Entrevista Coordenador da ONG Novo Jeito mostra porque Recife é referência em voluntariado

Por: Ana Paula Neiva - Diário de Pernambuco

Publicado em: 31/08/2015 07:13 Atualizado em: 31/08/2015 10:07

Foto: Divulgação
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O Recife tem se tornado referência em todo o Brasil quando o assunto é voluntariado. A exemplo do que acontece em alguns países desenvolvidos, como Estados Unidos, Holanda e Inglaterra, a capital pernambucana é pioneira na implantação de políticas públicas de incentivo à solidariedade. Iniciativa que encontrou na população espaço para se desenvolver. É como se os cidadãos recifenses não se conformassem apenas em esperar que o poder público faça o que a população precisa, e decidissem agir. Há cinco anos, o empresário Fábio Silva percebeu nesse contexto uma forma de mobilizar organizações, voluntários e empresas e criou a ONG Novo Jeito, responsável por inúmeras mobilizações sociais em todo o país. A experiência inspirou a criação da plataforma Transforma Recife, que cruza dados de ONGs que precisam de mão de obra voluntária com pessoas que querem fazer trabalhos sociais. Já são 25 mil pessoas cadastradas e 326 ONGs.

O senhor esteve recententemente em Brasília reunido com prefeitos de outras cidades brasileiras. Como vem sendo realizado o voluntariado em outros locais?

Ainda não existem cidades no Brasil com o apoio que a gestão municipal do Recife vem dando para o tema. A sensibilidade diante desse assunto é diferenciada. Fui a Brasília contar o “case” Recife para cinquenta prefeitos de grandes cidades. Todos se encantaram e já estamos recebendo diariamente a visita de gestores públicos querendo conhecer o Transforma Recife e levar para as suas cidades. Algo que parece tão simples que é ligar quem quer ajudar com quem precisa de ajuda se tornou algo revolucionário. Por isso, Recife não tem como inspiração uma outra cidade brasileira, mas sim, a cultura do povo norte-americano. Nos Estados Unidos, oito em cada dez pessoas têm algum tipo de engajamento social. No Brasil os números são muito baixos. No Recife, através do Transforma Recife, a cada 10 vagas disponíveis na plataforma duas são logo ocupadas. Estamos nos tornando a capital da solidariedade e com isso pretendemos inspirar o Brasil.

E no Recife, como estão os trabalhos de voluntariado?
No Recife existe o antes e o depois do Transforma Recife. Não temos dúvida que o espírito do recifense já carregava esse DNA da solidariedade e generosidade que a plataforma está potencializando e organizando. Em um único programa, encontramos tudo. Agora temos números do segmento, sabemos quantas ONGS são, quantas pessoas cadastradas, quantas horas a sociedade destina para as causas. O que leva uma pessoa a ter uma agenda de vida para o voluntariado são vários motivos. Estamos buscando estimular todos: facilidade de encontrar vagas, a elaboração do currículo social, um programa de valorização de voluntários e organizações. O futuro vai mostrar que tudo isso faz parte da construção de uma nova ideia de cidade com a união de três fortes pilares: poder público, ONGs e voluntários. Desde a implantação da plataforma Transforma Recife, a capital pernambucana passou a ser considerada a “capital da solidariedade”, registrando no “voluntariômetro”, em tempo real, quantas horas de trabalho voluntário foram dedicadas a instituições sociais no Recife. O equipamento, uma espécie de relógio gigante que fica na principal avenida da cidade, é o primeiro instalado no país.

É mais fácil envolver os mais jovens ou pessoas em idade mediana? Por quê?
Não tem idade para fazer o bem. As crianças, sendo acompanhadas pelos pais, podem desde muito pequenas, viver experiências que podem marcar positivamente suas vidas. Já o jovem quer ser protagonista da sua história e encontra no engajamento social essa oportunidade. As pessoas da melhor idade passam nesta fase da vida a ter mais tempo e podem dar significado por meio de um trabalho voluntário. Por isso, não há idade mais fácil, não tem condição social, cor, religião... O trabalho voluntário une todos na construção de um mundo melhor. A meta da plataforma é atingir a marca de 500 ONGs e 60 mil voluntários cadastrados até julho de 2016, fazendo com que pelo menos metade das vagas ofertadas seja preenchida através do Transforma Recife. Também há a expectativa de dobrar o número de horas trabalhadas em um ano.

Mas porque ainda há uma certa resistência em realizar trabalhos voluntários no Brasil e em Pernambuco?

Acho que, na verdade, falta experiência. O estímulo à pratica do voluntariado é muito novo no Brasil, mas quem experimenta se apaixona e nunca mais consegue parar. É viciante! Isso porque você vê mudanças reais na vida das pessoas. Descobrimos que temos essa capacidade. Por isso, esse movimento se tornou tão forte no Recife. Veja a proporção que as ações do Novo Jeito tomaram, por exemplo. Já conseguimos colocar no calendário da cidade, por exemplo, um dia para distribuir rosas e abraços. Outro para ajudar o Hospital de Câncer. Mais um para mostrar experiências sociais bem-sucedidas no mundo todo. Outro para ir ao Sertão e levar solidariedade e serviços. Fazemos isso há cinco anos, e cada vez há mais participantes. Depois de cada um desses dias, muitas pessoas passam a agir de uma maneira diferente e mudam suas agendas para se engajar em alguma causa do bem. Isso é inspiração. As redes sociais também têm sido grandes aliadas nessas causas. Basta uma postagem de alguém que faz um trabalho voluntário para inspirar sua rede de relacionamentos! As pessoas me ligam e perguntam: “Como eu posso fazer o mesmo?” Um vai contagiando o outro e isso vira uma grande onda do bem.

Como o senhor vê o voluntariado corporativo ou empresarial? Ainda é uma prática em crescimento no Brasil e em Pernambuco?
Tem crescido muito. O melhor jeito do empresariado apoiar é colocando seus serviços à disposição do terceiro setor. No Novo Jeito, tudo é 100% voluntário: a agência de publicidade, o contador, o advogado, a assessoria de imprensa, a gráfica e todos os serviços necessários são prestados com grande excelência, pois os parceiros entenderam que,ter no portfolio o apoio a uma organização social agrega valor. Quanto ao voluntariado corporativo, percebemos uma crescente valorização do profissional que tem essa prática e estamos estimulando isso. Uma das formas é levando os voluntários a imprimir seu “currículo social”, que vai computar quantas horas de trabalho voluntário eles têm no histórico. Isso pode ser feito através do site do Transforma Recife. Por outro lado, convocamos as empresas a ressaltar a importância de observar esse tipo de comportamento e valorizar as pessoas que dão prioridade a causas sociais na sua rotina. Para as empresas, o desempenho desse profissional será melhor, pois se ele se dedica a algo voluntariamente, vai ser mais dedicado ainda na empresa que lhe provê sustento. Já os profissionais, além de se recolocarem mais facilmente no mercado de trabalho, se tornarão diferenciados dentro das empresas, com oportunidades mais rápidas de crescer.

Como as pessoas podem criar uma rede de voluntariado no seu dia a dia, no trabalho, no condomínio, na rua, etc,?
Agindo! Fazendo coisas! Não é necessário participar de uma ONG para começar. No seu prédio, no seu bairro, reunindo a família, os amigos é possível fazer algo. Lembro que comecei minha caminhada de fazer trabalhos voluntários contando histórias em hospitais. Era tão pouco, mas ajudava a levar esperança para algumas crianças. E sempre fui muito ocupado, mas priorizei um tempo para isso. Não podemos começar apenas quando acharmos a melhor fase da vida e tivermos tempo sobrando. Alguns dizem: “Quando eu passar no vestibular ,eu começo”, ou quando “vou pensar nisso quando conseguir um emprego”. Eu diria: comece hoje! Comece fazendo o que está perto! Comece fazendo pequenas ações, pois elas certamente mudam o mundo.

 

Saiba mais

 

Voluntariado em números

Transforma Recife em um ano atingiu:
25 mil inscritos
326 ONGs cadastradas
125 mil horas de trabalho

Meta para 2016
60 mil inscritos
500 ONGs cadastradas

Dados da ONU:
140 milhões de pessoas estão voluntárias no mundo

 



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