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Saúde Músicos levam alegria a pacientes internados em hospitais do Recife Com notas e versos, arte busca amenizar a dor, muda uma rotina de sofrimento e ajuda na recuperação

Por: Marcionila Teixeira

Publicado em: 23/05/2015 15:07 Atualizado em:

Foto: Paulo Paiva/DP/D.A Press (Foto: Paulo Paiva/DP/D.A Press)
Foto: Paulo Paiva/DP/D.A Press


O despertar daquele homem desconhecido beirando os 40 anos de idade aconteceu no meio de uma tarde. Preso à cama de uma UTI há cerca de nove meses, varava os dias de olhos e boca abertos, sem mexer, em coma. Mário Mendes, o músico, aproxima-se com seu violino. Pede licença à mãe do enfermo para tocar o instrumento musical. "Mas para quê? Ele não escuta mesmo", teria dito a mulher, entre incrédula e chateada com a visita inesperada. Mário insistiu e, por um pedido da mãe do paciente, tocou O Mio Bambino Caro. Quando criança, o pai daquele homem costumava cantar os versos em italiano para o filho. Naquele momento, ele mudou a expressão do rosto. Fechou os olhos e a boca. Moveu de leve a cabeça. Isso foi há três anos.

Mário Mendes e seu violino cruzam, há seis anos, caminhos de dor. Buscam levar acolhida, paz, esperança a pacientes, familiares e equipes de saúde do Hospital Esperança, na Ilha do Leite. Seu desfile tranquilo pelos corredores acontece duas vezes por semana, por cerca de duas horas e meia. Visita todos os recantos, incluindo UTI e maternidade. Só não leva sua música para a emergência. O ambiente não seria propício diante da pressa por um diagnóstico, da busca pelo alívio de dores físicas. "Sinto que vou acalmando as pessoas, os pacientes vão liberando endorfina. Não deixaria esse trabalho por nada deste mundo", conta o músico, que também integra o quadro da Orquestra Sinfônica do Recife.

Gilvanize Santos Catão, 60 anos, abre a porta do quarto da mãe enferma para a música entrar. Pergunta à Maria Carneiro dos Santos, 86, qual canção deseja escutar. "As pessoas precisam desse carinho no hospital. Você acompanhar uma pessoa querida indo embora e chega uma música como essa. É muito emocionante", desabafa Gilvanize.

Em outro andar do hospital, Elizete dos Santos, 56, e sua irmã, Elizabete Barbosa, 64, aguardam Mário na porta do quarto. De pé com a ajuda da irmã, Elizabete conta o motivo de tamanho esforço para sair da cama. "Quando ele toca, sinto que estou viva", conta a mulher, em tratamento de leucemia.

A pouco tempo dali, no bairro dos Coelhos, uma cena inusitada vai sendo montada dentro da unidade de hemodiálise de um conhecido hospital público, o Imip. Logo um violão é ligado a uma caixa de som. O economista e também músico Cláudio Almeida senta ao lado da namorada e cantora, Beth Coelho. Naquela tarde, vão de MPB. "É impossível ser indiferente aos pacientes. Nos apegamos e ao mesmo tempo tentamos nos preservar desse sentimento. Em um dia abraçamos. No outro, a pessoa já não está mais lá", conta Beth. Em pelo menos duas ocasiões, presenciaram mortes enquanto tocavam. "Nessas horas, paramos tudo", completa Cláudio.

O casal faz parte do projeto Saúde com Arte, que acontece todos os dias da semana no hospital, pelo período de duas horas, ao longo de seis anos. O violão acompanhado da voz de Beth levam mais alegria para espaços tomados de dor. Preso a uma máquina de hemodiálise, Jaime Rufino, 78, pede para a dupla cantar Cabecinha no ombro. "Gosto muito deles. Passar quatro horas aqui é muito chato", fala. Geraldo Mendes, 59, outro paciente, chega após o início da apresentação. Pega o microfone emprestado de Beth e lança sua voz. "A música não saiu de vez da minha vida", diz, lembrando do passado de cantor e percussionista. A música não deveria sair nunca, Geraldo, da vida de todos nós.

Foto: Paulo Paiva/DP/D.A Press (Foto: Paulo Paiva/DP/D.A Press)
Foto: Paulo Paiva/DP/D.A Press


Arte que ajuda na recuperação

"A arte na medicina às vezes cura, de vez em quando alivia, mas sempre consola". A frase está estampada na frente da Escolinha de Iniciação Musical e Artes do Hospital Oswaldo Cruz, em Santo Amaro. Também é lema de vida do médico, professor e músico Paulo Barreto Campello. Ele é idealizador e coordenador de programa de mesmo nome, que completa 19 anos em julho.
"Recebemos crianças em fase de cuidados paliativos, ou seja, em estado terminal, que quando chegam mostram um brilho nos olhos diante dos instrumentos musicais. Sabemos que não estamos curando esses pacientes, mas estamos consolando, aliviando suas dores com a música", explica o médico.

Campello conta que ao longo desse tempo acompanhou diversos casos de pacientes que recuperaram a saúde e descobriram-se músicos. Alguns alcançaram o conservatório ou o curso de música da Universidade Federal de Pernambuco. Outros atuam no programa. "Aqui não é um conservatório para descoberta de talentos, mas eles surgem", reflete o médico.

A relação com os instrumentos também ajuda na recuperação de alguns pacientes, explica o médico. "Pessoas com dores neuropáticas, por exemplo, encontram uma fisioterapia ao tocar bateria, além de elevarem a auto-estima". Apesar da iniciativa ser reconhecida até mesmo fora do país, o projeto hoje sofre com falta de verba. Quem quiser ajudar, pode visitar a escolinha no horário da manhã.


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