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Contrastes urbanos Santo Amaro, dos mocambos aos prédios de luxo

Por: Maira Baracho - Diario de Pernambuco

Publicado em: 28/04/2015 12:00 Atualizado em: 28/04/2015 15:26

 

A história da ocupação do Recife explica: O Santo Amaro de contrastes, coabitado pela miséria e o luxo, não é efeito do acaso e desde quando o funcionamento do Porto do Recife impulsionava o crescimento da própria cidade, a área central da agora capital pernambucana já abrigava a desigualdade. Enquanto os bairros do Recife, São José, Santo Antônio e Boa Vista acolhiam a classe média da época e os principais serviços e instituições públicas, desde o início de sua ocupação, no início do século XIX, dormiam em Santo Amaro os operários e, consequentemente, a pobreza.


Mocambo construído à margem do Capibaribe, na Rua da Aurora, antes do processo de urbanização do Recife, que teve início nos anos 40. Foto: Arquivo DP/ D.A.Press
Mocambo construído à margem do Capibaribe, na Rua da Aurora, antes do processo de urbanização do Recife, que teve início nos anos 40. Foto: Arquivo DP/ D.A.Press

Os mocambos, como eram conhecidas as moradias que se acumulavam no bairro, ensaiavam os modelos precários de habitação que depois virariam um padrão da miséria no Brasil: Muitas pessoas dividindo o mesmo espaço, falta de infraestrutura e precariedade dos serviços públicos.

Na década de 1940, com o movimento que ficou conhecido como Serviço Social Contra o Mocambo, que tinha o objetivo de retirar do centro as moradias mais precárias com a construção de vilas populares nos morros da Zona Norte, centenas de famílias foram realocadas. Foi o início do processo de urbanização que, posteriormente, construiu casas de alvenaria, calçou e saneou parte do bairro.

Quando, no final do séxulo XX, a maior parte das atividades portuárias foram transferidas para Suape, boa parte das indústrias, atacados e comércios ligados ao porto também deixaram o centro, que passou então por um processo de esvaziamento. Por outro lado, a classe média deixava o eixo central da cidade e passava a ocupar as zonas Norte e Sul, levando consigo serviços, escolas e atividades de lazer. Esse evacuamento impôs ao centro suas repercussões sociais. Em Santo Amaro, galpões e comércios inativos criaram vazios urbanos e a desvalorização imobiliária tornou-se inevitável.


Futuro-presente

Nos anos 2000, com a criação do Porto Digital e a retomada das atividades turístico-culturais, o Bairro do Recife passou a experimentar outra dinâmica urbana, com maiores movimento e demanda. No restante do eixo central da cidade, como Boa Vista e Soledade, atividades educacionais e comécio popular garantiam movimentação. Em Santo Amaro era o recém-construído Shopping Tacaruna a principal atividade econômica. Foi quando o poder público passou a discutir ferramentas de incentivo para a reocupação do bairro.
Santo Amaro em perspectiva: Secretário de Planejamento Urbano planejamento, Antônio Alexandre, diz que é preciso repensar o planejamento com foco no equilíbrio. Foto: Debora Rosa/Esp. DP/D.A.Press
Santo Amaro em perspectiva: Secretário de Planejamento Urbano planejamento, Antônio Alexandre, diz que é preciso repensar o planejamento com foco no equilíbrio. Foto: Debora Rosa/Esp. DP/D.A.Press

Nas dicussões, a administração municipal elaborou duas medidas, aumentando o potencial construtivo no bairro e propondo incentivos tributários. Foi a partir daí – e motivadas pela localização privilegiada em relação aos corredores de transporte público – que chegaram ao bairro empresas de telemarketing, com cerca de 15 mil funcionários circulando diariamente, o que demandou novos serviços e provocou a atividade comercial no bairro.

Em 2004, os Diarios Associados chegaram à  Rua do Veiga e deram início ao que depois seria uma tendência de transformação da área em um polo de comunicação, atraindo também o Jornal do Commércio e, posterioremente, a Rede Globo, que se prepara para construir uma sede na Rua Capitão Lima e, em contrapartida, realizar intervenções viárias em seu entorno.


Com o aumento do potencial construtivo Santo Amaro passou a atrair também igrejas evangélicas, já conhecidas pelo grande público que atraem e por seus templos de grande porte. Em poucos anos, a Avenida Cruz Cabugá já se consolidou como polo religioso e recentemente a Assembleia de Deus também ampliou sua sede e se responsabilizou pelos custos da elaboração do Plano de Circulação para o bairro, já considerando a implantação do Sistema BRT, além de arcar com parte dos investimentos para parte da abertura da Rua da Fundição, até a Avenida Norte e da requalificação e adaptação das calçadas à Lei de Acessibilidade.  
Potencial construtivo do bairro atraiu empresas de comunicação, telemarketing e igrejas, a maioria delas, na Av. Cruz Cabugá, que se consolidou como polo religioso. Foto: Rodrigo Silva/Esp.DP/D.A Press
Potencial construtivo do bairro atraiu empresas de comunicação, telemarketing e igrejas, a maioria delas, na Av. Cruz Cabugá, que se consolidou como polo religioso. Foto: Rodrigo Silva/Esp.DP/D.A Press

Para o secretário de Planejamento Urbano do Recife, Antônio Alexandre, é necessário repensar o planejamento, com foco no equilíbrio. “Ao conceder potencial construtivo você pode ter uma forma de adensamento que seja adequada, que vai sobrecarregar e saturar a infraestrutura e pode comprometer elementos da qualidade urbana, seja a paisagem, ventilação ou a falta de espaços públicos, erros que podem acontecer se o projeto for orientado apenas pela motivação econômica”, explica.

Na Rua da Aurora, cinco prédios residenciais tiveram os projetos aprovados e na Vila Naval também existe a promessa de outros edifícios. Nesta quarta-feira, o Porto Digital inaugura, na Rua Capitão Lima, a aceleradora Jump Brasil, o primeiro empreendimento do parque tecnológico em Santo Amaro.

Para Antônio Alexandre, o desafio do poder público é conciliar estes investimentos privados com o financiamento de ações que garantam mais qualidade para os antigos moradores do bairro. “A ideia é que, ao conseguir atrair investimentos privados para uma área, parte seja destinada em benefício dos que já moram ali. Hoje você tem isso de forma frágil, mas busca-se conciliar porque você pode ter nessas áreas que atraem o mercado imobiliário serbvindo para que você capte recursos para investir nas áreas que precisam de maior atenção”, defende o secretário de Planejamento Urbano.

O beco onde Maria Pereira mora há 50 anos não passou pela urbanização. Para ela, cenário de precariedade se repete há décadas. Foto: Rodrigo Silva/ Esp. DP/D.A Press
O beco onde Maria Pereira mora há 50 anos não passou pela urbanização. Para ela, cenário de precariedade se repete há décadas. Foto: Rodrigo Silva/ Esp. DP/D.A Press

Maria Pereira Araújo tem 71 anos e há 50 - desde que trocou Natal pelo Recife - mora na Rua Lagoa Dourada, ou Beco da Tramways, como é conhecida. Em uma das poucas vias que ficou de fora da urbanização que calçou e saneou o bairro, os mocambos foram substituídos por casas de alvenaria, mas a precariedade ainda se revela no ar impregnado pelos dejetos das moradias não saneadas, que se concentram no meio da rua. Para Maria, o cenário não é muito diferente de décadas atrás. "Vim morar aqui antes mesmo de ficar viúva, foi nesse beco que criei meus cinco filhos. Sinceramente, aqui foi a vida toda assim", lembra.
 
Santo Amaro vive mais um capítulo do seu processo contínuo de transformação, impulsionado pela trajetória de sua ocupação, equilibrando-se nas desigualdades, dos mocambos aos prédios de luxo.

Na terceira matéria da série, o arquiteto e urbanista Milton Botler comenta o processo de transformação de Santo Amaro.



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