Por: Maira Baracho - Diario de Pernambuco
Publicado em: 13/05/2015 17:04 Atualizado em: 13/05/2015 17:06
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Para a população local, as lembranças dos dias caóticos de greve jamais serão esquecidas, provocando uma mistura de tristeza e vergonha. Foto: Allan Torres/Arquivo DP/D.A Press |
Já era noite da terça-feira quando a PM anunciou a paralisação da categoria. No dia seguinte, 14 de maio, Abreu e Lima comemorava seu 32° aniversário e o comércio havia fechado as portas mais cedo. O gerente de uma loja de calçados, Tiago Moura, já estava em casa quando foi surpreendido com a notícia de que a empresa havia sido saqueada. “Recebi uma ligação e quando cheguei ainda estava acontecendo. Não tinha o que fazer, o policiamento não dava conta e tivemos que esperar eles terminarem. Levaram tudo. Foi um prejuízo de R$ 200 mil e quatro dias de portas fechadas antes de recomeçar do zero”, lembra.
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Gerente de loja, Tiago Moura já estava em casa quando foi surpreendido com a notícia dos saques: "Recebi uma ligação e quando cheguei ainda estava acontecendo". O prejuízo foi de R$ 200 mil. Foto: Rodrigo Silva/ESP. DP/D.A Press |
Assim como a loja de calçados, outros 100 estabelecimentos comerciais tiveram as portas quebradas, vitrines destruídas e todo estoque levado pelos saqueadores. Nas vias ao redor do Centro, caminhões foram abordados e tiveram as mercadorias roubadas.
Para o kombeiro Cícero Lourenço, 55, morador de Abreu e Lima, o clima era de guerra. “A gente passava de Kombi e eles queriam que a gente parasse para levar os produtos roubados. Eu jamais faria isso. Só queria chegar em casa, estava tudo um caos”, conta.
Os saques foram praticados por uma multidão de idosos, adolescentes, homens, mulheres e até crianças. Algumas pessoas de outras cidades foram para Abreu e Lima para furtar as lojas, no fenômeno chamado de efeito manada. A filha de Cícero, a fiscal de transporte complementar Gessyca Mikaely, 23, diz que muitas pessoas eram conhecidas. “Eu via as pessoas pegando e dizia para pararem, que nada daquilo era delas. Mas ninguém ouvia. Eles pegavam, corriam para deixar em casa e depois voltavam para pegar de novo”, conta.
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Cerca de 100 estabelecimentos comerciais tiveram as portas quebradas, vitrines destruídas e todo estoque levado pelos saqueadores. Foto: Ricardo Fernandes/DP/D.A Press |
Mais afastado do Centro, em Caetés, o supermercado Arco-Íris foi totalmente depredado e teve 100% dos itens roubados, incluindo equipamentos usados pelos funcionários. A empresa, que funcionava no local há 11 anos, não conseguiu arcar com o prejuízo de R$ 700 mil e fechou as portas. “No primeiro dia da greve, à noite, houve uma invasão. Tínhamos seguranças na loja, mas a quantidade de gente era enorme, não podíamos correr riscos e pedimos que eles se retirassem. No segundo dia, novos saques, durante horas. Não tínhamos o que fazer”, lembra a diretora do supermercado, Sandra Lima.
Para Sandra Lima, não é possível culpar a população pelo episódio, mas o sentimento de insegurança ainda existe. “Segurança e ética são problemas em todo o país. A questão é que demitimos 50 pessoas e é claro que a possibilidade de uma nova greve assusta”, admite.
A vendedora Carla Fernanda, 27, acredita que a cidade não foi mais a mesma depois da greve. Para ela, as pessoas não têm mais a mesma confiança nas outras. “Abreu e Lima nunca teve violência, assalto. Aqui as pessoas não tinham esse medo e depois da greve a desconfiança aumentou”.
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Duzentos e vinte e um eletrodomésticos, que não tiveram a origem identificada, seguem guardados em um galpão da Polícia Civil, no Curado. Foto: Polícia Civil/Cortesia |
O delegado do município, Albéres Félix, chama atenção para o perfil dos saqueadores. “Eram pessoas honestas, saqueando por impulso”, justifica. “Quando as imagens começaram a ser divulgadas nas redes sociais e na imprensa, um sentimento de vergonha tomou conta da cidade, que é conhecida como uma das mais evangélicas do país. Aí começaram a devolver os produtos roubados na delegacia e até a abandonar na rua. Até no cemitério achamos eletrodomésticos”, recorda.
Mais de 80 pessoas responderam judicialmente pelos furtos e oito chegaram a ser detidas na época. “Incentivamos as pessoas a devolverem, porque aí não seriam presas. Acredito que 80% das coisas foram devolvidas, mas nem tudo. Um homem chegou a vir na delegacia, por exemplo, devolver um ventilador e um liquidificador. Depois que ele foi liberado recebemos uma ligação anônima e encontramos na casa dele geladeira e ar-condicionado, que ele disse ter esquecido”, conta.
Além das milhares de mercadorias devolvidas aos comerciantes, 221 eletrodomésticos, que não tiveram a origem identificada, seguem guardados em um galpão da Polícia Civil, no Curado. Segundo o delegado de Abreu e Lima, o município vai solicitar na Justiça que os produtos sejam leiloados ou doados para alguma instituição de caridade.
Boy do Arrastão
A onda de vandalismo e saques que atingiu e marcou Abreu e Lima se repetiu com menos intensidade em outros pontos do Recife. No bairro de Afogados a cena de um rapaz fugindo com a CPU de um computador, flagrada pela equipe do Diario, virou meme.
José Adaílton dos Santos, na época com 18 anos, ficou conhecido como O Boy do Arrastão e uma página criada em seu nome no Facebook reúne mais de 73 mil curtidas. O Diario procurou José Adaílton, que morava no Coque, mas a comunidade informou que o rapaz havia mudado de endereço por causa da exposição.
O que a categoria pedia
Plano de cargos e carreiras
Reestruturação do Hospital da PM
Reajuste salarial de 30% aos oficiais e 50% para os praças
Aumento no valor do vale-refeição de R$ 154 para R$ 500
Conquistas
Discutir o Plano de cargos e carreiras com promoções a cada 5 anos
Reestruturação do Hospital da PM e interiorização
Valor do risco de vida (R$ 500) incorporado ao soldo (salário base) da categoria
Revisão do código disciplinar da PM
* O reajuste salarial pedido pela categoria não foi concedido por se tratar de ano eleitoral. A pauta foi adiada para 2015.
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