Religião Renovação Carismática Católica é movimento expressivo em Pernambuco Nascida nos Estados Unidos, Renovação Carismática Católica chegou a Pernambuco nos anos 1970 e consolidou-se como um projeto que propicia renascimentos

Por: Alice de Souza - Diario de Pernambuco

Por: Jailson da Paz

Publicado em: 19/03/2017 10:00 Atualizado em: 19/03/2017 10:16

Francisco Pimentel faz parte do movimento há quatro décadas: "a gente vive Deus numa intimidade muito grande". Foto: Rafael Martins/ Esp.DP (Foto: Rafael Martins/ Esp.DP)
Francisco Pimentel faz parte do movimento há quatro décadas: "a gente vive Deus numa intimidade muito grande". Foto: Rafael Martins/ Esp.DP
A fé transbordando em expressões de alegria e enraizada em um conhecimento profundo do poder do Espírito Santo provocou a Igreja Católica há cinco décadas. Recebido com olhar atento da então gestão religiosa, o movimento de Renovação Carismática avançou dos Estados Unidos sobre o mundo. Incorporada à igreja brasileira desde o fim da década de 1960, a RCC chegou a Pernambuco em 1972 para se tranformar em um dos grupos de maior expressão dentro das cercanias católicas atuais no estado.

Em maio, o movimento festeja seus 50 anos com uma audiência junto ao papa Francisco, em Roma, da qual participarão representantes pernambucanos. O estado tem a comunidade Obra de Maria, sediada em São Lourenço da Mata, como o berço local do movimento.

A Renovação Carismática Católica pernambucana está presente da Região Metropolitana do Recife (RMR) ao Sertão, das paróquias mais simples àquelas detentoras de templos renomados. Em toda as nove dioceses e na Arquidiocese de Olinda e Recife existem mais de 500 grupos de oração, células base da composição organizacional da RCC. Somente no arcebispado, são 185 grupos de oração, presentes em todas as cidades. Cerca de 10 mil em número de pessoas. O município com a maior quantidade de grupos é o de Olinda, seguido pelo de Nazaré da Mata, onde existem 74 grupos de oração. Na diocese de Nazaré, apenas duas cidades - Cumaru e Salgadinho - não possuem atividades do movimento.

As dioceses de Garanhuns (com 35 grupos de oração), Pesqueira (com 40 grupos) e  Petrolina (com 27 grupos) também são exemplos da capilaridade do movimento no estado. “A gente trabalha de acordo com as realidades de cada cidade. Falar de renovação na arquiocese compreende uma realidade urbana, por exemplo, de engarrafamentos. Há grupos no interior, cidades, onde não tem transporte”, exemplifica o coordenador arquidiocesano da RCC em Pernambuco, Marcos Silva. Mitigando as dificuldades regionais, a renovação trabalha a expansão.

“A nossa meta é atingir a todos, tanto adultos como a juventude e as crianças. Os jovens são a igreja do amanhã. A criança será o jovem cristão. Para isso, procuramos promover encontros que atinjam a todos”, explica o coordenador arquidiocesano. Dentre os 184 municípios pernambucanos, cerca de 10% estão fora do escopo de atividades da RCC. Por pouco tempo. Seguindo uma percepção da renovação em todo o mundo, o movimento também quer estender seus braços por todas as regiões do estado. Uma das atuais metas, por exemplo, é chegar ao Arquipélago de Fernando de Noronha até 2018.

O batismo de poder do Espírito Santo e os braços amorosos da RCC chegaram até as dificuldades enfrentadas pelo agropecuarista Francisco Pimentel, 62 anos, há quase quatro décadas. Envolveram aquela dor, promoveram um encontro profundo com Deus e, desde então, jamais saíram da vida dele. As atividades da Renovação são parte inseparável da rotina do agropecuarista. Ele é um exemplo de como a RCC provoca a ramificação das suas ações além paróquias.

Todas as noites, Francisco participa de missas. Anda com terço, água benta e crucifixo sempre à mão, para ajudar o próximo mediante qualquer chamado urgente. Às terças-feiras, está no grupo de oração das Graças. Às quartas, no Espinheiro e, aos domingos, em Casa Amarela. Afora os compromissos fixos, Francisco ainda disponibiliza a agenda para projetos do Ministério de Música e Artes, no qual se transforma no Chiquinho de Jesus, para cantar forró pé-de-serra cristão.

“Sempre fui católico, mas tive uma experiência diferente com Deus. Na renovação, a gente vive Deus numa intimidade muito grande. Naquele primeiro dia, tive um toque de amor, que nós chamamos de pentecostes, e não larguei mais”, explica. Francisco já presenciou várias experiências de graças: de uma mulher que deixou de usar bengalas a uma adolescente curada de meningite sem sequelas, após um coma. Até o nascimento dos três filhos, trigêmeos, é uma graça alcançada pós-renovação. Conhecedor da doutrina católica e da estrutura e história da RCC, ele é taxativo em dizer que o movimento é a própria igreja em renovação. Não mais como duvidar.

Para Ilma Pontes, Renovação elo de religação dela com a doutrina católica. Foto: Peu Ricardo/Esp.DP (Peu Ricardo/Esp.DP)
Para Ilma Pontes, Renovação elo de religação dela com a doutrina católica. Foto: Peu Ricardo/Esp.DP
 

Movimento propõe uma virada definitiva

Experiência de fé profunda e única, o encontro com o amor do Espírito Santo é o ponto de abraço da Renovação Carismática Católica com os fiéis. Vivenciar o “novo pentecostes” é, para os seguidores do movimento, uma virada definitiva. Quem conhece não quer mais sair e acaba imerso cada vez mais nas atividades da renovação, buscando integra-se aos ministérios para servir de acordo com um chamado e um propósito. Assim como aconteceu na Universidade de Duquesne, nos Estados Unidos, na década de 1960, ainda ocorre nos dias atuais.

É colocando o sentimento para fora que a dona de casa Ilma Pontes, 55 anos, fala sobre a renovação carismática. O movimento foi o elo de religação dela com a doutrina católica e determinante para mudar a própria vida. Antes de virar integrante em definitivo da RCC, em 1995, Ilma buscava a felicidade fugaz, em festas e bebida. Mantinha uma relação conturbada com o marido, dono de hábitos que a desagradavam. A renovação organizou os pensamentos de Ilma e ajudou-a a encontrar um caminho.

“É uma experiência tremenda de amor de Deus. Foi esse derramamento do Espírito Santo, de pessoas que se unem, que me atraiu para dentro da renovação. Me encontrei com um Deus que caminha ao meu lado, que escuta o meu clamor”, lembra Ilma, cuja fé e as atividades da renovação ajudaram a passar inclusive por problemas de saúde.

Ilma desenvolveu hérnias internas após uma cirugia bariátrica, chegou a usar muletas e cadeiras de roda. Desde 2010, realizou seis procedimentos cirúrgicos. O último, recentemente. A recuperação, ela sempre agradece a Deus. “A gente começa a agradecer ele até pelo sofrimento. Esse louvor transforma tristeza em alegria, dor em esperança”, conta ela, que integra o grupo de oração Fraternidade do Espírito Santo, no Ibura.

Matheus Nunes, 21 anos, participa dos retiros da RCC há seis anos. Foto: Shilton Araujo/Esp.DP (Foto: Shilton Araujo/Esp.DP)
Matheus Nunes, 21 anos, participa dos retiros da RCC há seis anos. Foto: Shilton Araujo/Esp.DP

Grupos de oração são alicerce de movimento

A célula primeira da Renovação Carismática são os grupos de oração. A partir deles, o movimento ocupou capelas, salões paroquiais e matrizes. Cresceram a ponto de dispor hoje de umas das maiores estruturas organizacionais da Igreja Católica no planeta.  São muitas as caixinhas do organograma, mas de fácil entendimento para aqueles que, na explicação de Maria José Silva, presidente do Conselho Estadual em Pernambuco, “estão em unidade” com o movimento. Em outras palavras, seguem a missão, a visão e o planejamento da RCC.

Foi rápida a expansão da RCC.  Para alcançar o formato atual, com uma associação de fiéis reconhecida e funcionando no Vaticano, o movimento precisou de um quarto de século apenas. Essa associação é o Serviço Internacional da Renovação Carismática Católica, de sigla em inglês ICCRS. Cabe ao serviço, conforme sua  missão, “promover unidade entre as variadas realidades e expressões da Renovação Carismática, o que o faz um centro de comunicação, colaboração e coordenação, tanto de caráter nacional e internacional.

No contexto mundial, o movimento carismático nacional tem se destacado. Tanto que um brasileiro, Marcos Volcan, ocupa a vice-presidência. Além dessa função, Volcan integra o Conselho Nacional da RCC, instância maior do movimento no país e formado pelos presidentes dos conselhos estaduais, um presidente e um membro permanente. Entre os representantes dos estados, Maria José Silva, pernambucana de Carpina, cujas paróquias estão subordinadas à Diocese de Nazaré da Mata.

“Existe uma infinidade de grupos no país e é isso que dá vida à Renovação”, considera Maria José. No estado, ela divide a tarefa da coordenação com um representande de cada uma das das nove dioceses e da arquidiocese Olinda e Recife, além dos ministérios. Esses, voltados a setores como criança, música e jovens. As dioceses, por sua vez, montam estruturas com características próprias. Em todas, a base são os grupos de orações.  Aqui está o universitário Matheus Nunes, 21 anos. Fiel da Paróquia de Santo Pio X,  ele participa dos retiros da RCC há cerca de seis anos.  “A Renovação mudou radicalmente minha vida”, afirma.  A mudança se deu no pensamento e nas atitudes. Deixou para trás uma vida de drogas e bebidas.

Academia Santa Gertrudes marcou início de atividades há mais de quatro décadas. Foto: Annaclarice Almeida/DP (Foto: Annaclarice Almeida/DP)
Academia Santa Gertrudes marcou início de atividades há mais de quatro décadas. Foto: Annaclarice Almeida/DP

Olinda foi origem da Renovação no estado

Os primeiros ventos da Renovação Carismática Católica (RCC) em Pernambuco sopraram do alto do Sítio Histórico de Olinda. Da Academia Santa Gertrudes, em 1972, para ser exato. O ponto de partida foi um retiro comandado pelo padre Eduardo Dougherty, vindo de Campinas, São Paulo. Era o mesmo sacerdote que meses antes a irmã  Lucida  Schmieder, 89 anos, havia conhecido meses antes em oturo retiro, em Salvador (Bahia). Beneditina Missionária de Tutzing, a irmã começou a partir do que viveu nesses dois encontros a organizar grupos de oração da RCC na Arquidiocese de Olinda e Recife.

“Fui convidada para ir a Salvador por minha experiência com orações, tríduos e a Bíblia, mas não tinha conhecimento do que havia ocorrido da América do Norte”, revela irmã Lucida. Por América do Norte, entenda-se o retiro da Universidade de Duquesne, nos Estados Unidos, em fevereiro de 1967, quando se originou a Renovação.  Na capital bahiana, junto a cerca de cem pessoas de diversas dioceses, ela conta ter passado por momentos especiais. Descobriu alguns dos dons pessoais, como o de falar em línguas, da oração e de ajudar na cura das pessoas.

Para a tarefa de organizar o movimento carismático na arquidiocese, irmã Lucida atuou ao lado da irmã Ursula Wurringen, 97 anos, também missionária beneditina. E o primeiro grupo de oração organizado reuniu alguns dos participantes do retiro da Academia Santa Gertrudes. Eram religiosas, religiosos, sacerdotes e leigo. Outra experiência nasceu no Recife junto ao instituto da Rua Visconde de Goiana, na Boa Vista.  Esse grupo resistiu ao tempo. Com mais de quatro décadas, realiza as reuniões nas tardes das segundas-feiras, às 14h30, na capela.

Yedda Therezinha Coutinho, 83 anos, integra o grupo de orações da Rua Visconde de Goiana. “São poucos os integrantes, uns vinte, mas gente de longa caminhada na Renovação Carismática”, revelou. Ela se integrou ao grupo em 1980, vinda de Belo Horizonte. Na capital mineira, Yedda havia descoberto a RCC e participado de um retiro com padre Eduardo Dougherty.  A capela é colada à comunidade onde hoje vive a beneditina Ursula Wurringen.

Ao se voltar para o passado, irmã Lucida avalia como bastante positiva sua experiência com a RCC. “Minha vida mudou. Passei a enfrentar a vida com mais serenidade e percebi que ajudou a aprofundar o meu carisma de beneditina missionária. E também deu mais vida a nossa missão”, sentenciou a freira, que em 1975 deixou o Brasil e retornou em 2013. Nesse intervalo, a Renovação deu passos largos em Pernambuco. Os ventos levou o movimento até o Sertão.



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