ainda se sabe sobre os motivos que levam Pernambuco a liderar o ranking das estatísticas de vítimas de tubarão no país. Pela primeira vez, um diagnóstico está sendo traçado para identificar, uma a uma, as causas de cada ataque. A pesquisa realizada pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) já confirmou pelo menos uma suspeita. Cerca de 30% dos incidentes ocorreram em áreas onde agem as correntes de retorno, popularmente conhecidas como valas, ou seja, os ataques aconteceram depois de um princípio de afogamento.

Dentro do trecho analisado, da Bacia do Pina até as imediações do Hotel Golden Beach, em Piedade, foram registrados 46 ataques de tubarão e identificadas 14 correntes de retorno, sendo a maioria delas entre o Primeiro e o Segundo Jardins de Boa Viagem. Também chamadas de feições, as correntes são canais formados pela arrebentação de ondas ou por formações de arrecifes. Dentro delas, a água flui em velocidade superior e no sentido inverso ao da arrebentação na praia, aumentando a profundidade.

Os pesquisadores mostraram que quando as pessoas são levadas pelas correntes, tendem a permanecer numa zona por onde passa um canal de oito metros de profundidade que margeia a costa pernambucana. É justamente nesse lugar que os tubarões se deslocam. Esse canal, inclusive, é apontado como a segunda causa definida para ranquear o Grande Recife no cenário mundial de ataques de tubarão.

Pelo desenho da plataforma continental na costa pernambucana, a “rota dos tubarões” passa bem próxima à faixa de areia. Em locais como as imediações do Edifício Acaiaca, a distância do canal para a beira-mar é de 50 metros, não por acaso é lá onde foram registrados mais ataques no Recife.

O pesquisador do Departamento de Pesca da UFRPE Jonas Rodrigues pretende esclarecer no diagnóstico outras hipóteses levantadas ao longo desses 25 anos. A maioria delas converge para a influência das modificações ambientais provocadas pelo crescimento desordenado das cidades, como a supressão de manguezal e poluição, e a realização de grandes obras na zona costeira, como a construção do Porto de Suape, a estruturação de diques e a realização de engordas.
Recife aterrou trechos de rios e manguezal em nome da modernização. Hoje, menos de 2,4% da superfície do centro urbano são de mangue. “Mais de 90% de todos os organismos que habitam a região marinha usam o manguezal pelo menos uma vez na vida para se reproduzir ou se alimentar. É o caso do tubarão cabeça-chata. A degradação provoca um desequilíbrio ambiental”, ressalta Jonas Rodrigues.

Para ele, os fatores antrópicos - aqueles relativos à ação do homem - são mais determinantes do que a característica de agressividade intrínseca do tubarão. É o que defende também o professor do Departamento de Oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Mário Barletta. “Todos os rios da zona urbana recebem influência do despejo de resíduos domésticos. O excesso de nutrientes e poluição compromete o bem estar dos estuários, à medida que afeta a fecundidade e o recrutamento de peixes.”

Para confirmar essa relação, estão sendo analisados elementos químicos coletados nas vértebras de tubarões cabeça-chata, galha-preta e tigre. “Muito provavelmente, o desequilíbrio leva à perda de habitat. Vamos determinar se os tubarões usaram um mesmo ambiente durante toda a vida ou vieram de outras regiões”, explica Jonas.

Também serão comparados dados da passagem de grandes navios entre os portos de Suape e Recife com as datas dos incidentes, para atestar se o movimento das embarcações favorece os ataques. O estudo analisará ainda o grau de nutrição dos tubarões que habitam a costa pernambucana.

Estrutura de pesquisas desmontada
Barco Sinuelo era utilizado para capturar tubarões na costa pernambucana. Foto: Arthur Souza/Esp.DP/Arquivo.
Barco Sinuelo era utilizado para capturar tubarões na costa pernambucana. Foto: Arthur Souza/Esp.DP/Arquivo.

No ano de 2004, o barco Sinuelo, que pertencia à Fundação Apolônio Salles de Desenvolvimento Educacional (Fadurpe) e era utilizado em pesquisas da UFRPE, chegou a ser apontado com uma das soluções para entender as ocorrências com tubarões na costa pernambucana. A embarcação partia para alto mar em expedições que duravam, em média, cinco dias e tinham a finalidade de capturar os animais responsáveis pelos ataques. Mantido através de uma parceria entre a Fadurpe e a Secretaria de Defesa Social (SDS), o Sinuelo parou suas atividades diversas vezes por falta de verbas para a manutenção e encerrou as operações após o término do contrato no final de 2014. Desde então, a embarcação não foi mais utilizada para monitoramento dos animais.

Os tubarões capturados pelo Sinuelo eram marcados com chips e levados para longe da costa. O chip servia para rastrear a trajetória do animal no oceano. Os que não resistiam eram levados para UFRPE, onde eram estudados pelos pesquisadores. Em agosto deste ano, no entanto, o barco que era utilizado pelo projeto de Pesquisa e Monitoramento de Tubarões em Pernambuco (Protuba) foi vendido à UFRPE. A embarcação passará a ser usada para aulas práticas do Departamento de Engenharia de Pesca nas unidades de Dois Irmãos e Serra Talhada, no Sertão do estado. Também teve muito destaque há alguns anos o trabalho que era realizado pelo Instituto Ocenário, que desenvolvia ações de educação ambiental e promovia palestras a respeito do tema. Porém, as atividades também foram encerradas.

De acordo com Alexandre Carvalho, que era presidente do instituto, o trabalho deixou de ser realizado desde 2014. “O projeto não existe mais, mas tenho muito orgulho de participado dele. Trabalhamos seriamente e conseguimos uma redução exitosa no número de ataques com a realização de palestras nas escolas públicas e privadas além das ações que fazíamos todos os finais de semana na orla de Boa Viagem. O trabalho do instituto chegou a ter reconhecimento internacional, mas, infelizmente, não fazemos mais parte do Cemit”, declarou Carvalho. O presidente interino do Cemit, tenente-coronel André Ferraz, afirmou que os membros do comitê participam de reuniões ordinárias para tratar do assunto.

“Os membros efetivos do Cemit são o Corpo de Bombeiros, a Polícia Militar, o Instituto de Medicina Legal (IML) e a CPRH. Os demais, entre eles as prefeituras das cidades do litoral do Grande Recife, o Instituto Ocenário, a UFPE, a UFRPE, entre outros participam como convidados. Em relação aos riscos para quem frequenta as praias, o tubarão é apenas um deles. Para alertar a população, temos 220 placas ao longo de todo litoral que avisam sobre risco de afogamentos, além dos ataques de tubarão”, destacou o tenente-coronel Ferraz.

Equipe rastreia animais em Noronha
O arquipélago entrou para as estatísticas de incidentes com tubarão, quebrando um paradigma. Foto: Museu dos Tubarões/Divulgação.
O arquipélago entrou para as estatísticas de incidentes com tubarão, quebrando um paradigma. Foto: Museu dos Tubarões/Divulgação.

Santuário do turismo pernambucano, Fernando de Noronha viveu há dois anos o encontro com o impensável. O arquipélago entrou para as estatísticas de incidentes com tubarão, quebrando um paradigma. Em dezembro de 2015, um banhista foi atacado na praia do Sueste e perdeu um braço. Um ano depois, outro homem foi surpreendido enquanto tomava banho na Praia do Leão. Noronha faz parte da rota de pesquisas realizadas para entender a dinâmica dos tubarões na costa pernambucana e evidencia o óbvio: onde há tubarão e contingente humano há chances de incidentes.

Integrante do extinto programa de monitoramento dos Tubarões do Recife, o biólogo André Afonso está desenvolvendo no arquipélago trabalho semelhante ao que era realizado na capital, em parceria com a UFRPE e o Museu dos Tubarões. Ele captura tubarões e faz a inserção de transmissores de monitoramento via satélite. Em Noronha, já foram marcados 50 animais. A segunda fase da pesquisa, que fará a marcação com transmissores acústicos, começará em 2018.

“Os equipamentos nos darão informações sobre o movimento dos tubarões. Poderemos dizer quais as praias que eles mais frequentam e os horários em que estão mais perto da costa”, detalha André. A ideia é comparar os dados de Noronha e os do Recife. “Já sabemos que os animais encontrados no arquipélago são maiores, enquanto os do Recife são em geral de pequeno porte.”

André lembra que o mar é um ambiente selvagem e que em Noronha, devido ao controle ambiental existente, há uma fartura de alimento que impulsiona a presença cada vez mais abundante de tubarões. “Porém, os incidentes aqui ainda não preocupam. Só que é necessário entendermos as particularidades do animal para prevenir incidentes futuros”, lembra.

Jonas Rodrigues ressalta, entretanto, que entre os primeiros meses de 2014 e de 2016, Noronha registrou um incremento de 34% no fluxo turístico. “O maior número de pessoas aumenta a probabilidade de incidentes. É preciso haver controle”, lembra ele, que recomendou a instalação de placas nas praias de Noronha. Procurado pela reportagem, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio) afirmou que ainda está avaliando o conteúdo e por isso não instalou as placas. O órgão disse ainda que reduziu o horário de permanência no Sueste, que agora fecha às 16h. E garantiu que não há semelhanças entre os casos de Noronha e das outras áreas do estado.

Estado pode tirar proveito da fama
As placas dispostas na orla são um atrativo para turistas. Foto: Peu Ricardo/DP.
As placas dispostas na orla são um atrativo para turistas. Foto: Peu Ricardo/DP.

As placas dispostas na orla são um atrativo para turistas como os cariocas Alberto Silva de Moraes, 40, e José Renato Antunes, 58. A equipe do Diario encontrou ambos fotografando os alertas e publicando em suas redes sociais. “Botei no grupo de WhatsApp uma foto e perguntei quem queria tomar banho. Em seguida, postei as fotos das placas do tubarão”, brincou Renato.

Com os maiores índices de ataques de tubarão nos últimos anos, a África do Sul, Austrália e Estados Unidos conseguem tirar proveito da presença dos tubarões na costa e tornam o aspecto, considerado inusitado por visitantes, um atrativo turístico. Em Gansbaai, a 167 km da Cidade do Cabo, na África do Sul, por exemplo, é possível mergulhar em uma gaiola para ver tubarões-branco. As opções de passeio para entrar em contato com os “grandes predadores do mar”  custam a partir de R$ 430 e movimentam a economia local.

Em Pernambuco, fazer esse tipo de exploração turística é mais difícil, pois as águas são turvas, mas, de acordo com especialistas, há outras formas de tirar proveito econômico dos tubarões. “O estado aproveita pouco esse potencial. Existem muitas oportunidades na área de serviços. É preciso, primeiro, quebrar o paradigma na população de que não é negativo fazer essa exploração comercial. Podia ter, por exemplo, passeios que explicam as características dos tubarões, pois existe interesse dos turistas, que acham esse aspecto da cidade inusitado e curioso”, pontua o analista de atendimento do Sebrae João Paulo Andrade, produtor da cerveja artesanal Sharkbrew (algo como fermentação de tubarão, em inglês).

Em boxes da Casa da Cultura e barracas da Feirinha de Boa Viagem, itens relacionados a tubarões estão entre os mais procurados. De acordo com Joselia Albuquerque, que trabalha na cela 119 da Casa da Cultura, as camisetas com estampa de tubarão fazem sucesso, principalmente entre as crianças. “Os estrangeiros e as crianças são os que mais gostam. Os recifenses, não. Dizem que nem deveria ter uma estampa assim”, conta.

O potencial pernambucano é explorado inclusive pela editora norte-americana Marvel. Na edição brasileira da revista em quadrinhos Wolverine, a personagem Iara dos Santos, a primeira X-Men pernambucana, foi apresentada ao público. A história, lançada nos EUA em 2012, começa no Recife, onde a menina descobre ser uma mutante com superpoderes que a transformam em uma “Garota-Tubarão” (Shark Girl).

“O fato de a cidade ter tubarões pode ser comum para os recifenses, mas para o turista é curioso, inusitado e gera interesse comercial. Poderíamos ter um museu na cidade que mostrasse essa história do estado”, ressalta João Paulo. Em Fernando de Noronha, existe um Museu dos Tubarões.

Em uma tentativa de desmistificar a Praia de Boa Viagem e começar a explorar esse nicho, a Secretaria de Turismo, Esportes e Lazer do Recife criará um Centro de Atendimento ao Turista Ambiental (CAT). O equipamento terá vídeos, fotos e informações sobre tubarões. “Há uma curiosidade, é um fato. Vamos contratar um museólogo, para explorar a temática de forma consciente, segura”, detalha a secretária Ana Paula Vilaça. O equipamento funcionará no 2º jardim de Boa Viagem e começará a ser construído no primeiro semestre de 2018.

A fama, de certa forma, atinge o potencial turístico dos outros atrativos das praias. “Numa das maiores feiras do setor no Brasil, neste ano, fizemos uma ação voltada só para a Praia de Boa Viagem. Lá é mais do que o banho de mar, tem a experiência do caldinho, as práticas esportivas… Estamos fazendo uma campanha para o recifense divulgar e valorizar a orla como atrativo”, explica a secretária de Turismo, Esportes e Lazer da capital, Ana Paula Vilaça.

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