Carnaval 2016 Feminismo se veste de brilho para Momo mas não se despe da atitude política Mulheres levam bandeira feminista às ruas do Recife e Olinda com humor, atrevimento e disposição para criticar o machismo que as atormenta o ano inteiro

Publicado em: 04/02/2016 11:14 Atualizado em: 04/02/2016 13:09

Mais do que uma fantasia, a Vaca Profana da produtora Dandara Pagu vai puxar o bloco que questiona a hipersexualização do corpo da mulher e desfila na segunda, às 11h, com saída do Varadouro. Foto: Beto Figueroa/ Cortesia
Mais do que uma fantasia, a Vaca Profana da produtora Dandara Pagu vai puxar o bloco que questiona a hipersexualização do corpo da mulher e desfila na segunda, às 11h, com saída do Varadouro. Foto: Beto Figueroa/ Cortesia

A roupa estampada, uma máscara e seios à mostra. Foi quando se vestiu de Vaca Profana – numa referência à música interpretada por Gal Costa – no carnaval do ano passado, que a produtora Dandara Pagu, 27, entendeu que, mais do que uma fantasia, a personagem era atitude política. “Mulher, negra, nordestina e da favela”, como ela se identifica, viu na performance a chance de aproveitar os dias da festa para falar do que realmente importa o ano inteiro: machismo e resistência. Em 2016, a Vaca Profana virou bloco e integra um movimento crescente de mulheres que pintam de brilho a bandeira feminista e desfilam suas provocações na festa que se propõe a ser a mais democrática do mundo.

A reflexão sobre liberdade e hipersexualização do corpo da mulher foi o ponto de partida para a produtora Pagu, incomodada com o desfile de corpos masculinos sem roupas - livres dos padrões que costumam sufocar mulheres - e o espanto opressor diante dos seios femininos despidos:  “A questão não é só o peito, mas o privar da liberdade do corpo feminino, que ao mesmo tempo é usado para vender coisas. Por que eu não posso determinar o que fazer com meu corpo?”, questiona.

Durante a definição das diretrizes do bloco – que desfila ao lado de outros dois, compostos basicamente por homens – veio à tona uma questão legal: mulheres não podem andar sem blusa nas ruas. Pagu pensou em convidar as amigas para mostrarem os seios durante o desfile, mas foi alertada sobre o fato de ser atentado ao pudor e da possibilidade de ser responsabilizada judicialmente por isso. “Votar, estudar, ter um salário, era tudo vetado e mesmo assim estamos aqui, votando, trabalhando e sendo autônomas. Isso porque uma mulher quis questionar essa regra e eu acredito que um dia vamos ser livres e tirar a blusa no calor sem sermos importunadas”, defende.

A grande concentração de gente (dos mais diferentes tipos) e a permissividade que o carnaval sugere foram decisivos para que não só a Vaca Profana mas outros grupos fossem encorajados a botar o bloco na rua. Para Pagu, é o momento de reivindicar direitos comumente negados. “Eu vou usar isso ao meu favor para continuar reclamando e reivindicando direitos que são meus, apesar de estarem sendo sempre roubados”, avisa.

Fadas passam longe do imaginário sexista

O Grêmio Anárquico Feminazi Essa Fada, por sua vez, nasceu com disposição de chamar atenção para a naturalização do comportamento sexual da mulher, não só no carnaval mas durante todo o ano. O nome da agremiação, que este ano realiza seu segundo desfile, faz alusão à figura doce e meiga que habita o imaginário sexista e que cobra das mulheres um padrão de atitude delicado, cordial e muitas vezes subserviente.


Fundadoras do Essa Fada defendem o direito da mulher à liberdade sexual e à segurança física e emocional. O desfile também acontece na segunda, às 10, a partir da Rua da Boa Hora , Olinda. Foto: Fernando Azevedo/ Cortesia
Fundadoras do Essa Fada defendem o direito da mulher à liberdade sexual e à segurança física e emocional. O desfile também acontece na segunda, às 10, a partir da Rua da Boa Hora , Olinda. Foto: Fernando Azevedo/ Cortesia

O trocadinho “essa fada, és safada”, segundo uma das fundadoras do bloco, Geisa Agrício, é uma defesa do direito da mulher à liberdade sexual e à segurança física e emocional, mais vulnerável numa festa como o carnaval, quando o comportamento machista gera ainda mais excessos. “Essa fada pode ser e fazer o que bem quiser. Assim como a definição da Marcha das Vadias exalta como a sociedade deprecia a vida sexual ativa feminina, nós defendemos a liberdade”, declara.

Para ela, que acredita na cultura como agregador, o carnaval também é um momento de debate político, que se coloca a serviço de pautas sociais e instrumentaliza a ebulição social. “Quer melhor ingrediente para revolução do que isso? A paixão?”. Agrício defende que que a cultura tem cunho político e social e que a espontaneidade do carnaval ajuda a perpetuar estas questões. “É um apelo anárquico a bandeiras sérias. Assim surgiram manifestações e agremiações de cunho questionador, como já foram as troças Eu Acho é Pouco, Siri na Lata, Nós Sofre mas nós Goza. O humor e a festa estão a serviço das pautas sociais”, afirma.

 

Para não perder a piada
Na última campanha presidencial, em 2014, o então candidato Aécio Neves (PSDB) foi criticado pelo seu comportamento diante de duas candidatas mulheres: a presidente eleita, Dilma Rousseff (PT) e Luciana Genro (PSOL). Com dedo em riste, o senador de Minas Gerais chegou a chamar Luciana Genro de “leviana”, o que caiu como uma provocação para o bloco Levianas, que em 2016 realiza seu segundo desfile.

“Resolvemos fazer uma apropriação linguística (assim como o movimento que deu origem a marcha das vadias fez), e nos afirmamos sim, como mulheres que ousam e que se colocam diante do mundo, sem que isso seja algo que nos desvalorize”, explica uma das idealizadoras do bloco, Marília Pinheiro.

Ela lembra que, assim como na campanha presidencial, as mulheres são comumente desvalorizadas e taxadas como loucas na sociedade. E é isso que instiga o bloco. “Somos levianas, seremos sempre, se quisermos, pois somos donas de nossas histórias. E assim faremos durante o carnaval”, avisa Pinheiro.
 

Carnaval é ato político
A diversidade sexual e o cumprimento da Lei Municipal 16.780 – que proíbe discriminação por orientação sexual – dão o tom do desfile do bloco do Instituto Papai e do Núcleo de Pesquisas em Gênero e Masculinidades (Gema) da UFPE. A agremiação, que existe desde 1999, escolhe a cada ano o tema que será tratado durante o carnaval e depois da paternidade e da violência contra a mulher, é a diversidade sexual que coloca a questão de gênero em pauta em 2016.


O bloco do Instituto papai e do Gema, da UFPE, vai colocar as questões de gênero na pauta do carnaval. Foto: Reprodução
O bloco do Instituto papai e do Gema, da UFPE, vai colocar as questões de gênero na pauta do carnaval. Foto: Reprodução
“O carnaval é político, tem vários momentos, fantasias, adereços que são politizados, mas entrosados com a leveza da festa”, explica o coordenador do projeto de diversidade sexual do Instituto Papai, Thiago Rocha, que faz uma comparação com a própria parada do orgulho gay, também organizada pela instituição. “Dizem que a parada virou um carnaval e nosso argumento é exatamente esse: o carnaval é um momento político. Conseguimos chamar a atenção de várias pessoas e levar um recado”, explica.

Para a coordenadora do Instituto Papai, Mariana Azevedo, é um momento de problematizar relações que acontecem ali mesmo, durante a festa. “O carnaval, apesar de ser esse espaço tido como democrático, é um espaço de reprodução de muito machismo, muita violência e da desigualdade de gênero de maneira geral, a discriminação, a homofobia. A violência está acontecendo todo o tempo, apesar da folia”, complementa.

Durante o desfile do bloco, materiais educativos, em formato de leque e de cartão de crédito, serão distribuídos conscientizando a população sobre a Lei do Amor Livre e sensibilizando sobre o tema
Bloco Político Nem Com Uma Flor

Homenagens e conscientização
No seu 15° desfile, o Bloco Político Nem Com Uma Flor homenageia a escritora Clarice Lispector e a carnavalesca Alzira Dantas, presidente da Troça Carnavalesca Abanadores do Arruda. O maracatu Baque Mulher, a Orquestra 100% Mulher e o grupo Conxitas animam o cortejo do bloco, que busca conscientizar os filiões sobre o fim da violência contra a mulher.

O maracatu Baque Mulher, a Orquestra 100% Mulher e o grupo Conxitas animam o cortejo do Bloco nem com uma Flor, que este ano homenageia a escritora Clarice Lispector e a carnavalesca Alzira Dantas. Foto: Andrea Rego Barros/ PCR/ Divulgação
O maracatu Baque Mulher, a Orquestra 100% Mulher e o grupo Conxitas animam o cortejo do Bloco nem com uma Flor, que este ano homenageia a escritora Clarice Lispector e a carnavalesca Alzira Dantas. Foto: Andrea Rego Barros/ PCR/ Divulgação

Tem Bloco carnavalesco feminista Bovoá com Elas
O bloco carnavalesco femininsta Bovoá com Elas se identifica como uma “homenagem-gréia” a escritora e filósofa francesa ícone do feminismo, Simone de Beauvoir.
Serviço
Bloco carnavalesco feminista
Amor Livre
Quinta-feira (4), 16h
Rua da Moeda, Bairro do Recife
Bloco carnavalesco feminista
Bovoá com Elas
Quinta-feira (4), 16h
Rua da Moeda, Bairro do Recife
Bloco Político
Nem Com Uma Flor
Quinta-feira (4), 14h (concentração); 17h (saída)
Praça do Arsenal, Bairro do Recife
LevianasSábado (6), 12h
Rua da Bertioga, na concentração do Bloco Sobrecú%u200B
Grêmio Anárquico Feminazi
Essa Fada
Segunda-feira (8), 10h
Rua da Boa Hora, Olinda
Floco Feminino Anarquista
Vaca Profana
Segunda-feira (8), 11h (concentração);12h30 (saída)
Av. Doutor Joaquim Nabuco, Varadouro, Olinda



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