Vida Urbana
Avenida Norte
Gelo-baiano vira calçada para pedestres e ponto de retorno para motoqueiros e ciclistas
Usuários da via alegam pressa, preguiça e até medo de assaltos para não seguir à risca o que a CTTU aconselha. Especialistas afirmam que pedestre tem responsabilidade, mas é prioridade
Publicado: 17/07/2015 às 08:01

Pedestre acaba usando gelo-baiano como apoio durante a travessia entre calçadas na Avenida Norte. Foto: Rodrigo Silva/Esp. DP/DA Press/

São quase 10h de uma quarta-feira e Dayana Rosa tem pressa. A garçonete desce do ônibus, olha para a direita, olha para a esquerda e vai. Corre em direção ao gelo-baiano, checa seu entorno outra vez e termina a travessia. De mãos dadas com o filho de sete anos, completa o trajeto sem ter posto os pés na faixa de pedestre. "Estou muito, muito atrasada pra consulta médica dele". Em frente à parada de ônibus, a frentista de um posto de gasolina observa a cena, que se repete diariamente, alternando os personagens. "Tem uma faixa de pedestre logo ali, mas ninguém quer andar até lá pra atravessar", reclama Larissa Fernanda, há dois anos e meio na função. "Mas também os carros passam voando. O limite de velocidade é que deveria ser menor pra evitar acidente", interrompe a colega Hadrielly Rodrigues. Do fiteiro ao lado do posto, o vendedor Wilson Patrício não vê problema na travessia, desde que a atenção seja redobrada. "Rua é malícia".
Driblar ônibus, caminhões, carros, motos e bicicletas não é só malícia, mas rotina na Avenida Norte Miguel Arraes de Alencar, na Zona Norte do Recife. Instalados nos anos 1990, os gelos-baianos tinham o intuito de delimitar os dois sentidos de circulação do corredor viário. Essa delimitação, por sua vez, garantiria mais segurança ao tráfego de veículos motorizados e não motorizados que se estende por seus 9 km. Ao menos esse é o mantra repetido pela Empresa de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife (Emlurb), responsável ainda pela manutenção dos blocos de concreto. "As rondas de técnicos, agentes e orientadores de trânsito são realizadas rotineiramente", informa a nota. Esses mesmos personagens devem vigiar tanto quem passa a pé, quanto quem acelera o pedal. "Assim como os pedestres não utilizam a faixa, bicicletas e cinquentinhas são as que mais furam sinal vermelho", aponta Damião Messias, subinspetor e agente de trânsito da Companhia de Trânsito e Transporte Urbano (CTTU).

Sinal fechado
Além da vigilância, Marroquim Oliveira acredita que a atuação dos agentes de trânsito deveria priorizar mais o pedestre. "Eles se preocupam em multar os carros, não em ajudar a gente a atravessar", critica. Também correndo contra o tempo, o pintor espera o fluxo de veículos diminuir, usando o gelo-baiano como calçada. Mais adiante, o ciclista Edilson Souza segue o mesmo trajeto de toda quarta-feira. Deixa sua casa no Córrego da Areia, chega ao depósito de Casa Amarela, coloca duas sacas de pó de madeira na garupa e volta. "Por ser mais prático, acabo usando o gelo-baiano pra fazer esse retorno". Na sombra da Praça do Rosarinho, o marceneiro Daniel Vieira descansa sua moto. "Motoqueiro faz tudo errado, né? A melhor forma de conscientizar é fazendo campanha sobre acidente. Todo mundo se assusta e diminui as barbeiragens". Depois de estacionar o carro, é o contador Winston Álvares quem não alivia para lado algum. "O motorista que reclama do pedestre que atravessa fora da faixa é o mesmo que não segue a sinalização pra fazer o retorno".
No primeiro semestre de 2015, a CTTU contabilizou essas e outras infrações no trânsito do Recife. Considerada multa gravíssima (R$ 191,54, sete pontos na CNH), o avanço de sinal vermelho ou de parada obrigatória, por exemplo, somou 11,6 mil notificações nos últimos seis meses. Embora tenha diminuído 26% em relação ao primeiro trimestre do ano passado, foram ainda computados 26 atropelamentos em ruas e avenidas da capital. Para Francisco Irineu, chefe de educação para o trânsito da CTTU, a regra é clara. "Pela fragilidade da pessoa em contato com veículos motorizados e não motorizados, todos são responsáveis pela segurança do pedestre", crava. "Embora não seja multado, ele tem suas responsabilidades". Observar o fluxo com atenção, olhar para os dois lados antes de atravessar e fazer contato visual com os condutores são algumas delas. Durante períodos de chuva, inclusive, a recomendação é usar roupas de cores fortes que ajudem a destacar sua presença na via. Especialista em acessibilidade, a arquiteta e urbanista Ângela Cunha entende o pedestre como o eixo de uma cidade. No vídeo abaixo, explica melhor esse ponto de vista.
Grade, passarela e tinta
Sugestões para reverter a situação não faltam. "A única maneira de evitar que as pessoas usem o gelo-baiano a seu favor é colocar uma grade no lugar", opina o taxista Marcelo Farias. "Se fizerem como na Conde da Boa Vista, o trânsito vai ficar ainda pior, rapaz", reclama um colega. O ciclista Alan Ricardo vai na contramão. Vota pela construção de passarelas suspensas. "No Rio de Janeiro, funciona bem. No Recife, também funcionaria", aposta. "Com esse trânsito louco, até atravessar na faixa é arriscado". Já a estudante Maria Mayara prefere simplificar. "Por que não pintam mais faixas de pedestre? Os carros se forçariam a parar e os pedestres não precisariam se arriscar tanto". Assim como os outros entrevistados, a jovem também se mandou de uma calçada à outra da Avenida Norte sem dar bola para a tal faixa. O motivo foi outro. "Tenho medo de ser assaltada. Se a faixa estiver muito longe, atravesso logo".
Francisco Irineu não desautoriza Maria Mayara. "Se não houver uma faixa a 50 metros de distância, o pedestre pode atravessar onde ele estiver", esclarece. "Mas com atenção". Com bicicletas e motos, no entanto, a banda toca diferente. "A sinalização não vale só pra carros, ônibus e caminhões. Bicicletas e motos são obrigadas a fazer o retorno da maneira como as placas indicam". De acordo com a Emlurb, os trapézios amarelos estão com os dias contados. O trabalho de remoção já passou pelas avenidas Mário Melo e João de Barros e ruas do Espinheiro e Padre Roma, além do girador da Ilha do Leite, de parte da Avenida Mascarenhas de Moraes e do cruzamento da Rua Dom Bosco com a Manoel Borba. A ação é feita em parceria com a CTTU, que elaborou mapeamento e definiu quantidade de equipamentos a serem utilizados. No lugar de gelos-baianos, canteiros. "Ainda sem previsão de instalação, a ideia é dar mais áreas verdes à cidade". Entre uma buzina e outra, o Recife agradece.
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