A vida sem vizinhos no Centro
Duas únicas famílias residem em dois grandes edifícios da Dantas Barreto, que ilustram a decadência da região
Publicado: 06/03/2015 às 10:08
Lourdes já foi síndica do AIP e mora no prédio desde 1995. Lamenta a situação de abandono do imóvel(Bernardo Dantas)
Doze andares separam a corretora Rita (nome fictício), 55 anos, do frenético comércio ambulante da Dantas Barreto, em Santo Antônio. Há cinco anos, ela transformou quatro salas comerciais do edifício Inalmar numa ampla residência. Longe do asfalto, goza de uma tranquilidade apenas possível a quem não tem vizinhos. A presença dela humaniza um prédio onde mais ninguém mora e 50% das salas comerciais estão fechadas, denunciando a decadência típica de parte da área central.
Quando comprou as salas do 12º andar, Rita tinha planos comerciais. “Mas os elevadores pararam de funcionar e desisti de abrir escritório”. Na época, ela vendeu sua casa na Estância, que tinha problemas estruturais, e se mudou com o filho para o Inalmar, onde não recebe visita nem do entregador de água. “Ninguém quer subir 12 andares a pé.”
A vizinha mais próxima é Lourdes Sampaio, 60, que ja foi síndica do edifício Associação da Imprensa de Pernambuco (AIP), contíguo ao Inalmar. Dos 14 andares, só os quatro primeiros funcionam. Figura popular na Dantas Barreto, dona de um fiteiro-café aberto 24 horas, ela fez do prédio sua moradia em 1995, mas trabalha em frente desde 19850. Já viveu no quinto andar e agora está no segundo, com o companheiro. Os elevadores do prédio estão parados há mais de 10 anos. Mas nem isso foi capaz dedespejá-la do prédio.
Com recursos próprios, Lourdes realizou diversos reparos na estrutura. Apesar da fama de brava, chora quando fala da degradação do lugar. “Esse prédio é lindíssimo e tem história. Deveria ser visto como patrimônio. Você olha lá de cima e vê um belo cartão postal.” Quatro anos após a desapropriação pelo governo do estado para criar um memorial da imprensa, o prédio aguarda a requalificaçã, que ainda não tem data para acontecer.
O uso residencial de edifícios comerciais em áreas decadentes seria uma alternativa ao esvaziamento, segundo o professor de Arquitetura e Urbanismo da UFPE, Geraldo Marinho. “A criação de prédios de uso misto favorece a dinamização das atividades e dá vitalidade à área”, explica.
Devolver essa vitalidade a Santo Antônio e São José são desafios. Em 2008, a prefeitura aprovou a lei 17.488, que criou incentivos para requalificar as duas áreas. O instrumento prevê insenção do IPTU por 10 anos para empresas que recuperem imóveis. Outra questão é a especulação imobiliária, que a prefeitura tenta minimizar com IPTU Progressivo, que aumenta gradativamente o imposto para imóveis subutilizados.
“Depois de cinco anos, o valor ultrapassa o do imóvel e a prefeitura pode dar início à desapropriação”, explica o secretário de Desenvolvimento e Planejamento Urbano, Antônio Alexandre.
Lourdes, que viveu os dias de glória do prédio, endereço concorrido na década de 1970, também conheceu a dor mais profunda lá, quando seu filho caçula caiu do 14º andar numa madrugada de 2002. Após a perda, pensou em se mudar. Fechou o comércio por dois meses, mas seguiu em frente, por sobrevivência própria e do “seu” estimado prédio.
O Centro precisa de vidaO AIP foi cenário da adolescência dos três filhos de Lourdes. “Eles não gostavam muito de morar aqui, mas é perto do meu comércio e não perco tempo com deslocamento”. O que maior incômodo, segundo ela, é o barulho dos bares. Mas sente-se segura e está próxima a locais estratégicos como o Mercado São José, onde faz feira. Para ela, que não sabe até quando fica por lá, os fins de semana trazem tranquilidade. "Isso aqui é uma maravilha. Eu gosto demais de ficar olhando a rua pela janela".
Apesar da falta de estrutura do Inalmar, Rita também não pensa em mudar de endereço. “Aqui, resolvo tudo o que preciso”, resume. No andar onde mora, não há salas funcionando. Ela aprecia o silêncio e também não quer se mudar.
Segundo o professor da UFPE Geraldo Marinho, as facilidades enumeradas pelas duas moradoras exemplicam as vantagens de incentivar o uso residencial do centro. “O tipo de uso do espaço é quem vai determinar a sua vitalidade. Os gestores públicos precisam criar estratégias para lidar e superar o esvaziamento promovendo a dinamização de espaços degradados e atraindo mais pessoas para essas áreas”, defende.
A falta de função dos imóveis contribue para a degeneração da paisagem urbana, além de representar um desperdício da infraestrutura existente (água, energia) e ameçar a memória arquitetônica da cidade.
Promover a reocupação, no entanto, pode gerar outro tipo de problema: a gentrificação. “É um processo de revitalização que pode ser um sucesso do ponto de vista comercial, mas pode expulsar pessoas de baixa renda que vivenciaram a área no período de declínio”, explica. Por isso, conclui, a renovação dos espaços deve ser implementada de forma cautelosa e colocando o bem estar das pessoas em primeiro plano.

