Justiça Vítimas de assalto a ônibus têm direito a indenização das empresas? Assegurado pelo Código de Defesa do Consumidor, o direito a segurança é previsto pela lei, mas empresas alegam não ter essa responsabilidade

Por: Adaíra Sene

Publicado em: 29/01/2016 12:35 Atualizado em: 29/01/2016 16:05

Muitos passageiros deixam de procurar a Justiça por conta da burocracia, principalmente quando consideram que a perda foi pequena. Foto: Juliana Leitão/DP
Muita gente não presta nem queixa porque levaram algo de baixo valor ou por falta de paciência
Muitos passageiros deixam de procurar a Justiça por conta da burocracia, principalmente quando consideram que a perda foi pequena. Foto: Juliana Leitão/DP Muita gente não presta nem queixa porque levaram algo de baixo valor ou por falta de paciência


Quando o assunto é mobilidade, andar de ônibus na Região Metropolitana do Recife concentra a maior parte das críticas apontadas pela população. Além do alto preço, das frotas sucateadas e insuficientes, as empresas ainda são denunciadas por não garantirem a integridade dos passageiros. Ao buscar amparo legal, no artigo I do Código de Defesa do Consumidor, encontramos como direito básico a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produto e serviços. No artigo X, a lei evidencia que também é direito a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral. Mas quando a realidade contradiz a legislação, o que o cidadão deve fazer?


Segundo o Grande Recife Consórcio de Transportes, somente entre janeiro e novembro de 2015, 770 ônibus foram assaltados na Região Metropolitana. Das 394 linhas em circulação, 237 foram alvos de investidas criminosas. Se compararmos com o mesmo período do ano anterior, 2014, quando foram registrados 466 casos, percebemos um crescimento de 57% no índice. Os principais alvos, ainda de acordo com o Consórcio, são as linhas que cortam a BR-101: 206 Barro/Prazeres, 216 TI Barro/TI Cajueiro Seco, 185 TI Cabo, 60 TI Tancredo Neves/TI Macaxeira e 914 PE 15/Afogados.

A busca por Justiça é o sentimento que atravessa qualquer cidadão que tenha seus direitos violados, principalmente durante um contrato de prestação de serviço. O direito a indenização em casos de assalto a ônibus, no entanto, ainda causa embate entre os especialistas. Para o Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros no Estado de Pernambuco (Urbana-PE), não há razão para indenização pois assaltos a ônibus constituem causa excludente de responsabilidade da empresa - considerando que o fato é estranho ao transporte em si.
 
O argumento também é usado pelo gerente jurídico do Procon Pernambuco, Roberto Campos. "Não existe nenhuma responsabilidade da empresa em decorrência dos assaltos. É o que chamamos de excludente de responsabilidade por caso fortuito, alheio da vontade da parte. A empresa não tem interesse algum que aconteça, mas não tem como evitar", esclarece o especialista. O órgão não registrou nenhuma queixa sobre assaltos a ônibus nos primeiros dias de 2016 e nenhuma durante todo o ano passado.

A questão, no entanto, não é tão simples quanto parece. Para o advogado consultor em assuntos de defesa do consumidor, José Rangel, que foi presidente do Procon por oito anos, existe sim a obrigação da empresa em garantir a segurança. "No momento em que a empresa se prontifica a ter uma relação de consumo, ela tem que oferecer segurança. Mesmo que o crime não tenha sido provocado por ela, a empresa poderia ter garantido que isso não acontecesse", explica. "As empresas oferecem o serviço de transporte. No transporte, está implícito que deve haver segurança. Se isso não for cumprido, a empresa pode e deve ser responsabilizada", garante.
 
 

E o consultor jurídico aponta o melhor caminho. "No Procon, não acredito que haja acordo porque abre um precedente muito grande. O único meio é através do Juizado de Pequenas Causas. Procurar um advogado e correr atrás de seus direitos. A empresa vai dizer que não tem culpa e ainda se colocar na posição de vítima, pois normalmente o dinheiro dos cobradores também é levado, mas nada disso exclui a responsabilidade". Para recorrer, é preciso que alguns critérios sejam cumpridos. "Muita gente não presta nem queixa porque levaram algo de baixo valor ou por falta de paciência com os trâmites. A burocracia realmente existe, mas é preciso reunir o maior número de provas possível para que tenha o valor ressarcido", continua Rangel.

Questionada sobre as atividades realizadas para reforçar a segurança nos ônibus, a Urbana-PE informou, através de nota, que as imagens das câmeras de segurança são repassadas à Secretaria de Defesa Social conforme acordo assinado. Desde 2007, as empresas têm investidos em equipamentos de segurança nos veículos. Todos os ônibus em circulação têm câmeras de monitoramento e, recentemente, algumas delas aumentaram o número para até quatro por ônibus. "A Urbana-PE ressalta que as empresas operadoras, assim como os usuários, são vítimas dessas ocorrências e tem solicitado às autoridades ações para solucionar a questão e se colocado à disposição para contribuir. A Urbana-PE tem estimulado ainda a utilização de cartões eletrônicos para pagamento das passagens, de maneira a reduzir o montante de dinheiro a bordo e tornar as abordagens menos atrativas".

Sobre as provas
Para reforçar a defesa dos interesses do consumidor, ainda há a inversão do ônus da prova. "Pela lei, se presume a hipossuficiência na relação de consumo, a desvantagem é sempre do consumidor, considerando que a empresa fornece serviço ou produto para milhares de pessoas e tem toda uma estrutura para isso. O código de defesa do consumidor veio para equilibrar a relação. Com a inversão do ônus, o cliente não vai ter que provar o que perdeu. Ele vai juntar o maior número de provas que possui, mas a empresa é que terá que provar se ele não estiver falando a verdade", complementou.

Procure seus direitos:

- Registre um boletim de ocorrência na delegacia mais próxima ou pela internet
- Reúna o máximo de provas possível sobre o assalto, incluindo depoimento de testemunhas
- Reúna o máximo de comprovante dos bens que foram levados, como notas fiscais
- Procure o Juizado Especial de Pequenas Causas

ENQUANTO ISSO NAS RUAS...

Jônatas Costa. Foto: Facebook/Reprodução
Jônatas Costa. Foto: Facebook/Reprodução
 
Fui assaltado quando voltava da universidade para casa. Estava em um Barro/Prazeres (BR-101). Por volta das 18h30, estava quase no destino, mas quando o ônibus passou pela Avenida Barreto de Menezes, em Prazeres, o assaltante, que estava no banco de trás, puxou a camisa e mostrou um facão. Ele pediu os celulares e não gostou do meu porque era bem simples. Fez um movimento como se fosse me esfaquear, coloquei até a bolsa na frente do meu corpo na tentativa desesperada de me proteger. Disseram que ele também estava armado, mas eu não vi. Eu sabia que podia ser indenizado, mas meu celular não valia muito e para isso eu teria que enfrentar a demorada justiça brasileira. Achei que não valia passar por mais esse transtorno e confesso que acabei nem cogitando abrir um processo.

Jônatas Costa, 25 - pesquisador



Guilherme Mangueira. Foto: Facebook/Reprodução
Guilherme Mangueira. Foto: Facebook/Reprodução
 
Eu pegava todos os dias o CDU/Caxangá/Boa Viagem. Quando eu subi na Avenida Antônio de Góes, percebi dois caras estranhos nas últimas cadeiras. Eu fui me sentar nas cadeiras altas, mas quando o ônibus chegou no Viaduto Capitão Temudo, em Joana Bezerra, eles puxaram facões e anunciaram o assalto. Eu fui o primeiro a ser assaltado. Eles ainda fizeram o motorista descer na alça de acesso ao Coque e ficamos perdidos e desesperados pelas ruas de lá. Foi horrível. Ao sair, ainda disseram que não eram bandidos e nem tinham a intenção de machucar ninguém. "Deus proteja vocês", disseram. Fiquei com tanta raiva que nem registrei a ocorrência, mas eu estive em Aracaju pouco tempo depos e vi que nos ônibus de lá existem panfletos colados explicando sobre os direitos do consumidor.

Guilherme Mangueira, 20 - estudante



Pedagoga Cintia Marques. Foto: Facebook/Reprodução
Pedagoga Cintia Marques. Foto: Facebook/Reprodução
 
O transporte público aqui é extremamente deficitário. Eu já vi sandálias sendo perdidas no meio da agonia pra subir no BR-101, o horário dos ônibus não é respeitado na integração, eles ficam tão superlotados nos horários de pico que as portas nem fecham. O montante  que é pago pela pela população não corresponde a qualidade do serviço oferecido. Eu já fui assaltada. Estava indo trabalhar, quase 13h, estava num Avenida Norte/Macaxeira. O ônibus estava relativamente vazio, mas três homens subiram. O primeiro pagou a passagem naturalmente e assim que rodou a catraca já anunciou o assalto. Eles estavam armados. Foi muito rápido, ninguém reagiu e, por sorte, ninguém ficou ferido. Levaram meu celular e R$ 50. Registrei um boletim de ocorrência, mas nao tive retorno de nada. 

Cintia Marques, 25 - pedagoga



David Santos. Foto: Faebook/Reprodução
David Santos. Foto: Faebook/Reprodução
 
Fui assaltado dentro de um CDU/Caxangá/Boa Viagem. Quando estava perto do Parque de Exposições do Cordeiro, subiram dois indivíduos. Eles pagaram a passagem e sentaram em cadeiras separadas mantendo conversa entre si. Duas paradas depois, puxaram duas facas grandes e começaram a abordar os passageiros. Queriam celulares, relógios, carteiras. Uma vítima ainda chegou a ser esfaqueada no rosto por ter resistido. Eu já cheguei a pesquisar sobre indenização, mas não encontrei jurisprudência, casos em que a vítima ganha. O juiz costuma dizer que o papel da segurança é do Estado e a empresa não tem como arcar com todo o prejuízo. Ainda cheguei a procurar o Procon depois do assalto, mas eles não se mostraram solícitos. Apenas disseram que aqui não se fazia esse tipo de auxílio e que outros estados eram mais atuantes.

David Santos, 29 - funcionário público


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