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Recife chinês Rede de comerciantes asiáticos expande domínio no Centro do Recife

Publicado em: 25/05/2015 09:29 Atualizado em: 25/05/2015 11:25

Foto: DP/ DA Press
Foto: DP/ DA Press
Mesmo separadas por 15,6 mil km, as cidades do Recife e de Fucheu, a capital da província de Fujian, estão falando cada vez mais a mesma língua. Em particular, uma palavra: o guanxi, o código de lealdade que rege a comunidade de comerciantes chineses na capital pernambucana. É de Fucheu, com reforço das colônias de São Paulo e de Foz do Iguaçu, que vêm os responsáveis pela mudança de cenário no bairro de São José, tradicional centro de comércio popular recifense. A venda de importados no “vuco-vuco” passou a atrair cada vez mais os asiáticos, beneficiados pela alta capacidade de importação proporcionada pelo Porto de Suape e pelo pouco controle dos estrangeiros. Instalados em lojas próprias, passaram a oferecer produtos pirateados, expandindo suas atividades para Caruaru, no Agreste.

Nos últimos três anos e quatro meses, 60 chineses foram indiciados e 28 presos pela Polícia Civil pernambucana acusados de abastecer o mercado com falsificações baratas. Junto com a transgressão comercial opera nas sombras uma máfia que controla os preços e não hesita em mandar assassinar quem ousa desrespeitar as suas ordens. Em 2013, investigação do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) sobre uma tentativa de homicídio contra um chinês apontou a existência de um grupo de compatriotas da vítima atuando no Centro do Recife. É onde entra o guanxi, que em chinês significa relação, mas ganha outro significado quando a máfia, conhecida como tríade, exige lealdade pelo “favor” concedido.

Comerciantes pequenos eram obrigados a importar sombrinhas de um único fornecedor e vender as peças pelo preço sugerido pelo importador. A polícia acredita que a organização criminosa que está em Pernambuco seja uma ramificação do grupo que atua no estado de São Paulo. Um chinês foi preso apontado como mandante do crime e chegou a ter seu pedido de habeas corpus negado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que reconheceu a existência de uma máfia estrangeira no Recife.

“Apesar da repressão, esses comerciantes parecem não temer as leis. São presos e autuados em flagrante, mas logo conseguem a liberdade e voltam a cometer o mesmo crime”, declarou o delegado Germano Cunha, titular de Repressão aos Crimes Contra a Propriedade Imaterial. Um chinês de 34 anos chegou a ser detido três vezes num período de três meses por comercializar produtos falsificados.

entrevista
Marcos de Araújo Silva

Cientista social e pesquisador de pós-doutorado do programa de pós-graduação em sociologia da UFPE, Marcos de Araújo Silva estudou o fenômeno e publicou,
em 2008, a dissertação Guanxi nos trópicos.

Onde estão concentrados os chineses que vivem no Recife?
Atualmente, são poucos os que moram nas Torres Gêmeas, no bairro de São José. Muitos que viviam lá saíram e foram para outros locais, como a Avenida Boa Viagem. Os chineses ricos, que podem morar em prédios de luxo, são importadores. Os chineses pobres, que comercializam produtos no Centro do Recife, foram morar em edifícios paupérrimos da Boa Vista, em Santo Amaro e no próprio bairro de São José.

Esses chineses são responsáveis pela comercialização de produtos falsificados no Centro do Recife?

Uma pequena parte, sim. Os importadores ricos vendem para os comerciantes de classe média ou classe baixa. Há uma hierarquização entre eles. Seria um equívoco achar que todos são iguais.

Chineses de São Paulo também vieram para o Recife para trabalhar no comércio?

Antes (no fim da década de 2000), sim. Hoje em dia, os chineses que vêm de São Paulo ou de Foz do Iguaçu para Pernambuco, em sua maioria, são importadores ricos e não mais comerciantes pobres ou de classe média baixa.

Você identificou a relação do guanxi nos casos pesquisados para sua dissertação?
Sim. Não podemos dizer que o guanxi é uma coisa generalizada, mas cerca de 85% dos chineses de classe média baixa vivem essa realidade. Esses chineses necessitam de uma rede de apoio e de confiança para se estabelecerem num novo lugar. Em troca, ficam devendo lealdade a quem os ajudou.

E sobre a máfia chinesa com a atuação no estado?
A máfia chinesa tem ramificações na Região Metropolitana do Recife desde os anos de 1990 até a atualidade. As redes mafiosas não agem de maneira isolada. As pessoas que participam dessas redes têm contato com policiais e agentes fiscalizadores, o que acaba facilitando a entrada de muitas mercadorias de forma ilegal.

Presos e libertados, sempre

Apesar de cometerem crimes, os chineses que vendem produtos pirateados permanecem morando e trabalhando em Pernambuco. Segundo a Polícia Federal, como não estão no país ilegalmente, não podem ser expulsos. O Estatuto do Estrangeiro diz que “é passível de expulsão quem, de qualquer forma, atentar contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a tranquilidade ou moralidade pública e a economia popular, ou cujo procedimento o torne nocivo à conveniência e aos interesses nacionais.”

De acordo com o Ministério da Justiça, no ano passado, 40 inquéritos de expulsão e 223 portarias de expulsão foram publicadas no Brasil. Os dados deste ano ainda não foram divulgados. O procedimento de expulsão se inicia quando o órgão é informado de que um estrangeiro foi condenado a pelo menos dois anos de prisão (pena privativa de liberdade) pela prática de um crime.

Estimativa feita pelo Centro Cultural Brasil-China em 2011 apontava que cerca de três mil chineses viviam em Pernambuco. O número é tão expressivo que o Recife será a terceira cidade do país a receber um Consulado Chinês.

Comerciantes presos em flagrante ou indiciados pela polícia são responsabilizados por crimes como receptação qualificada. O último chinês detido pela Polícia Civil ainda foi autuado por corrupção ativa porque tentou subornar policiais oferecendo R$ 3 mil para não ser levado à delegacia.

AS TRÍADES

As tríades têm esse nome pela característica de formação: são compostas por grupos de três pessoas em que somente uma delas conhece a existência das outras células.

Dezenas de milhares de chineses embarcam todos os anos para outros países acreditando em promessas de vida melhor e enriquecimento rápido.

Uma vez no seu destino, tornam-se escravos “de sangue” das tríades em fábricas clandestinas, comércios ou restaurantes até pagar a viagem.

Os chineses não se integram às cidades onde passam a morar, criando, em tempo recorde, seus próprios guetos.

A endogamia é a lei número um entre eles. A lei número dois é o silêncio.

Em sua imensa maioria, os cidadãos chineses não são delituosos. Eles dependem de um patrão que, por sua vez, deve se submeter à máfia.

DE ONDE VÊM ALGUNS
CHINESES PRESOS NO RECIFE


Província: Fujian, também conhecida como Fukien, Fuquiém ou Hokkien

Província da República Popular da China, situada no Sudeste da China, na Costa do Mar da China Oriental.

Fujian é um centro vital de navegação entre o Mar da China Oriental e Mar da China Meridional. É uma das províncias chinesas mais próximas ao Sudeste Asiático, Ásia Ocidental, África Oriental e Oceania

Capital: Fucheu

Abrange terreno de 540 km de leste a oeste e 500 km de norte a Sul

Área territorial: aproximadamente 121.400 km2 (Pernambuco tem 98.312 km2)

Área do litoral:
3.324 km

População:
35.110.000 habitantes.

Habitantes:
de etnia Han (99%), existindo 1% de habitantes de etnia She e 0,3% de etnia Hui

ÁREA ONDE SÃO COMERCIALIZADOS
PRODUTOS PIRATEADOS
BAIRRO DE SÃO JOSÉ

Rua Direita
Rua das Calçadas
Rua de São José
Rua de Santa Rita

A PRESENÇA CHINESA NO ESTADO É DIVIDIDA EM TRÊS CICLOS MIGRATÓRIOS

1) Em 1950, dez engenheiros chineses foram convidados pelo governo de Agamenon Magalhães para dar suporte a obras de reformulação urbana do Recife. Em seguida, cerca de 15 famílias de Taiwan chegaram de São Paulo para montar estabelecimentos comerciais, sobretudo lanchonetes e lavanderias.
Ter a roupa lavada numa lavanderia chinesa era sina de status à época.

2) Em meados da década de 1970, a partir de contatos com famílias que já viviam em Pernambuco, taiwaneses chegaram ao Recife via Paraguai, que, ao contrário do Brasil, mantinha relações diplomáticas com a ilha “rebelde”. Insatisfeito com a concorrência de São Paulo, outro grupo de chineses também migrou nessa época para Pernambuco atrás de “terra fértil” para expandir seus restaurantes, pastelarias e lojas.

3) A terceira onda migratória teve início nos anos 1990 e continua até hoje. O Porto de Suape e a facilidade logística para a circulação de mercadorias vindas da China foram preponderantes. Boa parte dessa leva trabalha nas lojas de produtos chineses no bairro de São José ou na feira de importados de Caruaru.

 



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