Metrô do Grande Recife é reflexo de uma metrópole fora dos trilhos
Criado como modelo de mobilidade, metrô é hoje um microcosmo dos desafios urbanísticos e sociais da região pela qual circula
Publicado: 02/09/2017 às 08:29

Crédito: Peu Ricardo/DP/
A ordem expressa veio de Brasília à superintendência do Metrô do Recife. Era preciso arrumar a casa para receber uma missão de um banco japonês, ressaltando o serviço modelo e o exemplo de ordem, disciplina e limpeza da operação. O episódio, descrito no livro Da Great Western ao Metrô do Recife (Eduardo Côrtez) rendeu o título, dado pelos nipônicos, de transporte urbano sobre trilhos mais limpo do mundo, hoje presente apenas em um cartaz motivacional na parede da administração do sistema. Os trens rasgam o tecido urbano como um microcosmo de uma área metropolitana em ebulição.
Nascido como solução social, o sistema foi anunciado por Gilberto Freyre, na inauguração, como infatigável. Face ao protagonismo pernambucano no que concerne aos trilhos, não poderia ser diferente. Só que o futuro esperançoso foi dragado pela falta de planejamento. “Na fase final de implantação, percebeu-se que havia problemas de acessibilidade em estações, que dificultariam a chegada do usuário. Decorridos mais de 25 anos, os acessos são os mesmos, mais precários, pelo crescimento da população e a manutenção urbana. As condições ideais de qualidade urbana não estão disponíveis”, descreve o doutor em engenharia civil e professor de economia dos transportes e gestão das infraestruturas da UFPE Maurício Andrade.
O metrô, nas palavras do professor do Departamento de Engenharia Civil da UFPE Fernando Jordão, parece um estranho no tecido urbano. Corta três municípios da metrópole, mas carrega em cada composição a imagem de que está sempre à margem. Das quatro milhões de pessoas que vivem no Grande Recife, cerca de 16% moram perto de uma estação. O atendimento direto não passa de um a cada seis moradores. A capital tem mais paradas, ainda que na proporção regional Jaboatão apresente maior percentual de bairros assistidos.
O estudante de engenharia de materiais Daniel Tenório, 30 anos, nasceu e foi criado ao lado da estação Werneck. Neto de foguista (profissional que cuidava das fornalhas nas máquinas a vapor), ele realiza a maioria dos deslocamentos sobre os trilhos. Vai do Recife ao Cabo usando ainda a linha diesel VLT. “É o melhor meio de transporte para mim. Não tem atraso. Do Centro para minha casa, em horário de pico, gasto 35 minutos”, defende. A importância do modal para as comunidades que assiste coexiste com a absorção de problemas sociais, como gestão de resíduos sólidos, a insegurança, o desemprego e déficit habitacional. A construção de moradias irregulares avança sobre os muros e, em pontos como as proximidades das estações Antônio Falcão e Tancredo Neves, deságua o esgoto direto nos terrenos da Companhia Brasileira de Trens Urbanos. O lixo perpassa composições, trilhos e estações. A insegurança é diária. E a falta de emprego levou a uma “invasão” de ambulantes.
O metrô cruza dois segmentos metropolitanos distintos, o que contribui para contradições internas. A Linha Sul, com suas 10 estações, absorve por dia um terço dos moradores dos bairros onde para. Tem estações mais vazias e limpas. É uma região com média de renda mais alta. Já a Linha Centro, que passa por três municípios, absorve mais que o total de população dos bairros nos quais para. É mais desorganizada e suja, com renda mensal equivalente à metade da área servida pela Linha Sul.
Após mais de três décadas em operação, o metrô passa a ser eixo de chances para repensar o desenvolvimento metropolitano, sobretudo com as discussões em torno do Estatuto das metrópoles. “A falta de planejamento tem custo perpetuado. O Recife não termina no limite das outras cidades. A metrópole tem um núcleo forte, mas todas as outras cidades são periferia. É preciso criar centralidades para melhorar a mobilidade”, conclui o ex-presidente da Fundação de Desenvolvimento da Região Metropolitana e conselheiro do Conselho de Arquitetura e Urbanismo Jório Cruz.
"O povo já entendeu e interpretou o metrô como sendo um patrimônio seu e, por isso, deve ser preservado, como está sendo. Não se vê sujeira nem nas estações nem nos vagões, apesar da gente humilde que carrega diariamente (...) O povo costuma respeitar quem o respeita"
Discurso do governador Gustavo Krause
Um Boeing de lixo 'decolando' por ano
Sistema aposta em uma série de projetos para tornar o metrô mais limpo
Terça-feira, horário de almoço. A movimentação é intensa na estação Mangueira. Passageiros aglomerados nas plataformas aguardam a chegada dos trens, indiferentes ao objeto sobre os trilhos. Uma pata de cavalo despercebida entre a multidão denuncia: o título dado pela comitiva japonesa é, em definitivo, um orgulho do passado. Se os orientais percorressem as duas linhas do metrô do Recife hoje em dia, encontrariam amontoados de lixo espalhados pelo chão. A sujeira é a vitrine da penúria do transporte urbano sobre trilhos.
Por mês, são retiradas das estações e dos trilhos cerca de 15 toneladas de lixo, o equivalente ao peso de 15 carros populares. Em um ano, o total de resíduos recolhidos é maior que o peso de um Boeing. As estações que mais contribuem para essas estatísticas são as com maior fluxo de usuários: Recife, Ilha Joana Bezerra e Barro. Cada ponto de parada do metrô tem, em média, seis lixeiras. Em 2016, foram acrescidos 227 depósitos para descarte. Vê-los vazios enquanto o lixo se acumula ao lado é uma cena comum.
Nas plataformas, a reportagem encontrou papéis, garrafas, latas e restos de comida. A sujeira levou consigo animais. Na estação Joana Bezerra, baratas rodeavam um cano cheio de restos de alimentos perto de um banco onde usuários descansavam. Em Santa Luzia, água suja escorria pelas paredes. Funcionários tentavam limpar os dejetos de pombos acumulados. Nos trilhos, o gargalo fica mais evidente. Tampas de garrafas a perder de vista, sapatos, pochetes, caixas de papelão, sacos de pipoca e pedaços de madeira.
Ao longo da passagem dos trens, a equação desproporcional entre pobreza e serviços parece incrementar o problema da sujeira. Onde as residências rompem as fronteiras estabelecidas pelos muros da CBTU, o acúmulo de lixo salta aos olhos. Entre as estações Monte Guararapes e Porta Larga, na Linha Sul, assim como entre Afogados e Joana Bezerra, na Linha Centro, sacolas formam montanhas de resíduos. “Talvez o problema não seja a quantidade de lixo produzida, mas a falta de educação das pessoas”, afirma o vendedor Lucas Oliveira, 20 anos. O descuido da própria população com o metrô é reflexo do lugar “marginal” que ele ocupa no imaginário social e no tecido urbano.
Retomar o orgulho adquirido após a chancela japonesa é um sonho distante, porém é também um norte. Por ano, o serviço gasta cerca de R$ 8,8 milhões com limpeza, sendo R$ 7,2 milhões com as estações e R$ 1,6 milhão com trens. O valor corresponde a um terço do maior insumo da CBTU Recife, a energia. Não dá mais para esticar a corda orçamentária, a solução foi criar uma força-tarefa para integrar os setores em busca de um ideal de limpeza.
Em um ano, o metrô quase triplicou a quantidade de trabalhadores nas estações. A higienização das linhas, que só ocorre à noite, ainda está longe do anseio. A depender do tamanho da estação, pode demorar 15 dias. “Queremos melhorar a eficiência sem gastar recursos, pois temos a obrigação de operar a um baixo custo. É o que estamos buscando com as estratégias integradas”, acrescentou o superintendente.
A estação Recife será usada como piloto das iniciativas. Neste mês, será instalada lá mais uma máquina Recicletools, que estabelece compensação financeira a quem deposita garrafas plásticas e de alumínio. A Estação Joana Bezerra ganhará dois aparatos iguais. Até o fim do ano, serão distribuídos 30 equipamentos em todas as 29 estações. São recolhidos 375 quilos por mês pela ferramenta. Também estão sendo instalados no Recife 30 tambores para coleta seletiva de papel, plástico e resíduo comum.
Outro projeto aguardando liberação de recursos do Ministério das Cidades prevê o investimento de R$ 300 mil para a compra de máquinas de automação de limpeza das estações. Enquanto o trabalho manual permite a limpeza 600 metro diários numa área interna por jornada por pessoa e 1200 metros na área externa, o equipamento permitirá varrer 2 mil metros quadrados por hora.
Mercado persa nos trens e plataformas
De tudo tem para vender. Pipoca, água mineral, lâmina de barbear, escova de dentes e lentes fotográficas podem ser adquiridas
Mais um trem chega à estação Recife. Cada embarque é uma oportunidade para Sirlayne Silva, 20 anos. Desde abril deste ano, quando perdeu o emprego em um restaurante, ela tira o sustento do comércio informal no metrô. O serviço é proibido, mas depois da crise econômica tornou-se a chance de muita gente. Pernambuco tem 767 mil desempregados, de acordo com o IBGE. A maior taxa do país. O problema social encontrou escape nos trens e, segundo a administração do serviço, tem contribuído de forma significativa para a sujeira.
Sirlayne vende pipoca e água. Tira até R$ 50 por dia. “Uma prima minha já trabalhava aqui e me chamou. É melhor do que não fazer nada”, conta. O problema, explica, é a crescente concorrência. Estimativas próprias denunciam o crescimento em cerca de 50% no número de vencedores comparado à época em que ela começou. Quando o trem abre as portas, às vezes entram mais ambulantes que passageiros. O som dos anúncios ecoa forte. Água é R$ 1. Salgadinho, escova de dentes, lâmina de barbear e revista caça-palavras também. Em um viagem completa, é possível encontrar ainda quem venda de picolé a lentes fotográficas adaptáveis para celular.
Em uma das calçadas opostas à estação do Barro, há um ponto de reabastecimento oficial. Toldos instalados protegem pilhas de caixas de salgadinhos e pipocas. Pequenos caminhões e veículos particulares levam a carga até lá, como atestado pelo Diario. Em geral, os usuários são favoráveis ao trabalhador informal, mas reclamam da sujeira. “Não concordo em proibir o trabalho deles. Quem compra é que deve ter educação de jogar o lixo na lixeira”, defendeu a atendente Mariana Silva, 25.
Por semana, são apreendidos cerca de 250 quilos de mercadorias. “O aumento do comércio informal coincidiu com o período de falta de recursos. A fiscalização estava precária. A entrada dos ambulantes não só aumentou, como mudou a característica do lixo. Antes, tínhamos basicamente poeira, mas agora passou a ser resto de produtos”, explica o superintendente da CBTU Recife, Leonardo Villar Beltrão.
Além da fiscalização, o órgão pretende usar a tecnologia para enfrentar o comércio informal e suas consequências. Há um projeto, desde o ano passado, para instalação de 1,3 mil câmeras de segurança nas estações e dentro das composições. O contrato já firmado prevê o funcionamento pleno do monitoramento em até um ano.
"Infatigáveis, nem se cansam, nem cansam os passageiros”"
Gilberto Freyre, à data da inauguração
Pecado original foi se limitar à malha antiga
Concebido à luz da lei que criou as regiões metropolitanas, metrô aproveitou ferrovias já existentes
Na década de 1970, foi estabelecida no Brasil a Lei Complementar número 14, criando as regiões metropolitanas. A reboque da legislação, previa-se o desenvolvimento racional do sistema de transportes regional e, para tal, foram concluídos no Recife os estudos de transportes coletivos Transcol e Trensurb, este último voltado a recuperar o Sistema Ferroviário de Passageiros Urbanos. Era o nascedouro do Metrô do Recife, que, na visão do doutor em geografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e pesquisador do Observatório das Metrópoles Jan Bitoun, incorreu em um pecado de origem.
“A construção do metrô não foi um plano local, mas federal. Para reduzir os custos, a diretriz era aproveitar as linhas de trem existentes. Mas, no Recife, o crescimento urbano não se dava ao longo das ferrovias. Então, quando a linha foi inaugurada, ela não atravessava áreas de grande expansão urbana, mas ligava bairros antigos, com núcleos consolidados e suas periferias precárias”, explica.
O pecado original custou o distanciamento entre o sistema e a cidade. A sensação é de um metrô que está aquém do potencial. “A solução de aproveitar o leito ferroviário queria evitar dificuldades com desapropriação. Só que obedecia a uma estratégia de ocupação do solo, de adensamento dos corredores. Mas não houve esforço de planejamento habitacional”, detalha o professor do Departamento de Engenharia Civil da UFPE Fernando Jordão. “Houve uma batalha para que o ordenamento urbano favorecesse o entorno das estações, para implantação de novos empreendimentos imobiliários. Mas, por parte desse setor, que trabalha para uma demanda de clientes motorizados, esse entorno não era atrativo”, complementa Jan Bitoun.
O metrô absorve 400 mil passageiros/dia, frente aos dois milhões transportados pelo sistema rodoviário. É uma participação, de fato, baixa. A expansão dos sistema ainda é um sonho. Fernando Jordão diz que há pelo menos 10 corredores com potencial para ser estudado. Dentre eles, as avenidas Abdias de Carvalho e Caxangá. Hoje há uma discussão para transformar a linha de manutenção entre Tancredo Neves e Werneck em VLT e de expansão dessa mesma linha até a UFPE, dentro dos debates para o Plano de Mobilidade do Recife.
“O trilho tem um diferencial pela redução de gases do efeito estufa. Estamos construindo um modelo integrado de mobilidade e uso do solo para fazer o planejamento não só da expansão dos trilhos, mas para a mobilidade como um todo”, afirma o secretário executivo do Instituto da Cidade Pelópidas Silveira (ICPS), Sidney Schreiner, coordenador dos estudos para o Plano de Mobilidade do Recife. Hoje, apenas 3% da população da cidade se deslocam de metrô. Outra possibilidade é a expansão até Suape. A expectativa da CBTU é ter o projeto para isso pronto até o fim do ano.
Para o presidente da Associação Brasileira de Engenheiros Civis de Pernambuco (Abenc-PE), Stênio Cuentro, outra possibilidade seria retomar um debate que ferveu na época da implementação do BRT, de instslação de um sistema de trilhos na Avenida Agamenon Magalhães, artéria da mobilidade no Recife. "Com aqueles recursos, era possível construir um metrô de superfície com cpacidade para transportar 30 mil passageiros por hora, por sentido", exemplifica. Ele defende que é viável expandir o sistema. "Expandir o metrô é possível. Cidades como Londres, com um dos sistemas mais antigos do mundo, continuam fazendo isso. Uma delas é expandir a malha. O canal de Setúbal, da Agamenon, são áreas desimpedidas. Não seria preciso gastar com desapropriações, o oneroso. A outra é aumentar a capacidade de transporte dele, melhorar o serviço. Hoje ele é muito vulnerável."
Entre as correções necessárias, está a relação entre o metrô e o ônibus, sobretudo o Sistema Integrado de Passageiros (SEI). O metrô tem um orçamento anual de R$ 104 milhões. Em 2016, chegou a operar com menos da metade disso. O custo por passageiro é de R$ 2,80. O passageiro paga R$ 1,60, mas parte desse recurso é dividido com os ônibus, e o metrô fica com R$ 0,53 centavos. Cerca de 65% dos passageiros não pagam porque vêm do ônibus. “O SEI aproveita do metrô a elevada capacidade de transporte e a velocidade média superior ao demais modos. Mas o metrô operar com tarifa defasada, que naturalmente conduz a falhas e à queda da qualidade da prestação do serviços”, conta Maurício Andrade.
A melhor forma de integração, defende o diretor executivo da ANPTrilhos, João Gouveia, é respeitar o conceito dos transportes como complementares e não concorrentes. “O transporte de alta capacidade sempre será o de trilhos. O modal ônibus é alimentador. Ter corredores concorrendo impacta qualquer desenvolvimento urbano.”
Era de ouro encoberta por asfalto, poeira e ferrugem
O transporte sobre trilhos em Pernambuco sempre esteve ligado ao sonho do progresso regional. Era 1858, o Barão de Mauá, em seus avanços empresariais pelo Norte-Nordeste do país, mudou o curso da distribuição do açúcar com a Estrada de Ferro Recife-São Francisco. A segunda ferrovia do Brasil inseriu os trens na paisagem local e iniciou uma relação que avançou pelos séculos entre o glamour e a decadência. Exceto pelas duas linhas do metrô, os trilhos foram suprimidos da paisagem em nome do avanço motorizado. Recorrer a essa memória, entretanto, é para muitos especialistas a única forma de garantir um desenvolvimento metropolitano.
Mauá delegou aos irmãos ingleses De Mornay a construção e exploração Estrada de Ferro Recife-São Francisco. O primeiro trecho fazia a ligação Recife-Cabo e foi somado a ligações com municípios da Zona da Mata, Agreste e outros estados. O avanço dos transportes de trilhos também ocorria no âmbito intramunicipal. Em janeiro de 1867, depois do Rio, o Recife passava a ser a segunda cidade brasileira a operar com bondes a vapor.
Duas locomotivas adquiridas pela Brazilian Street Railway passaram a circular entre a Rua da Aurora, no Centro, e Apipucos, na Zona Norte. Depois, seguiram rumo a Casa Amarela, Caxangá e Dois Irmãos. A companhia de Trilhos Urbanos chegou a explorar até uma rota entre o Recife e Olinda. Durante cerca de 35 anos, os bondes também fizeram a conexão entre o então balneário de Boa Viagem e o Centro. Recife teve bondes a vapor, elétrico e até por tração animal. Ostentou uma das maiores malhas de trilhos das capitais brasileiras.
A maior parte da história foi encoberta pelo asfalto. O declínio ferroviário, não por acaso, ocorreu na mesma medida do avanço da mobilidade motorizada. Na década de 1960, o Recife abriu mão dos bondes para investir no ônibus como transporte de massa. Em consequência, a frota de veículos cresceu de maneira desordenada. O mesmo aconteceu com as cidades, o que foi determinante para a construção do metrô.
Ao público que hoje poderia estar usufruindo de uma rede ampla, de forma semelhante ao que ocorre em países europeus, e, em menor proporção, em nações como a Argentina, resta conhecer as memórias no Museu do Trem. A atração fica na antiga Estação Central, no bairro de São José, abrindo de terça a sexta-feira das 9h às 17h, sábado das 10h às 17h e domingo das 10h às 14h.
ENTREVISTA
Maurício Andrade - doutor em engenharia civil e professor de economia dos transportes e gestão das infraestruturas da UFPE
Como você analisa a importância do transporte sobre trilhos para garantia da mobilidade urbana nos grandes centros urbanos?
Nos maiores centros urbanos do mundo, principalmente em países desenvolvidos, os sistemas sobre trilhos, metrô, VLT e trens de subúrbio representam o principal modo de transporte de massa. Através deles, principalmente metrôs e trens, alimentados por sistemas de média capacidade, são concentradas as demandas mais intensas de passageiros. As grandes vantagens desses sistemas metroviários são a elevada capacidade de transporte e a total segregação dos fluxos, ou seja, não há interferência com o tráfego na superfície, garantindo-se as mais altas velocidades operacionais entre os diversos modos de transporte urbano disponíveis.
Quais os desafios de implantação e gestão desse sistema nesses grandes centros, como o Recife?
O principal desafio da implantação desse sistema são os elevados custos de implantação, aliados à dificuldade de obtenção de financiamentos para a sua viabilização. Outra questão importante, que emerge do problema dos elevados custos de implantação e de operação, é a necessidade de elevados subsídios públicos para tornar acessível à população a tarifa resultante. Países em desenvolvimento têm normalmente, muita dificuldade em subsidiar transportes, diante das elevadas demandas de investimentos sociais em outras áreas consideradas por muitos mais relevantes, como saúde, educação, infraestruturas e segurança.
Como transformar o transporte sobre trilhos em um agente integrado à dinâmica urbana, sobretudo da população que o circunda? No Grande Recife, você considera que ele está integrado a essa dinâmica?
Existe uma estratégia aplicada em muitos países de criar um ambiente atrativo às atividades sociais e econômicas no entorno de estações metroviárias, tornando esses espaços mais dinâmicos e diversificados. Essa estratégia, que passa pela melhoria da infraestrutura para pedestres, atrai novos usuários para o sistema e diversifica o uso do solo, ajudando a reduzir viagens por veículos privados. O metrô do Recife, talvez por ter sido um investimento federal, não mobilizou por parte dos gestores públicos e planejadores urbanos locais, ações de planejamento integrado, que aproveitassem os grandes potenciais de mobilidade e acessibilidade propiciados. A minha pesquisa de mestrado em 2006 demonstrou que após 20 anos da implantação do metrô, não aconteceu uma dinamização urbana, refletida pela valorização imobiliária dos entornos.
Para você, como se estabelece hoje a relação demanda/necessidade/uso entre a população lindeira e o metrô na RMR?
Na fase final da implantação do metrô, percebeu-se que havia sérios problemas de acessibilidade a muitas estações, que dificultaria a chegada dos usuários. Com essa constatação, foram feitos pelo METROREC estudos de circulação e deles foram indicados projetos de melhorias de acessos, que foram implantados no período imediatamente anterior à inauguração. Decorridos mais de 25 anos, os acessos são os mesmos, obviamente mais precários, pelo crescimento da população e pelo baixo nível de manutenção urbana. Percebe-se daí, que as condições de microacessibilidade a muitas estações piorou. Aquelas condições ideais de qualidade urbana no entorno, principalmente para os pedestres, não estão disponíveis no nosso metrô.
Como deve ser feita a integração entre o metrô e os demais modais? Quais os erros e acertos ao tentar se fazer isso no Grande Recife?
O Sistema Estrutural Integrado – SEI aproveita do metrô a sua principal característica, ou seja, a elevada capacidade de transporte e velocidade média superior ao demais modos de transporte público disponíveis. O Grande Recife mantêm convênio com o metrô para operar parte da rede, que por sua vez opera com tarifa bastante defasada, que cobre apenas 25% dos custos operacionais. Nenhuma empresa pública ou privada deveria ser obrigada a operar em déficit, que naturalmente conduz a falhas e à queda da qualidade da prestação do serviços. Esse problema termina por impactar na qualidade de vida dos usuários. Há nessa relação, claramente um problema de repartição dos custos de operação de todo o sistema de transporte público da RMR, prejudicando o metrô.
Houve alguma mudança no perfil dos usuários do metrô ao longo dos últimos 30 anos? Quais são elas?
Na sua fase inicial, o metrô atendia basicamente a uma demanda lindeira e operava muito abaixo do seu potencial. Com sua posterior expansão para Camaragibe e Cajueiro (Linha Sul), passou a absorver uma demanda crescente. No entanto, foi a paulatina implantação do SEI, que aumentou a demanda de passageiros com as integrações, atingindo hoje em alguns dias cerca de 400 mil passageiros. Como dito antes, a mudança da demanda e do perfil da demanda dependeu muito mais de novas estratégias de operação integrada, do que do adensamento habitacional e de serviços atraídos pela proximidade do metrô.
É possível expandir a malha sobre trilhos no Grande Recife?
Do ponto de vista físico-espacial, é obviamente possível solucionar alguns dos nossos problemas de mobilidade urbana com a expansão de uma malha sobre trilhos. No entanto, para que isso ocorra é preciso que se façam estudos de demanda, considerando as opções já disponíveis e depois estudos de viabilidade e de modelos de gestão e financiamento do novo serviço. Não basta riscar sobre mapas, linhas e estações, mas estudar detalhadamente todos os aspectos da questão, como técnicos, operacionais, financeiros, regulatórios e de gestão. Um caminho para esses estudos poderia ser um Plano de Mobilidade de âmbito metropolitano, como exige a nova lei do Estatuto da Metrópole. Sistemas metroferroviários normalmente têm amplitude metropolitana, não cabendo ser tratados de forma local, nos planos de mobilidade de cada município isolado.

