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ARTE DRAG Drag Queer: o corpo como arte e ferramenta de autoconhecimento No Recife, cresce a busca pela expressão distante de padrões

Por: Camila Pifano

Publicado em: 27/10/2017 23:24 Atualizado em: 01/11/2017 09:40

Um novo movimento tem ganhado força no Recife dentro do contexto da arte visual, o Drag Queer. A cena busca representar o drag além da caricatura do feminino, trazendo toda uma bagagem artística marginalizada e invisível. 
 
O termo inglês, Queer, é utilizado para caracterizar aquilo que não tem denominação e é tido como esquisito e fora da normativa. Quando somado à concepção da arte drag, então, representa a verdadeira busca pela livre expressão, sem apegar-se a padrões mesmo dentro da ideia da transformação. É uma maneira, também, de distanciar-se do estereótipo feminino historicamente atribuído à figura da drag, pois o objetivo do artista pode ser contrário à representação deste gênero. Nesse contexto, a maquiagem carregada, o corpo com curvas e os cabelos mais longos deixam de ser pré-requisitos para a composição da persona. 
 
Além da caracterização, a performance deixa de ser considerada uma atuação fictícia para ser usada como forma de expressão de questões pessoais. Nela, a inteira liberdade para transmitir sentimentos, conflitos e desejos não tem qualquer relação ou preocupação com técnica e coreografia. E a junção desses dois elementos pode ser capaz de modificar os parâmetros de beleza de quem assiste. 
 
A drag Alma Negrot.
Foto: Reprodução/Facebook
A drag Alma Negrot. Foto: Reprodução/Facebook
É com esse conceito, de que a beleza está em tudo aquilo que tem a capacidade de sensibilizar, que o paulista Raphael Jacques - vindo ao Recife para se apresentar junto à Mamba Negra, no Festival No Ar Coquetel Molotov, que aconteceu no último sábado (21) -, 22 anos, dá vida à drag queer Alma Negrot. “Eu acho que a beleza tá naquilo que toca a gente. Então, pode estar em algo extremamente feio e monstruoso, e, ao mesmo tempo, te tocar de uma forma tão profunda, que pode ser uma experiência que ultrapassa, e faz toda a diferença na sua vida”, diz.
 
Com suas composições e performances cada vez mais exóticas e misteriosas, retrata tudo aquilo que gostaria de ser através da arte. O que também lhe possibilita transitar e trabalhar artisticamente com características andróginas. “No final, você se dá conta de que esse processo intuitivo está criando uma coisa que você nem tem tanto controle sobre. Diferente de pensar numa fantasia, isso é meu de verdade. Penso que isso é realmente uma extensão sensível do meu rosto”. Dessa maneira, Rafa, como prefere ser chamado, explica que tudo aquilo absorvido em sua criação passa a ser considerado como parte do seu ser, como ocorre com os cílios feitos de papel. 
 
Integrante do coletivo Drag-se, revelou, em um dos documentários produzido pelo grupo em 2015, sua identidade como pessoa não-binária – quando o indivíduo não se identifica com os gêneros construídos pela sociedade, homem e mulher. “Essa é uma questão bem delicada. [...] Eu queria ser só uma modesta pessoa andrógina, mas o sofrimento foi muito grande por não poder ter a minha existência reconhecida – e foi me entristecendo muito. Só consegui resolver isso – tudo aquilo que eu gostaria de ser e não cabia no gênero masculino –, na minha performance”, conta o artista visual. 
 
As inspirações para dar vida à Alma não são longínquas ou pontuais, mas resultado de uma associação de tudo o que está acontecendo em sua vida. Não à toa, é fascinado pela cor turquesa. “Tenho uma paixão! Quando eu pinto minhas unhas de turquesa, as vezes fico hipnotizado olhando para elas. Representa um mistério, nem o azul e nem o verde. Está entre”, acrescentou.

Reforço e construção da identidade de gênero
 
A drag Libra.
Foto: Reprodução/Facebook
A drag Libra. Foto: Reprodução/Facebook
O interesse pela arte de construir “uma persona” não está necessariamente ligado à identidade de gênero do indivíduo – cisgênero, não-binário ou transgênero. No entanto, em alguns casos, se montar pode facilitar o processo de autoconhecimento, revelando uma nova maneira de se enxergar.
  
É o caso da estudante de artes visuais, Libra, de 20 anos, que se reconheceu transgênero após a vivência de drag. Segundo ela, foi a ausência do contato com a maquiagem e a performance que a fez descobrir sua feminilidade. “Passei seis meses sem me montar e fiquei muito mal, foi quando comecei a me perguntar de que forma aquela arte estava contribuindo para mim e o que significava. Assim me entendi como pessoa trans”. 
 
 Para Leonardo Cassiano, de 20 anos, que se transforma na drag Sollar, a arte está intimamente ligada ao seu descobrimento como pessoa não-binária. Segundo ele, antes mesmo de conhecer o drag, as pessoas já não o enxergavam de maneira feminina ou masculina, o que despertava o sentimento de não pertencimento. Foi apenas a partir do momento que se percebeu fazendo coisas ‘estranhas’ em seu corpo, que se reconheceu  “sendo uma pessoa totalmente livre do que a sociedade quis impor todos esses anos”, afirma.  
 
Ao contrário do senso comum, mulheres também fazem parte do movimento como forma de manifestar e reafirmar sua identidade. É o caso de Raissa Aurea, 20 anos, que artisticamente atende por Aurora Boreal.  “Fazer drag reforça o fato de eu ser uma mulher negra e periférica. Essa arte fez parte do meu reconhecimento como mulher”, afirma. 
 
A drag Aurora Boreal.
Foto: Reprodução/Instagram
A drag Aurora Boreal. Foto: Reprodução/Instagram
 



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