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Privatização Ruas sem saída são fechadas pelos moradores Vias públicas sem saída são fechadas e impedem a passagem de veículos e pedestres sem autorização, alegando problemas de estacionamento irregular. Medida é proibida pela legislação do Recife

Por: Anamaria Nascimento

Publicado em: 24/08/2015 07:01 Atualizado em:

Rua Brasilândia, no bairro do Cordeiro, tem um portão amarelo com os dizeres "proibido entrada de pessoas estranhas". Foto: Ana Maria Nascimento/DP/D.A Press
Rua Brasilândia, no bairro do Cordeiro, tem um portão amarelo com os dizeres "proibido entrada de pessoas estranhas". Foto: Ana Maria Nascimento/DP/D.A Press

O espaço público deve ter uso público. Mas essa garantia constitucional é ignorada em alguns endereços do Recife. Fechadas por correntes, cancelas ou portões, ruas da capital pernambucana impedem a passagem de veículos e pedestres sem autorização dos moradores. Na Rua Doutor Arnaldo Dornelas Câmara, em Apipucos, a privatização de uma área pública é ainda mais visível. A via conta com uma guarita e é vigiada dia e noite por seguranças particulares.

As ruas Dona Rosa da Fonseca, em Casa Amarela, e Brasilândia, no Cordeiro, são outros exemplos de vias sem saída que foram fechadas sem a autorização do poder público. A primeira está parcialmente bloqueada por uma corda. A segunda tem um portão amarelo com os dizeres “proibido entrada de pessoas estranhas”.

Em comum, as três desvirtuam o sentido de via pública, de acordo com o professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Geraldo Marinho. “Muitos moradores usam o argumento de falta de segurança para isolarem as ruas, usando guaritas, correntes e portões. Isso tira o direito constitucional de ir e vir e é agressivo”, pontuou. 

A Secretaria de Mobilidade e Controle Urbano do Recife respondeu que tem trabalhado em ações de controle urbano na cidade e, em relação às ruas públicas privatizadas, se esforça para liberar a passagem. A lei municipal 16.053, de 1995, proíbe a obstrução dos espaços públicos. A pena é de remoção do bem e pagamento de multa.

“Tornar privada uma área pública fere o direito constitucional de ir e vir do cidadão e, por esse motivo, a prática é combatida pela pasta. Em relação às três vias informadas pela equipe de reportagem, a secretarua informa que fiscais vão verificar a irregularidade. Se confirmadas, medidas cabíveis serão tomadas”, ressaltou por nota.

A cidade de São Paulo promove, desde abril, um debate sobre a questão das ruas fechadas. A prefeitura da capital paulista cogita a hipótese de privatizar as ruas sem saída. Os moradores teriam que comprar a área à gestão municipal. A iniciativa daria fim ao impasse relacionado às vilas fechadas com cancelas ou portões.

Taxa mensal e reuniões no Cordeiro

Portão amarelo isola a via dos arredores. Foto: Ana Maria Nascimento/DP/D.A Press
Portão amarelo isola a via dos arredores. Foto: Ana Maria Nascimento/DP/D.A Press

Poucos pedestres que passam em frente à Rua Brasilândia, no Cordeiro, Zona Oeste do Recife, reconhecem a via como área pública. “É um condomínio”, respondeu a vendedora Ana Paula Silva, 30, quando caminhava nos arredores da rua. A confusão foi causada pelo letreiro com as palavras Residencial Brasilândia instalado na esquina da via. O portão amarelo, que isola a via dos arredores, também leva a esse equívoco.

Moradora da rua, a aposentada Lindalva Barbosa, 64 anos, explicou que a via foi fechada há 10 anos por causa dos constantes casos de estacionamento irregular. “Tem uma casa de show aqui perto e os motorista sempre deixavam os carros em frente aos portões, impedindo nossa passagem. Fechar foi a solução que encontramos”, afirma. 

Uma comissão de moradores foi criada para representar as 40 famílias do local e administrar os gastos com a limpeza e manutenção da rua. “Pagamos uma taxa, como num condomínio, para as despesas. O portão nos dá sensação de segurança”, contou a aposentada Maria Conceição Bonfim, 60 anos.

Guarita e cavaletes em Apipucos

Rua é fechada por cavaletes e cones. Foto: Ana Maria Nascimento/DP/D.A Press
Rua é fechada por cavaletes e cones. Foto: Ana Maria Nascimento/DP/D.A Press

A guarita instalada na entrada da Rua Doutor Arnaldo Dornelas Câmara, em Apipucos, Zona Norte do Recife, intimida quem tenta acessar a via. “Trabalho numa das casas e entro porque sei que é uma rua, mas não entraria se não fosse isso. A sensação é de que pertence a alguém”, desabafou uma empregada doméstica de uma das casas às margens do Açude de Apipucos.

A rua localizada no quinto bairro mais caro para se comprar imovél no Recife não tem saída e é fechada por cavaletes e cones. Seguranças fazem rondas diurnas e noturnas na via. “Mesmo que não haja um impedimento real para os pedestres entrarem, esse tipo de bloqueio cria constrangimento”, enfatizou o professor de arquitetura da UFPE, Geraldo Marinho.

O Diario esteve na rua com casas e procurou moradores para falarem o isolamento da via. Ninguém quis comentar o assunto. “Não vejo nada demais em fechar a rua. Ela é sem saída. Como os veículos não podem passar, pra que deixar aberto?”, opinou o borracheiro Marcílio Dias, 30, que trabalha perto do local.

Circuito fechado em Casa Amarela

Circuito interno de câmeras foi instalado em um trecho da via. Foto: Ana Maria Nascimento/DP/D.A Press.
Circuito interno de câmeras foi instalado em um trecho da via. Foto: Ana Maria Nascimento/DP/D.A Press.

Um trecho de aproximadamente 100 metros da Rua Dona Rosa da Fonseca, em Casa Amarela, Zona Norte do Recife, foi bloqueado com uma corda desde o dia 2. A medida foi tomada pelos moradores de seis imóveis cansados de ter que pedir para frequentadores da rua pararem de estacionar em frente às garagens. A rua tem corrente e circuito fechado de câmeras. 

O universitário Samuel Ramos, 28 anos, foi o responsável pela instalação do bloqueio. “Foram dois anos de luta. Os frequentadores da escolinha de natação (localizada na rua) sempre estacionam em frente às nossas garagens. Certa vez, meu filho, que é alérgico, passou mal e eu não consegui sair para socorrê-lo porque meu portão estava trancado por um carro”, contou.

Os moradores conversaram com o proprietário da escola de natação e pediram que um estacionamento fosse construído ou um manobrista contratado, mas não tiveram sucesso. 
“O desgaste foi muito grande. Depois que colocamos a corda, um motorista tentou cortá-la. Compramos uma corrente”, disse Samuel.


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