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Cidadão Repórter Ibura, zona sul distante de Boa Viagem Populoso, dividido e carente, bairro contrasta com a riqueza do vizinho nobre, mas sobrevive a problemas comuns ao Recife

Por: Mike Torres - Diario de Pernambuco

Publicado em: 31/03/2015 12:10 Atualizado em: 23/11/2015 18:52

Localizado numa região de morros e ladeiras, bairro do Ibura possuía em 2010, de acordo com o censo do IBGE, 50.617 habitantes e o menor IDH da capital pernambucana. (Foto: Rodrigo Silva/ Esp. DP/ D.A.Press)
Localizado numa região de morros e ladeiras, bairro do Ibura possuía em 2010, de acordo com o censo do IBGE, 50.617 habitantes e o menor IDH da capital pernambucana. (Foto: Rodrigo Silva/ Esp. DP/ D.A.Press)

Terceiro maior bairro do Recife, o Ibura ("água que arrebenta", ou "nascente de água", em tupi) é intimamente ligado às águas desde antes de sua fundação. Suas 21 vilas - entre elas, as famosas Unidades Residenciais (URs) - foram construídas pela COHAB para abrigar moradores afetados principalmente pela cheia que atingiu a cidade em 1966.

Localizado numa região recheada geograficamente por morros e ladeiras, o Ibura passa por muitas dificuldades. Os alagamentos são constantes nos períodos chuvosos e a população, morando em uma estrutura deficiente, sofre com lama, doenças, transbordamento de canais e deslizamentos.

O censo de 2010, de acordo com o IBGE, indica que a região possui 50.617 habitantes, um território de 1.125,3 hectares e o menor IDH da capital pernambucana, com um índice de 0,732. Indo além dos números, esta realidade se confirma. É realmente um bairro pobre, com muitas carências. Uma mistura de subúrbio emergente e invasões com saneamento básico quase inexistente.

Apesar disso, um olhar mais apurado, principalmente de quem já conhece há algum tempo o Ibura, pode enxergar um bairro acima dos problemas, tão comuns a tantas comunidades brasileiras. "Moro aqui há 33 anos, meu filho. Mesmo a violência tendo aumentado, minha situação financeira melhorou um pouco", diz a comerciante que preferiu se identificar como Dona Carminha da 'Parada do Lanche', lanchonete criada há 25 anos e que ficou conhecida na U.R. 05.

"Moro aqui porque não posso ir para um bairro melhor. É ruim aqui [a estrutura], dá pra ver, mas a gente vai levando", afirma a sorridente Dona Carminha, enquanto atendia um fornecedor. Ela diz que paga corretamente todos os impostos e que esperava que as obras da Academia da Cidade, da Upinha 24h e da creche municipal, próximas à sua lanchonete, ficassem prontas no prazo certo. "Faz três anos que isso tudo tá aí parado. Era pra ser uma área de lazer para nossas crianças e saúde pro povo, mas até agora nada de terminar", lamenta.

O balconista Jadeílson Barbosa, 22 anos, responsável pelo atendimento em uma farmácia em frente à futura Academia da Cidade, conta que o esqueleto da obra serve para outros propósitos. "A iluminação ficou muito ruim por causa dessa obra. Aqueles muros ali, ó... o pessoal de madrugada se esconde pra consumir drogas e fazer sexo. Acontece de tudo e ninguém toma uma atitude", inconforma-se o rapaz.

Alagamentos são constantes nos períodos chuvosos e a população, morando em uma estrutura deficiente, sofre com transbordamento de canais e deslizamentos. (Foto: Rodrigo Silva/ Esp. DP/ D.A.Press)
Alagamentos são constantes nos períodos chuvosos e a população, morando em uma estrutura deficiente, sofre com transbordamento de canais e deslizamentos. (Foto: Rodrigo Silva/ Esp. DP/ D.A.Press)


A praça da Boko-Moko, uma quadra localizada no centro da U.R. 05, tem história para contar. Sentado numa mesinha utilizada pelos moradores para jogar dama e xadrez, o aposentado Severino José de Melo, 69 anos, esperava o horário de largada da neta da escola municipal que fica em frente à praça.

Ele mora ali pertinho, na U.R. 10, e conta que a Boko-Moko já foi palco de duelos épicos, dignos de histórias das épocas medievais. Ao mesmo tempo, porém, eram o oposto das antigas intrigas palacianas. As batalhas eram pacíficas, artísticas, dançantes. Em época de São João, as quadrilhas juninas disputavam o título em um páreo duro. "Essas ruas se enchiam de gente fantasiada, som alto, barraquinhas, era tudo muito bonito", relembra, nostálgico, enquanto a neta chega e afaga sua mão.

Os concursos de quadrilhas juninas foram, pouco a pouco, sendo deixados de lado para dar lugar quase exclusivo aos esportes. A quadra foi reformada em 2005, durante o mandato do então prefeito João Paulo. O piso foi renovado, foram adicionadas traves de futsal e cestas de basquete, além de ser possível fincar barras de ferro para redes de vôlei.

A reforma foi recebida com festa pelos moradores na época. Contudo, a alegria durou apenas alguns anos. O abandono das gestões seguintes deixou a quadra em péssimo estado. O piso é cheio de buracos, as barras e as cestas não têm mais redes e as proteções estão cheias de remendos feitos com arames e cordas pelos próprios moradores.

Em meio a esse desprezado cenário, aparecem Gabriel Kayk, 13 anos, e seus amigos para jogar futebol antes do horário de entrada na escola. Franzino, pernas cheias de cicatrizes e rosto suado, Gabriel sai um pouco da pelada para conversar com a reportagem. "Neymar, né? Quero um dia jogar com ele", responde prontamente, quando questionado sobre seu ídolo no futebol. Os olhos brilham quando ele fala no atacante do Barcelona. "Eu sou meia-atacante, mas gosto de chegar pelas pontas, driblar e fazer gols também, que nem ele", conta, empolgado.

Apesar do abandono na manutenção da quadra, garotos aproveitam as horas de lazer com as peladas: "Os amigos estão todos aqui, não é totalmente ruim", diz Gabriel Kayk, 13 anos.  (Foto: Rodrigo Silva/ Esp. DP/ D.A.Press)
Apesar do abandono na manutenção da quadra, garotos aproveitam as horas de lazer com as peladas: "Os amigos estão todos aqui, não é totalmente ruim", diz Gabriel Kayk, 13 anos. (Foto: Rodrigo Silva/ Esp. DP/ D.A.Press)


Gabriel mostra também um olhar crítico sobre o bairro em que mora. "Quero me tornar jogador para mudar de vida. O Ibura não oferece condições legais pra gente. Quero sair daqui logo". Ainda assim, lista pontos positivos. "O legal daqui é que a gente já conhece tudo... os amigos estão todos aqui, a gente joga bola, não é totalmente ruim".

Não é totalmente ruim, de fato. Dona Carminha, Jadeílson, seu Severino e Gabriel são apenas alguns personagens de um enredo emaranhado. A distância para os pontos mais desenvolvidos da cidade é um problema grande. As cheias, a violência, a carência, também. Entretanto, o sorriso não se apaga por completo de seus rostos. Mantêm-se esperançosos por uma mudança mais permanente, diferente das medidas paliativas - nem sempre constantes - tomadas pelos governantes. "Mas os moradores precisam se educar também! Lixo na rua causa alagamento", ensina uma cliente, que interfere perdoavelmente na entrevista com dona Carminha, na lanchonete.

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