As Gaivotas da Rua Azul Na escola, uma lição sobre a importância dos sonhos

Por: Marcionila Teixeira

Publicado em: 17/03/2017 23:19 Atualizado em:

 (Peu Ricardo/DP)


A maioria das crianças e adolescentes ouvida pela reportagem estuda na Escola Municipal Reitor João Alfredo, nos Coelhos, bairro vizinho à Rua Azul. Após uma convivência de dois dias com os meninos e meninas, mostramos para várias turmas a videorreportagem feita com eles e o resultado das fotos, todas exibidas em sala com a ajuda de um cordão e de pegadores de roupa. Também refletimos em sala de aula sobre o direito à ocupação da cidade, a participação das meninas na brincadeira, a falta de lazer na Favela do Papelão, os riscos dos saltos nos rios, a ação policial e a proibição da brincadeira por parte dos pais e responsáveis.
Miriam Maria da Silva Santana, 15, identificou-se com Eduarda, a única menina retratada saltando na reportagem. “A infância dela foi na maré. A minha também foi. Eu mesma cheguei aos Coelhos com sete anos e somente com 12 comecei a estudar por causa de problemas pessoais”.

Perguntamos também sobre o resultado da videorreportagem. Se estavam satisfeitos com as cenas, depoimentos, roteiro. Quem respondeu primeiro foi Jadson da Silva Santos, 14. “Falta a gente dizer os sonhos da gente. É importante falar do futuro, do que a gente quer ser para ajudar a família, os pais”. A maioria apoiou. Jadson mora no Cabanga e já saltou no rio. Hoje não participa mais da brincadeira. A avó proibiu a diversão depois de ver o neto contaminado por um germe. Jadson quer ser delegado. Pretende levar a lei aonde ela não existe. Na família, ele tem parentes próximos presos. E sofre essa ausência.

No final, presenteamos as fotos para as crianças e adolescentes. Uma das alunas sugeriu deixar o material para as outras turmas terem a mesma oportunidade. A maioria optou por guardar aquelas impressões consigo, em casa. Felipe Gonçalves falou em colocar o retrato dele saltando em uma moldura e pendurar no quarto.
Aqueles meninos e meninas ficaram no coração de cada um dos integrantes da nossa equipe. Ensinaram sobre gentileza, saltos, cooperação e resiliência em meio à falta de infraestrutura, pobreza e desestrutura familiar. Por isso, dedicamos   esta matéria aos jovens da Azul.


Quando o rio representa prazer, doenças e risco de morte

 (Peu Ricardo/DP)


O prazer dos jovens tem o tamanho do perigo de machucados, contaminação por doenças, afogamentos e morte. Lucas Michael, 11, mostra a cabeça ferida durante um salto. “Na hora saiu muito sangue, mas agora tô bem”. Willames já teve doenças de pele. Mora com a avó e ela não gosta dos saltos no rio. Acha a brincadeira perigosa. Kaylany, 11, tem um irmão de 13 anos que tomava banho no Capibaribe. “Minha mãe terminou proibindo por causa dos jacarés que aparecem de vez em quando. Ela diz que também tem o perigo de se machucar, pegar doença com água suja”.

A própria estrutura de ferro da passarela está danificada, com trechos quebrados ou faltando. Na água, a segurança também é pouca. Além da lama acumulada no fundo - o que pode ser um risco para prender os pés -  o rio carrega dejetos variados, alguns perigosos para as crianças. “A gente ajuda um ao outro. Isso aqui mesmo, se alguém pular e bater, fura a cabeça. Por isso tirei da água”, alerta Edilson Bezerra de Andrade, 16, apontando para um resto de madeira com pregos usado para a construção da ponte ou em obras na própria favela. O rio está cheio desses descartes.

O médico infectologista Demetrius Montenegro, do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, unidade de saúde referência no assunto, ressalta que o principal problema dos rios urbanos são os dejetos jogados em seus leitos. Os canais, diz ele, oferecem ainda mais riscos de contaminação em comparação com os rios por conta do menor volume de água. “É possível ter doenças do intestino ou da pele. Se o corpo tem um arranhão, por exemplo, a região pode ser contaminada. Felizmente, não temos surto de cólera no estado, mas há riscos de contrair o tétano, caso a lama tenha a bactéria”.

A leptospirose, provocada por fezes e urina de ratos, é outro risco. “Passo nos canais da Agamenon Magalhães e do Arruda e vejo muitas crianças brincando. Teoricamente o canal serve para receber as águas pluviais, mas o lixo acumulado nas margens atrai rato”, acrescenta o médico. A lista de doenças é extensa. Segundo o especialista, se em uma comunidade sem saneamento existe alguém contaminado com hepatite A, o esgoto dessa localidade segue para um canal que, automaticamente, torna-se uma fonte de contaminação da doença.


A favela onde reciclar significa sobreviver

[FOTO 3]

Marcelo Souza dos Santos, 49, nasceu na Rua Azul e é líder comunitário. Segundo ele, 80% das famílias da comunidade vivem do recolhimento de papelão, plástico e ferro. O material é disposto na calçada que dá para o muro do metrô ou é acumulado em uma cooperativa, na Rua Imperial. As casas são muito pobres, algumas delas, palafitas erguidas no mangue. Além da habitação precária, a falta de saneamento e de calçamento são os principais problemas. Água encanada, diz Marcelo, tem todo dia. Assim como iluminação pública.

A pobreza dos moradores se reflete nas ligações clandestinas de luz. E isso pode significar tragédias, como incêndios provocados por curto-circutos. Marcelo lembra de pelo menos dois de grande porte nas últimas décadas. O mais chocante deles, no entanto, teria sido provocado por uma panela esquecida no fogo, em março de 2011. Miguel, 4, João Vítor, 5, e Sara, 6, não resistiram depois de terem mais de 90% dos corpos queimados. Eles estavam sozinhos em casa. A mãe, Sandra Santos, na época com 39 anos, havia saído para catar papelão. Completava o sustento dos filhos com esmolas. Na maioria das vezes, as crianças acompanhavam a mãe. A morte de dois jovens por afogamento, obrigados pela PM a pular da ponte no carnaval de 2006, também marcou aquele trecho do rio para sempre.

A promessa de construção de um conjunto habitacional para a população ainda não foi cumprida pelo poder público. As obras do Vila Brasil 1 se arrastam desde a primeira gestão do ex-prefeito João Paulo. No condomínio estavam previstos uma quadra de esportes e um centro de convivência. “Enquanto isso, os meninos ficam no rio e as meninas passam o dia no celular. O rio já teve morte. Se pelo menos tivesse um bombeiro civil”, lamenta Marcelo. A Secretaria de Habitação informou que o conjunto está em obras. O prazo de entrega é o final deste ano.

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