Sonho realizado Estudante de música ganha trombone após matéria publicada no Diario Mensageiro de hotel na Reserva do Paiva comoveu-se com história de jovem e doou instrumento para ele continuar os estudos

Por: Marcionila Teixeira

Publicado em: 13/07/2016 19:50 Atualizado em: 14/07/2016 14:58

Washington Vicente de Souza, 26 anos, é mensageiro em um hotel da Reserva do Paiva, no município de Cabo de Santo Agostinho. Todos os dias, pela manhã, ele recolhe os jornais antigos destinados aos hóspedes. Mas antes, dá uma olhada nas editorias de esportes. Na terça-feira passada, teve vontade de ler um pouco mais a edição de segunda-feira do Diario, conta, coisa que normalmente não faz. Quando se deparou com o título da seção Em foco, João, o trombone e a Chico Mendes, decidiu concentrar seus olhos no texto. O trombone é um instrumento muito familiar para Washington. E ele precisava entender aquela história melhor.

O João citado no texto chama-se João Emanuel Nunes de Souza Silva, 17. É morador da Comunidade Chico Mendes, em Areias, e estudante do Conservatório Pernambucano de Música. Há alguns dias, pediu à mãe, Valdilene Nunes de Souza, 44, um trombone. Sem condições financeiras de comprar o instrumento, Valdilene publicou a história do jovem na página do Facebook da Polícia Civil na tentativa de conseguir uma doação, mesmo que fosse de um trombone usado. João, assim como qualquer estudante de música, precisa de instrumento próprio para praticar em casa também. Do contrário, o aprendizado da música fica comprometido.

Quando Washington leu o texto até o final, lembrou-se imediatamente da própria história. Assim como João, ele também desejou, quando ainda mais jovem, instrumentos musicais que a mãe, auxiliar de cozinha, não podia comprar. “Eu também ansiava muito por aprender música. Ele está passando pelas mesmas dificuldades que passei. Meu primeiro violão foi praticamente doado, pois foi vendido a um preço bem baixo e assim minha mãe conseguiu pagar”, lembrou o mensageiro.

Há três anos, Washington recebeu de um colega da igreja que frequentava um trombone novinho. O jovem iniciou-se no instrumento, aprendeu a tocar e há um mês emprestou o trombone ao amigo Pedro Henrique, 22, que queria expandir seu conhecimento musical.  “Disse para ele: fique à vontade, mas se precisar, te peço de volta. Foi o que aconteceu. Depois de ler a matéria, falei com Pedro sobre a doação e ele concordou e até topou em vir comigo”, contou Washington. Na tarde de hoje, fizeram a entrega.

A dupla de amigos chegou à comunidade de moto. João e a família esperavam ansiosos. “Eu passei a noite sem conseguir dormir”, confessou Valdilene. “Deus usou ele para me ajudar. Ele tinha um trombone, mas não usava”, falou João, com um belo sorriso insistente no rosto. Para Washington, um presente não poderia ser vendido e sim doado, como ele fez. “Até pensei em vendê-lo para pagar um curso que estou fazendo, mas ainda bem que desisti porque assim tive condições de entregar a João”.

Ontem, após a entrega do instrumento, a casa de João virou uma festa, com direito a bolo, café, chá e refrigerante. Até vizinhos comemoraram a conquista do jovem. No próximo dia 2, ele volta ao conservatório diferente. Nas mãos, levará o instrumento musical tão desejado. No coração, uma gratidão imensa por Washington, o desconhecido que lhe entregou em casa um trombone de seus sonhos.

João, o trombone e a Comunidade Chico Mendes

Naquele dia, Valdilene Nunes de Souza, 44 anos, ouviu o pedido do filho caçula com certo pesar. Há quase cinco anos ela teve câncer de mama e precisou deixar o trabalho como empregada doméstica. Desde então, passou a sobreviver com um salário mínimo incerto, oriundo do auxílio-doença. Sem receber o benefício nos últimos dois meses, Valdilene não via saída para concretizar o desejo do filho. Decidiu, então, postar uma mensagem na página do Facebook da Polícia Civil de Pernambuco. Quem sabe ali não encontraria uma ajuda, uma luz.

Valdilene mora com o filho João Emanuel Nunes de Souza Silva, 17, na Comunidade Chico Mendes, em Areias. Em fevereiro deste ano, João começou a ter aulas de trombone tenor no Conservatório Pernambucano de Música. As notas e os instrumentos musicais são sua paixão há cinco anos, desde quando começou a participar da fanfarra da Escola Heróis da Restauração. No primeiro bimestre, o jovem dedicou-se à teoria e, há um mês, começou a ingressar nas aulas práticas de trombone. No percurso entre o teórico e o prático, começaram os dilemas.

João, assim como qualquer estudante de música, precisa de instrumento próprio para praticar em casa também. Do contrário, o aprendizado da música fica comprometido. “O professor falou que eu tinha talento. Quando escutei isso, fiquei feliz e com mais vontade de aprender. Para mim, música não é só a letra. O que faz a música ser bonita é a forma de compor, a sua organização”, reflete. O mesmo professor avisou, no entanto, da necessidade de João ter o próprio instrumento musical. “Pesquisei o preço. Um novo está em torno de R$ 1.200 e R$ 1.500. Um usado chega a R$ 1 mil”, diz. O estudante tem aula de trombone com outros dois jovens. Ambos possuem o instrumento. João está em desvantagem.

Ex-diretora de uma creche municipal de Jardim Uchôa, que também atendia moradores da Chico Mendes, a professora Maria da Conceição Cavalcanti, 53, viu muitas pessoas contemporâneas a João serem presas, assassinadas ou se envolverem com drogas. Amiga da família, ela torce pelo estudante de música. Não apenas ela. A avó materna, Maria Helena dos Santos Souza, 74, aumenta a torcida e ressalta. “A gente não quer dinheiro. Quer o instrumento. E ele pode ser usado. Não tem problema”, avisa.

As contas da casa só fecham com a ajuda da avó de João, que também recebe um salário mínimo de aposentadoria. Antes da chikungunya, ela engrossava a renda mensal com faxinas e como representante de uma marca de cosméticos. Agora não consegue mais trabalhar como antes. “Somente de remédio para Valdilene pago R$ 250 por mês. Se o instrumento fosse mais barato dava para dividir no cartão, mas meu limite é baixinho”, lamenta.

A postagem na página virtual da Polícia Civil chamou a atenção da delegada Verônica Azevedo. Comovida com a história de João e da família, ela me procurou para publicar uma matéria na tentativa de conseguir de forma mais rápida o instrumento. As aulas de música no conservatório estão suspensas em virtude das férias de julho. Somente devem recomeçar em 2 de agosto. Até lá, João vai precisar do trombone. “Publiquei o pedido porque ele é um menino bom, não dá dor de cabeça, é estudioso. Acho que ele merece”, elogia a mãe.

O CPM tem dois mil estudantes matriculados. O acesso se dá por meio de sorteio (dos 7 aos 14 anos) ou por seleção (acima dos 14 anos). Segundo a direção do conservatório, grande parte dos instrumentos musicais usados nas salas pertencem aos próprios estudantes, mas a instituição não exige que os alunos levem seus instrumentos para as aulas. Há também horários especiais para os estudantes usarem os instrumentos do conservatório e possibilidades excepcionais de empréstimo, via termo de responsabilidade.

João, no entanto, não tem muito tempo disponível para permanecer no conservatório em horários especiais. Tem aula em horário integral em dois dias da semana na Escola Mariano Teixeira. Além disso, está inscrito em um curso de gestão de negócios em uma ONG. O instrumento seria utilizado à noite, em casa, e nos finais de semana. João está confiante em uma ajuda voluntária. Se assim for, a Comunidade Chico Mendes vai ganhar um incrível som de trombone saindo da janela do imóvel de número 35 da Primeira Travessa da Fase.


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