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Patrimônio Chalé de 110 anos será restaurado na Várzea

Por: Rosália Vasconcelos

Publicado em: 01/08/2015 14:00 Atualizado em: 31/07/2015 17:48

Chalé abrigou o antigo Hospital Odontológico Magitot. Fotos: João Velozo/ Esp. DP/D.A Press
Chalé abrigou o antigo Hospital Odontológico Magitot. Fotos: João Velozo/ Esp. DP/D.A Press

Após ser classificado como Imóvel Especial de Preservação (IEP), em 21 de maio deste ano, o chalé de número 130, localizado na Praça Pinto Dâmaso, bairro da Várzea, onde funcionou o antigo Hospital Odontológico Magitot, será reformado para abrigar um mercado público na área externa, e uma outra atividade na parte interna do imóvel, que ainda está em definição. Segundo o Gabinete de Projetos Especiais da Prefeitura do Recife, os trabalhos vão acontecer em duas etapas. A primeira será a revitalização do pátio externo do casarão, onde ficarão as bancas. Essa etapa já está com o processo licitatório em andamento. A segunda será o restauro da estrutura do imóvel. O chalé está abandonado há mais de 40 anos e, além das resistentes paredes, pouco restou das referências arquitetônicas da época de sua construção, datada de 1905. Hoje, o local serve de ponto para consumo de drogas e depósito de lixo.

A licitação para as obras do pátio externo, orçadas no valor de R$ 1,3 milhão, será concluída no fim deste mês de agosto e os serviços devem começar até o fim do ano. Já a recuperação da estrutura física do casarão ainda não tem previsão de início. O projeto de restauro do imóvel será realizado pela Diretoria de Preservação do Patrimônio Cultural (DPCC). O documento deve indicar as possibilidades de uso do chalé, depois de reformado, a partir do que restou. “Vamos considerar a situação do imóvel. Internamente, não sobrou nada. O piso térreo afundou e os dois pavimentos sofreram bastante descaracterização”, avalia a diretora da DPCC, Lorena Veloso.

Além dos montes de lixo que tomam conta do jardim, do quintal e dos espaços laterais do imóvel, bromélias e outras plantas invadem o que restou da construção. A ferrugem invadiu o gradil, sendo perceptível a perda de diversos elementos arquitetônicos. O piso interno foi destruído em dois incêndios. Portas, janelas e telhas foram furtados, as esquadrias estão muito deterioradas e do pavimento superior só existe a indicação. Na calçada, o comércio informal esconde escombros, imprimindo um aspecto ainda mais degradado ao casarão que retrata o estilo de vida de famílias abastadas do Recife no fim do século XIX.

Serviços devem começar até o fim do ano.
Serviços devem começar até o fim do ano.

De acordo com Lorena Veloso, apesar do estado de arruinamento, será possível manter a  originalidade, a essência compositiva do edifício e resgatar as características originais do casarão, que é o único representante no Recife do estilo chalé româmtico com influência inglesa de dois pavimentos. “O imóvel evidencia muitos de seus atributos físicos que sobreviveram ao processo de desgaste e de abandono. Por exemplo, é possível fazer uma leitura de elementos decorativos como os adornos e os assoalhos”, diz Lorena. Além do estado de degradação, em 1944 o chalé deixou de ser moradia para a fundação do primeiro hospital odontológico da América Latina, chamado de Hospital Magitot. Já naquela época, ele deve ter passado por reformas e intervenções estruturais para receber a unidade de saúde.

O chalé foi inaugurado em 27 de maio de 1905, como está inscrito na parte superior da fachada frontal do imóvel. Hoje, pertence à Prefeitura do Recife, mas durante os últimos 20 anos foi habitado por um caseiro conhecido como João Rosas e sua família, a pedido da Associação dos Moradores da Várzea. Foi desapropriado em dezembro de 2013.

Novo uso é tema polêmico

Os moradores da Várzea são unânimes na necessidade de recuperação do chalé romântico, que é patrimônio histórico e cultural para a cidade. Mas os usos que têm sido anunciados - transformação do espaço em mercado público - são temas polêmicos para a população e para urbanistas. “Eu não acho que esse tipo de edificação funciona como mercado público. Acredito que não é assim que se trata esse tipo de patrimônio. A Casa de Detenção, onde hoje funciona um mercado de artesanato, é um exemplo mal-sucedido e subutilizado, porque a estrutura de um edifício que tem um caráter de reclusão não combina com uma atividade cuja essência é a exposição”, defende o arquiteto e urbanista da Fundação Joaquim Nabuco, Cristiano Borba.

Para ele, a definição da área do chalé como mercado é uma decisão que pretende resolver o problema dos ambulantes na calçada, sem privilegiar a conservação do imóvel. “O comércio informal tende a acontecer na rua e não em um casarão. Como o chalé tem um apelo historicista, poderia ser um centro de cultura, de ensino. Ou mesmo se já serviu como hospital, poderia ser uma Upinha. Acho que vai se investir muito dinheiro em algo que não vai funcionar”, avalia o urbanista. A Associação dos Moradores da Várzea chegaram a se manifestar, aprovando o Mercado Público na Várzea no terreno do casarão, mas solicitando uma policlínica ou um centro de ensino no espaço interno do chalé.

Hoje, pertence à Prefeitura do Recife, mas durante os últimos 20 anos foi habitado por um caseiro conhecido como João Rosas e sua família, a pedido da Associação dos Moradores da Várzea.
Hoje, pertence à Prefeitura do Recife, mas durante os últimos 20 anos foi habitado por um caseiro conhecido como João Rosas e sua família, a pedido da Associação dos Moradores da Várzea.


O autônomo José Rosas, 28 anos, residiu por 20 anos no terreno do casarão e foi o último morador do lugar. “Na época em que viemos morar, uma associação de médicos era responsável pelo imóvel, que já estava degradado. Chamaram meu pai, João Rosas, para ser o caseiro. Há dois anos, a prefeitura nos retirou do terreno e agora só se vê ruínas”, conta José. Para ele, não importa qual a funcionalidade do chalé, mas que seja recuperado. “É importante para a comunidade que esse patrimônio seja reconstruído, porque faz parte da história do bairro”, opina.

Já o ambulante Manuel José Arruda, 73 anos, que trabalha há 23 anos na porta do antigo hospital Magitot, torce para que o mercado público saia do papel. “Quatro prefeitos prometeram que reformariam o chalé para fazer um mercado. Eu acho que seria muito bom, porque tiraria a gente da calçada e ajudaria a conservar o imóvel, que hoje só serve como ponto de drogas e prostituição”, afirma Manuel.

Ficha técnica do chalé da Várzea

- Está localizado no número 130 da Rua Azeredo Coutinho, no bairro da  Várzea, Zona Oeste do Recife
- Está incluído dentro do Setor de Preservação Ambiental (SPA), da Zona Especial de Preservação Histórico-Cultural da Praça da Várzea (ZEPH–07), conforme o Plano Diretor do Município do Recife (lei nº 17.511/08)
- Foi inaugurado em 27 de maio de 1905, como consta na inscrição de sua fachada frontal
- Estilo Arquitetônico eclético – Chalé romântico, de influência inglesa
- É o único exemplar  com dois pavimentos, dessa arquitetura, no Recife
- Possuia dois pavimentos, um térreo e um primeiro andar
- Abertura oval na fachada
- Muros baixos com gradil
- Afrescos com motivo floral  nas paredes internas do edifício
- O guarda-corpo das varandas  é em ferro com motivos fitomorfos
- Possui porão com grade em chumbo, também com motivos fitomorfos
- Os pés direitos são altos
- O edifício é composto por arcos plenos e olhal


Saiba mais

- No chalé funcionou durante 40 anos, a partir de 1944, o primeiro hospital odontológico da América Latina
- O hospital realizava um trabalho social, sobrevivia de doações e os dentistas eram todos voluntários
- Foi classificado como Imóvel Especial de Presevação (IEP) em 21 de maio deste ano
- Nos anos 1990, incorporou lista elaborada para a classificação em Imóvel Especial de Preservação (IEP), todavia acabou não sendo contemplado
- É um retrato da sociedade pernambucana em fins do século XIX, início do XX, refletindo o gosto inglês tão em voga no Brasil naquela época
- Em 2008, foi elaborada proposta de recuperação e reutilização para o edifício, com o apoio da Prefeitura do Recife e participação de alunos da UFPE.


Fontes: Diretoria de Preservação do Patrimônio Cultural (DPPC/PCR) e arquivos da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj)

 

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