Ritual sob risco Velário do Morro da Conceição à espera de reforma Na última celebração à Nossa Senhora, dois princípios de incêndio destruíram os acendedores de velas localizados ao lado da imagem da santa. Oito meses depois, ainda não foram recuperados

Por: Guilherme Carréra

Publicado em: 23/07/2015 08:01 Atualizado em: 23/07/2015 14:25

Velário da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição está inutilizado desde a Festa do Morro de 2014. Foto: Rodrigo Silva/Esp. DP/DA Press
Velário da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição está inutilizado desde a Festa do Morro de 2014. Foto: Rodrigo Silva/Esp. DP/DA Press

Anualmente, uma multidão sobe o Morro da Conceição para se ajoelhar aos pés da Nossa Senhora que batiza o bairro da Zona Norte do Recife. Pede, promete, agradece. Antes de ir embora, acende ainda uma vela à imagem. Entre os dias 29 de novembro e 8 de dezembro do ano passado, período em que acontece a Festa do Morro em homenagem à santa, a chama de uma dessas velas se espalhou, provocando um princípio de incêndio. Dois dias depois, outro fogaréu assustou moradores do entorno da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição. Em ambas as vezes, o Corpo de Bombeiros foi acionado, controlou o fogo e interditou os dois velários, áreas destinadas aos fiéis riscarem seus fósforos. "É tradição. Todo mundo vem pra acender vela. No ano passado, acabou que o acendedor não aguentou a quantidade. Postei até um vídeo da explosão no meu Facebook", relembra Michelly Rodrigues, vendedora no fiteiro com vista para o altar.

O que Michelly e outros moradores não entendem é a demora em relação à reforma de um dos principais cartões-postais da capital pernambucana. Mais do que um templo católico, a casa de "Ceça" se tornou ponto turístico. Do alto, a vista para o Recife chama a atenção. Ao redor, restaurantes como o Bar da Geralda dão conta de sua porção profana. No interior, as laterais de vidro permitem até quem está do lado de fora visualizar o altar. O zelo pelo espaço é do Padre José Roberto da Silva França, pároco há quase seis anos. Mas a Prefeitura do Recife não tem papel coadjuvante. "A comunidade da paróquia nos ajuda, mas só as doações não são suficientes. A participação do governo municipal é fundamental pra articular o patrocínio da iniciativa privada". Pelas contas do Pe. José Roberto, a reforma já era para ter começado. "Não sei se vai dar tempo de organizar tudo pra festa deste ano. Ainda estamos esperando um retorno sobre o projeto".

Ficou na promessa

Além da reconstrução dos acendedores de velas, localizados na área externa da paróquia, nas laterais esquerda e direita da santa, está prevista a restauração da própria imagem. O artista encarregado é o pernambucano Jobson Figueiredo, o mesmo que restaurou a Ponte Maurício de Nassau, a Sinagoga Kahal Zur e a Coluna de Cristal de Francisco Brennand. Em tempo, não será a primeira vez que Jobson vai se debruçar sobre o manto azul. Há mais ou menos 15 anos, ele assumiu o restauro ao lado da equipe francesa que esculpiu a imagem. "A Prefeitura me procurou e eu topei. Estamos finalizando o mapa de danos e o laudo técnico. Acredito que dentro de 15 dias começamos a obra". A ideia é realocar o velário para não deixá-lo tão próximo à santa e garantir mais segurança aos devotos. Perguntada sobre o atraso, a Empresa Municipal de Limpeza e Urbanização (Emlurb) se limita a dizer que está "em fase de captação de recursos".

Embora não seja recomendado, fiéis acabam acendendo velas no chão. Foto: Rodrigo Silva/Esp. DP/DA Press
Embora não seja recomendado, fiéis acabam acendendo velas no chão. Foto: Rodrigo Silva/Esp. DP/DA Press

Parafina se acumula nas ruínas dos antigos acendedores. Foto: Rodrigo Silva/Esp. DP/DA Press
Parafina se acumula nas ruínas dos antigos acendedores. Foto: Rodrigo Silva/Esp. DP/DA Press

Oito meses depois do incidente, o velário continua aos pedaços. "Os bombeiros precisaram derrubar por completo um dos acendedores pra impedir que as pessoas voltassem a usar a área", informa Aline Gama, secretária da paróquia há dois anos. "O padre fez, inclusive, uma campanha pra conscientizar os fiéis dos riscos de dar continuidade à prática sem a estrutura necessária. Mas não adiantou". Voluntária, dona Ivonete Silva toma conta das instalações à segundas-feiras, quando a secretaria não abre. Contrariada, ela conta que precisa apagar algumas com baldes d’água a fim de evitar que o fogo se alastre. Anos atrás, viveu uma situação-limite. "Um rapaz queria porque queria acender uma vela na base da santa. Precisei impedir pra ele não causar um incêndio". Atualmente, a recomendação é que o fiel faça a oração, mas acenda a vela em casa. No entanto, não há placas de aviso ou funcionários a postos para informar o visitante que chega.

Ciúme de você

Na esquina oposta ao fiteiro de Michelly, o Bar da Alegria testemunha que a obra ainda não deu sinal de vida. "Será que vai dar tempo?", questiona João Artur, jardineiro. "O padre é ótimo, mas precisa priorizar isso aqui", aponta à santa Stefano Silva, carpinteiro. Para os dois boêmios, Pe. José Roberto vem dando mais atenção à construção da Igreja de São José, em vias de ser inaugurada no vizinho Alto José Bonifácio. Ciumeira à parte, o pároco faz a réplica. "Ainda este ano, a Paróquia de Nossa Senhora da Conceição vai ser elevada à categoria de Santuário. Com isso, essa nova igreja precisa estar pronta pra assumir as funções paroquiais". A expectativa é de que uma agenda com o prefeito Geraldo Julio esteja a caminho. "Espero ter um posicionamento nesse encontro. Caso o projeto como um todo não saia a tempo da festa, ao menos os acendedores precisamos reconstruir. Nem que seja por conta própria".

Reforma na Paróquia de Nossa Senhora da Conceição depende da articulação da Emlurb com a iniciativa privada. Foto: Rodrigo Silva/ Esp. DP/DA Press
Reforma na Paróquia de Nossa Senhora da Conceição depende da articulação da Emlurb com a iniciativa privada. Foto: Rodrigo Silva/ Esp. DP/DA Press

Em virtude da superlativa concentração de pessoas, é fato que os antigos acendedores acabavam recebendo mais parafina do que a estrutura suportava. Embora inconveniente, o incidente de 2014 em nada se compara à tragédia ocorrida em 1959. Durante a Festa do Morro, um tumulto sem razão aparente resultou na morte de sete pessoas e em mais de 100 feridos. Na ocasião, comentou-se que a correria teria começado por conta do disparo de dois tiros. Alguns atribuíram o pânico ao estouro de um cilindro de gás, enquanto outros acreditaram que um curto-circuito na rede elétrica teria causado o furdunço. Laudos do Instituto de Medicina Legal (IML), no entanto, atestaram que as mortes foram causadas por traumatismo craniano, como consequência do empurra-empurra. Cinco décadas depois, promessa alguma conseguiu desvendar o mistério.

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