Competência Mulheres vencem o preconceito em profissões "de homem" Elas trabalham em ambientes de maioria masculina e, com profissionalismo e eficiência, lutam para afastar a imagem estereotipada do sexo frágil

Publicado em: 08/03/2015 09:00 Atualizado em: 07/03/2015 01:14

Ana Karina já foi agredida depois que expulsou um jogador, mas teve apoio para retomar a carreira. Fotos: Teresa Maia/DP/D.A Press
Ana Karina já foi agredida depois que expulsou um jogador, mas teve apoio para retomar a carreira. Fotos: Teresa Maia/DP/D.A Press
Um puxão de cabelo durante o jogo de estreia quase tirou a árbitra de futebol Ana Karina Marques da profissão. Já a encarregada de obras Edna Maria precisa de muito jogo de cintura para lidar com os olhares enviezados dos subordinados. Para atuar em locais onde a presença masculina é majoritária, profissionais do sexo feminino usam o profissionalismo para impor respeito e derrubar preconceitos, que chegam em forma de cantadas e piadas machistas.

“Lugar de mulher é na cozinha”, “era melhor que estivesse na praia.” Frases como essas ainda permeiam o cotidiano das profissionais. A árbitra Ana Karina conhece bem cada uma delas dentro de um cenário em que os ânimos estão sempre alterados. Ela já foi agredida depois que expulsou um jogador de campo. O apoio da família foi fundamental para que continuasse na atividade. “Pensei em desistir várias vezes. Mas surgia uma nova chance que não dava para rejeitar, e assim fui conquistando meu espaço”. Ela é uma das seis mulheres entre os 56 profissionais a integrar o quadro da Federação Pernambucana de Futebol. Também apita jogos da Fifa.

A imagem sensualizada da mulher é outro problema que as profissionais que atuam no futebol precisam lidar. Professora e autora do maior blog feminista do país, Escreva Lola Escreva, Dolores Aronovich acredita que a forma como a mídia trata mulheres que atuam em áreas tipicamente masculinas reforça os preconceitos. “Há sempre uma abordagem para a sensualidade da mulher, destacando características físicas. Isso não ajuda. Ela tem que ser olhada pela sua capacidade e eficiência”, ressalta.

Filha de mestre de obra, Edna Maria entrou na construção civil em 2000. No início, assumiu função administrativa, mas o empenho fez surgir novas oportunidades. Diariamente, ela lida com cerca de 30 homens nas obras que supervisiona. “Tive dificuldade em impor respeito e senti a resistência deles em receber ordem de uma mulher”, disse. “Mas eu boto moral. Se baixar a cabeça, já era”, afirma.
Edna entrou na construção civil em 2000 e hoje lida com até 30 homens nas obras
Edna entrou na construção civil em 2000 e hoje lida com até 30 homens nas obras

Edna comemora quase 15 anos na profissão. “Foi um desafio que eu encarei e venci”. A rotina de trabalho inclui orientações diárias a pedreiros, pintores, eletricistas. Uma troca de conhecimento constante. Karina, que também é bióloga, vez ou outra pensa em parar de arbitrar, mas conta com a força de outra mulher-menina, a filha Larissa, 15, que a estimula nos treinos. Graças a exemplos como a mãe, sua geração, espera-se, desfrutará de um cenário onde os postos de trabalho não mais servirão para perpetuar desigualdades de gênero.

Para o antropólogo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Parry Scott, a divisão de trabalho por gênero está relacionada à cultura patriarcal. “É um problema histórico, mas que apresenta avanços em diversos segmentos”, pontua. Scott acredita que ações como a criação da Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres, em 2003, contribuiram para a ascensão feminina no mercado de trabalho.

Avanços sem constrangimento
Helenilde supervisiona o trabalho de militares
Helenilde supervisiona o trabalho de militares
Nas forças militares, a presença feminina sempre ocorreu de maneira tímida, principalmente nas patentes mais altas. A Marinha foi a pioneira entre as Forças Armadas a admitir mulheres e a promovê-las a um dos postos mais altos da hierarquia, o de almirante. Apesar do protagonismo, elas ainda são minoria. Na Capitania dos Portos de Pernambuco, por exemplo, dos 180 militares apenas quatro são mulheres.

De meia calça fio médio, unhas cor de rosa e gloss, a 1ª tenente Helenilde Gomes usa uma voz imperativa para falar com seus subordinados. Ela é encarregada da Divisão de Inspeção Naval e Vistoria e é responsável por orientar e supervisionar o trabalho dos militares que atuam na fiscalização das embarcações. Na sua rotina de trabalho, onde lida apenas com homens, a formalidade típica do ambiente militar não dá muita brecha para situações de assédio. “Nunca me senti constrangida ou desrespeitada”, assegura ela.

Embora haja avanços, apenas no ano passado a escola e o colégio naval passaram a aceitar mulheres. Mesmo assim, elas ainda não podem assumir funções no quadro da Armada voltadas ao comando de embarcações. Depois de formadas, o caminho é o quadro da Intendência, onde assumem postos administrativos.

Segundo o antropólogo da UFPE Parry Scott, instituições tradicionais costumam citar fatores biológicos para justificar construções sociais. “A mulher pode assumir a função que quiser, desde que consiga se adequar às exigências do cargo com eficiência. Ela não tem de ser comparada ao homem porque não quer ser igual a ele. Só precisa ter acesso às mesmas oportunidades.”

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