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Feira das Graças comemora 18 anos; alimentos orgânicos podem ser boa alternativa

Quem comercializa na feira tem garantido, ao menos, uma noite a menos de sono toda semana. Coordenador do local garante que preços mais caros que em mercados são "mito"

Publicado: 14/10/2015 às 18:34

Adeildo Barbosa, 38, participa da feira há 11 anos e mudou seu modo de cultivo com intercâmbios e reuniões sobre agroecologia. Foto: Eduardo Amorim/Centro Sabiá/

Adeildo Barbosa, 38, participa da feira há 11 anos e mudou seu modo de cultivo com intercâmbios e reuniões sobre agroecologia. Foto: Eduardo Amorim/Centro Sabiá/

Foto de acervo mostra os primeiros anos da feira, que funciona no Recife desde 1997. Foto: Acervo do Centro Sabiá
Ainda é madrugada quando os agricultores terminam de organizar suas barracas na Rua Souza de Andrade, no bairro das Graças, Zona Norte do Recife. Todo sábado, desde outubro de 1997, variados produtos orgânicos são vendidos nas proximidades do Colégio São Luiz. Esta, a primeira feira do ramo agroecológico na cidade, celebra neste sábado a sua maioridade, com banda de chorinho e programação especial. Para esta comemoração e todas as outras madrugadas começarem por ali, porém, existe um longo dia de trabalho para cada um dos agricultores.

“A gente começa na sexta-feira logo de manhã”, conta o agricultor Adeildo Barbosa, que também é coordenador do Espaço Agroecológico das Graças e desde a infância participa de vendas em feiras de rua. “Nós separamos os produtos e organizamos a viagem para Recife. No meu caso, que saio de Bom Jardim, são 3h da Zona Rural para a cidade. Então a gente parte às 11 da noite da sexta, e só começamos a nos organizar para voltar pra casa às 10 da manhã do outro dia.” Com a rapidez de quem já havia contabilizado o dado anteriormente, o coordenador conta que são 52 sextas-feiras por ano em que os agricultores da feira não podem dormir. “Mas é muito recompensador. A gente sente falta quando não vai.”

Adeildo Barbosa, 38, participa da feira há 11 anos e mudou seu modo de cultivo com intercâmbios e reuniões sobre agroecologia. Foto: Eduardo Amorim/Centro Sabiá Antes de fixar residência no endereço atual, o Espaço Agroecológico das Graças tentou se estabelecer no Parque da Jaqueira e na Praça Padre Marcelino Champagnat, na Rua Alberto Paiva. Por demandas da gestão da época ou empecilhos legislativos, a Rua Souza de Andrade foi o melhor local para abrigar o comércio. Atualmente, existem 19 barracas em funcionamento, cada uma delas destinada a agricultores associados a grupos, que devem acompanhar e assessorar o plantio e venda. “Uma companheira de Gravatá está se organizando para começar em breve, então seremos 20. Temos um espaço limitado, então, para ter uma barraca na feira é preciso que um dos agricultores desista do seu espaço.”

Essa organização reverbera em valores consistentes: existe uma tabela de preços que determina o mínimo e o máximo a ser cobrado no Espaço Agroecológico. Para que seja alterado, por razões como aumento no custo do deslocamento, é necessária a realização de uma assembleia - e poucas são realizadas por ano. Quando questionado sobre a ideia de que produtos orgânicos vendidos nas feiras de rua podem ser mais caros - apesar das vantagens em apoiar agricultores diretamente e confiar na procedência dos alimentos -, Adeildo comenta que o assunto é mistificado.

“Em supermercados há vários produtos com o preço maior que o nosso. Por exemplo: o tomate cereja na nossa feira fica em torno de cinco reais por quilo. Conferimos que em supermercados o preço chega a 18 reais. Então acredito que as pessoas se confundem muito com este assunto.” É possível encontrar verduras, frutas, licores e lanches por preços competitivos. No total, são 243 alimentos e especiarias cadastradas na lista de preços do grupo. "A quantidade pode variar porque parte deles é produto de safra, então há períodos que tem e outros que não tem. Na entressafra, que geralmente acontece entre abril e agosto, há uma estiagem prolongada, e aí a demanda aumenta e a produção cai."

 Foto: Eduardo Amorim/Centro Sabiá
As razões para quem frequenta

Victoria Ayres, universitária, frequenta a feira desde 2010. Começou a se interessar pelo cultivo orgânico e agroecológico através de um trabalho escolar, quando professores de geografia e história do ensino médico levaram sua turma para uma visita de campo no Sítio São João, de Seu Jones e Dona Lendir, agricultores que comercializam na Feirinha das Graças. “A partir daí comecei a entender como a agroecologia é positiva para o meio ambiente e para a micropolítica local. Acredito na importância de incentivar o consumo através do pequeno produtor, incentivando uma economia solidária e sem atravessadores. E também por uma questão de saúde.”

Ela diz que existe uma diferença “gritante” entre os produtos comercializados em feiras como esta e em supermercados. “Não gosto de comprar verduras em mercados. Às vezes o preço é parecido, mas a qualidade e quantidade são melhores quando comprados na feira. O ramo de couve que costumo comprar, por exemplo, é alguns centavos mais baratos no mercado, porém muito menor e com uma aparência ruim. Vale mais na feira.” A estudante costuma comprar cenoura, alface, macaxeira e inhame no local, além de bolos e outros quitutes.  “E sempre tomo café da manhã na barraca de Jones, que vende pastéis.”

Segundo a legislação brasileira, deve existir um selo em todo produto orgânico comercializado em lojas e mercados para garantir a sua procedência. Já o agricultor familiar, como aqueles que comercializam nas feiras de rua, deve vender seu produto sem intermédio, para estabelecer uma relação direta de confiança com o consumidor, que atesta a qualidade de seus produtos.

Sobre o que mudou com a agroecologia
Agricultores passam por cursos de culinária nas associações, e aprimoram seus métodos de cultivo e venda.Foto: Acervo do Centro Sabiá"Entre as melhorias que chegaram com agroecologia está a questão da nossa qualidade de vida. Junto a isso, o agricultor tem uma relação diferente com os clientes, de amizade e confiança, que vai muito além da venda", conta Adeildo. "Hoje, eu também sei que aquilo que a terra serve para a gente também pode ser alimento pra ela. Então, por exemplo, antes eu não tinha o conhecimento do que acontecia quando se cultivava com fogo, então nós fazíamos isso”, o coordenador diz, se referindo aos danos à fertilidade da terra causados pela queimada. “A gente sabe agora que podemos fazer uma poda e deixar o que cortamos em cima da terra, porque vai virar adubo, além de propiciar mais sombra e temperaturas menos quentes para a gente.”

Agrotóxicos

Agrotóxicos são agentes químicos que têm sido utilizados em diferentes momentos da produção de alimentos, em diversas partes do mundo. No Brasil, de acordo com Anvisa, ao menos 64% da alimentação está contaminada por agrotóxicos. Isso é determinante para que, num período de sete anos (2007-2014) mais de 34 mil notificações de intoxicações por agrotóxico tenham sido reportadas pelo DataSUS, além dos 12 bilhões faturados por esta indústria somente no ano passado. Apesar disso, Câmara dos Deputados aprovou em abril o PL 4148/08 que termina a exigência do símbolo de transgenia – o triângulo amarelo com a letra T - nos produtos com organismos geneticamente modificados. O texto, agora, tramita no Senado.

Serviço
Espaço Agroecológico das Graças

Rua Souza Andrade, atrás do Colégio São Luiz, bairro das Graças
Todos os sábados, das 3h às 10h

Evento de aniversário
Sábado, 17, a partir das 6h
Com Varal da Agroecologia – exposição de fotos dos 18 anos da Rede Espaço Agroecológico; ficina de Alimentação Saudável com Albanita Almeida, do Restaurante Céu e Terra; e tração Musical: Chorinho com Dau Barros e Paulo Guimarães

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