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Movimento Mobilização em prol de uma nova política de drogas Encontro Nacional de Coletivos e Ativistas Antiproibicionistas acontece a partir de amanhã na UFPE e termina no domingo, com a Marcha da Maconha

Publicado em: 23/06/2016 14:30 Atualizado em: 23/06/2016 14:51

Debater e construir um novo modelo para a política de drogas no Brasil. É com essa disposição que 15 palestrantes, 25 movimentos sociais, 580 inscritos e caravanas vindas do Ceará, Paraíba, Alagoas, Sergipe e Rio de Janeiro se reúnem no Recife a partir de amanhã, no I Encontro Nacional de Coletivos e Ativistas Antiproibicionistas (ENCAA). Mais do que uma reunião dos protagonistas da luta antiproibicionista no Brasil, o encontro se desenha como um marco histórico na elaboração de um projeto popular para a reforma da política de drogas e resultará em um documento que vai pautar a construção de um Projeto de Lei nacional. 
É na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) que acontecem os debates, que começam na sexta e terminam no domingo, dia da Marcha da Maconha do Recife, que esse ano está sendo chamada de Marcha Unificada, já que contará com a presença de ativistas e grupos de várias partes do país. A mesa  'Da guerra à domesticação: quem somos? O que queremos?' marca o início das reflexões, que seguem nos grupos de trabalho que, a partir do sábado, discutirão gênero, diversidade, economia, segurança, classe, racismo, juventude e redução de danos na perspectiva do antiproibicionismo. 

Coordenadora do Coletivo Antiproibicionista de Alagoas, à frente da organização da Marcha da Maconha no estado e membro da Rede Nacional de Coletivos e Ativistas Antiproibicionistas (Renca), que organiza o I ENCAA, Thati Nicacio conduzirá a plenária final do encontro, onde serão apresentadas as propostas dos grupos de trabalho e definido o texto do documento final. Para ela a troca de experiências entre grupos e ativistas de lugares e, por tanto, realidades diferentes é a maior riqueza do encontro. “São pessoas que já constroem esse debate de uma nova política de drogas nos seus estados, mas com focos específicos, como violência, mulheres, LGBT e trabalhadores do campo, por exemplo. No ENCAA elas estarão reunidas e cada reflexão nos dá uma noção da realidade de cada estado e só assim conseguiremos construir uma proposição nacional”, explica. 

A ideia é formular o documento a partir da conversão das propostas levadas ao encontro, com recortes e experiências específicos da realidade de cada estado e partes envolvidas, como usuários, médicos e famílias cujos filhos fazem uso da cannabis medicinal, criando um novo paradigma para as discussões sobre a reforma da política de drogas no Brasil. Para o advogado carioca, membro da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas, palestrante e um dos organizadores do ENCAA, Emílio Nabas, trata-se de um marco para o país. “É uma união de forças que nunca vi igual. A união de todas as propostas para construir uma política que realmente atenda, contemple as pessoas do Brasil. Porque não adianta trazer um modelo de fora, porque não vai dar certo. É preciso criar um modelo brasileiro, que possa embasar uma lei”, defende. 

Abertura ao diálogo
Antropóloga, membro da Rede Latino Americana de Pessoas que Usam Drogas e da Marcha Mundial das Mulheres, Luana Malheiros explica que durante muito tempo o debate antiproibicionista ficou dentro da universidade, onde era construída toda a narrativa do movimento. Para ela, o grande marco do ENCAA é reunir todos os atores para a construção de um novo discurso. “É o primeiro evento que tem a pretensão de construir um projeto popular de reforma da política de drogas, que seja uma transformação social e para isso precisa dialogar com a maior diversidade possível de movimentos sociais”, analisa.
 
Luana entende que “discutir política de drogas é discutir questões estruturantes como racismo, gênero, diversidade e modelo econômico, para que não se reproduza uma proposta de estado neoliberal. A guerra às drogas tem efeitos muitos específicos em populações vulneráveis, como a juventude negra e as mulheres”, explica a antropóloga, que há 12 anos milita na política de drogas e afirma que este é o evento com maior mobilização social que já participou. “A ideia é que a gente consiga também dialogar com a maior quantidade de quadros políticos possíveis, da esquerda, para conseguir apoio e transformar o documento em projeto de lei.” 

Malheiros defende ainda uma reflexão sobre o contexto político atual do Brasil e sua relação com a causa antiproibicionista. “Estamos vendo o ministro do Desenvolvimento Agrário e Social, Osmar Terra, falar contra os usuários, dizer que só continuam a usar por falta de repressão. Toda a linha que esse governo interino está seguindo é pelo aumento da repressão, que recai na vida da população que já é vitimizada.” 

 

Feministas antiproibicionistas

A relação do gênero com a guerra às drogas é um dos temas que será fortemente discutido durante o ENCAA. Além de ser problematizado em um dos grupos de trabalho, o tema ganhará atenção especial em uma plenária no sábado, quando será oficializada a criação de uma Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas. 

“A rede é tanto para dar visibilidade ao fato de que as mulheres existem e protagonizam o movimento antiproibicionista quanto ao fato de que são usuárias. E se reconhecer como usuárias para nós tem um peso importante diante do modelo de santidade, ingenuidade e pureza no qual geralmente colocam o sexo feminino”, explica uma das organizadoras do encontro e membro do Coletivo Antiproibicionista de Pernambuco, Ingrid Farias. “É para potencializar e articular essas mulheres, que estão em todo o Brasil e muitas vezes se sentem fragilizadas”, diz, usando o exemplo da adolescente que sofreu um estupro por mais de 30 homens no Rio de Janeiro, crime que “foi relacionado ao fato dela ter usado drogas”, segundo a ativista. “Tem uma discussão bem forte que valida boa parte das violências sexuais quando ela é contra uma usuária de droga. Precisamos entrar nesse debate”, reflete Thati Nicacio. 

“Vamos tocar na questão das mães cultivadoras, a importância da maconha medicinal, também sobre as mães periféricas, que sofrem com seus filhos que são vítimas da guerra às drogas, as mulheres usuárias de crack e também produzir uma narrativa feminista, entender a especificidade dessa mulher e das mulheres encarceradas”, explana  Luana Malheiros. “A gente sabe que boa parte das detentas estão ali porque continuaram o tráfico dos seus companheiros ou porque tiveram que entrar pelo dinheiro, por não ter família, algumas são mães solteiras”, completa Thati Nicacio. 

O grupo de trabalho 'Antiproibicionismo e Feminismo, quais os caminhos para reforma da política de drogas que leve em conta o gênero?', será conduzido pela professora de Direito da UFRJ, Luciana Boiteux, a mestra em Filosofia, e ativista feminista da Marcha RJ, Constança Baharona e Lucia Setokas do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC).


Marcha da Maconha do Recife 2016
No domingo, último dia do ENCAA, acontece a edição 2016 da Marcha da Maconha do Recife, que este ano será unificada, em função da presença de ativistas e coletivos de outros estados. O evento, marcado para 16h20, se concentrará na Praça do Derby, na área central do Recife. O percurso ainda não foi divulgado. 



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