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Entrevista: Aos 80, padre Reginaldo Veloso relembra trajetória

Por: Ana Paula Neiva - Diário de Pernambuco

Publicado em: 03/08/2017 19:33 Atualizado em: 03/08/2017 21:36

Sacerdote foi pároco na comunidade de 1978 a 1989. Foto: Thalyta Tavares/Esp.DP
Sacerdote foi pároco na comunidade de 1978 a 1989. Foto: Thalyta Tavares/Esp.DP
O Morro da Conceição, que acolheu o padre Reginaldo Veloso quando ele foi expulso das funções de sacerdote, será palco, no sábado, da sua festa de 80 anos. A Escola Estadual Padre João Barbosa vai receber a comemoração, preparada pela comunidade, às 17h. Reginaldo nasceu em São José da Lage, em Alagoas. Perdeu a mãe cedo, aos oito anos, e então passou a conviver com a avó paterna, que era muito religiosa. Aos 11 anos, seguiu para Palmeira dos Índios para cursar o atual ensino fundamental, no Ginásio Pio XII, com padres da Congregação Sagrado Coração de Jesus. Em entrevista ao Diario, ele fala sobre sua ida para o seminário, a experiência eclesial em Roma e os trabalhos que continua realizando.

Como surgiu sua vocação religiosa?
Minha mãe era muito católica. Após sua morte, minha avó paterna, ainda mais religiosa, veio morar com a gente. Em maio de 1946, eu nem tinha completado nove anos quando minha avó Maria Veloso de Melo, que era devota de Nossa Senhora, decidiu rezar o mês de maio com a vizinhança. Como eu já sabia ler, me colocou para puxar a reza. Ficava num genuflexório diante de um santuariozinho e o povo ao redor. Foi assim que iniciei minha carreira artística, como tirador de rezas.

E no Ginásio Pio XII, o que o senhor fazia além dos estudos?
Eu já ajudava na missa desde pequeno na minha cidade, então fui convidado pelos padres para auxiliar como coroinha. O padre Dimas Gomes de Brito, diretor do ginásio, percebeu que eu fazia isso com seriedade, e perguntou se eu não queria ir para o seminário para ser padre. Minha mãe já havia morrido e eu iria completar 13 anos. Sabia que o seminário era um lugar de muita pobreza, mas isso, ao invés de me espantar, criou uma simpatia.

Como foi a ida para o seminário então?
Em janeiro de 1951, antes de ir para o seminário, passei duas semanas  acampado numa usina perto do município de Viçosa, em Alagoas, no distrito de Tanque D´Arca. Fazíamos trilhas, ginástica e brincadeiras. Foi minha despedida de solteiro. Depois fiquei uma semana num sítio em Lajedo, que pertence à minha família parterna, onde ainda nos reunimos. Depois fui para a Escola Apostólica da Várzea dos padres do Sagrado Coração de Jesus, onde permaneci até o final de 1954. 

Fui para Água Preta fazer o noviaciado dos padres do Sagrado Coração de Jesus. No início de 1956, vim de Água Preta para o seminário Cristo Rei em Camaragibe, onde cursei dois anos de filosofia. Em 1958, voltei para a Escola Apostólica da Várzea, desta vez não mais como aluno, mas como professor estagiário. Ensinei inglês e geografia. Mas no mês de outubro de 1958, eu fui enviado para estudar teologia em Roma, na Itália.

Quando o senhor chegou em Roma?
Cheguei na Itália na véspera do sepultamento do papa Pio XII, dia 11 de outubro de 1951. Participei do sepultamento e, semanas depois, estava na Praça de São Pedro para receber o novo papa, João XXIII, eleito em outubro de 1958. Eu já havia começado os estudos de teologia. Estudei de 1958 a 1962. Depois fiz mestrado. Fui ordenado a  presblítero no dia 21 de dezembro de 1961 por um dos bispos auxiliares do papa João XXIII, dom Ettore Cunnial. Iniciava o quarto ano do curso, quando saiu a ordenação.

O senhor trabalhou como padre em Roma?
Como padre estudante, desenvolvi atividade pastoral nos fins de semana num orfanato de meninos de rua, de famílias desestruturadas, carentes. Eu ia todo sábado e domingo, realizava atividades de catequese e liturgia com essa garotada. Participei de todo o tempo em que aconteceu o Concílio do Vaticano II. Fui ordenado dois dias antes do concílio ser convocado em dia 25 de dezembro de 1961. Fiquei na Itália até 1966.

Como foi essa experiência na Itália?
Estudei na Pontifícia Universidade Gregoriana em Roma, dos padres jesuitas. Assisti ao sepultamento do papa João XXIII, à eleição do papa Paulo VI e ao encerramento do Concílio do Vaticano II em 8 de dezembro de 1965. Tive a oportunidade de ir à aula concilar, onde os bispos se reuniam e debatiam, elaboravam os documentos do concílio por várias vezes. Também fiz um curso de história da igreja em 1962.

O senhor chegou a celebrar no rito antigo?
Durante dois ou três anos. Era menos interessante, celebrava virado para parede e em latim. Tem gente que acha isso chique e até hoje quer celebrar de novo desse jeito. Mas eu prefiro agora, falando olhando diretamente para o povo e na mesma língua do povo.  

Como foi essa transição do Concílio do Vaticano II?
Esse tempo foi a grande primavera da Igreja Católica. Um tempo de grande efervecência teológica e pastoral. Todo mundo apostava numa mudança radical na igreja, e realmente aconteceram algumas coisas muito significativas, não somente na liturgia, que passou a ser realzida na língua de cada país, como a maior participação das pessoas. Também foi um desenvolvimento de experiências pastorais, sobretudo aqui na América Latina.

E sua volta para o Brasil, como ocorreu?
Quando vim de volta, a partir de 1966, fiquei como professor do Seminário do Regional Nordeste II, mas percebi logo cedo que não era meu forte ser professor. E a bem dos alunos, de mim próprio e da igreja, eu fiz duas mudanças importantes. Em 1968, dois anos e meses após voltar de Roma, resolvi deixar a congregação dos padres do Sagrado Coração de Jesus e ingressar no clero da Arquidiocese de Olinda e Recife, quando dom Helder Camara era arcebispo. Eu me convidei, pedi para ir. Mas antes, conversei com dom Helder e dom José Lamartine.

Como era seu relacionamento com dom Helder?
Participei da equipe do secretariado regional da pastoral, onde o dom foi presidente por vários anos. Depois fui coordenador do Centro Pastoral dos Altos e Córregos de Casa Amarela, do Conselho Presbiterial, do Pastoral da Arquidiocese. Eu nunca fui de frequentar a Igreja das Fronteiras, mas tivemos uma relação de trabalho pastoral. Dom Helder foi a grande inspiração para todos nós, com uma pastoral voltada para os problemas da comunidade.
 
Como é o seu trabalho atualmente?
Fiz dois mestrados em teologia e em história da igreja e uma especialização em liturgia, que completei aqui no Brasil, por isso me chamaram para integrar a equipe de liturgia da Regional Nordeste II da CNBB. Faço parte atualmente da equipe de canto litúrgico da CNBB Nacional. Acompanho três comunidades eclesiais de base, sou assistente do movimento dos trabalhadores cristãos do Recife, assessor pedagógico do Movimento de Adolescentes e Crianças, faço parte da equipe de reflexão sobre música da CNBB e viajo o Brasil todo para prestar assessoria de formação para as comunidades eclesiais de base e de formação litúrgica e musical. Desenvolvo trabalho de animação popular com crianças e adolescentes e jovens desde 1993 nas escolas públicas do Recife, Cabo e Jaboatão.

Qual o segredo para chegar aos 80 anos com tanta vitalidade e sabedoria?
O bom é poder sentir que a vida da gente tem um significado maior para outras pessoas, que a gente não vive para si, que podemos encontrar um sentido para viver servindo à igreja, à humanidade e à felicidade dos outros. Posso dizer que com 80 anos, trabalho mais do que quando tinha 30. Acredito que toda pessoa que procura dar um sentido maior à sua vida, servindo à humanidade, se empenhando em todas as ações e manifestações da vida do povo, vive mais plenamente e tem prazer em viver.

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