Nota Pernambucana é exemplo de superação na temida redação do Enem

Publicado em: 17/01/2015 16:00 Atualizado em:

Misma, que quase desistiu dos estudos após a morte da mãe, tirou nota 980 em redação, na quarta vez que prestou as provas do Enem. Foto: Paulo Paiva/DP/D.A Press
Misma, que quase desistiu dos estudos após a morte da mãe, tirou nota 980 em redação, na quarta vez que prestou as provas do Enem. Foto: Paulo Paiva/DP/D.A Press

Tiago Cisneiros

Especial para o Diario


Coloque-se nesta situação: você está tentando, pelo quarto ano consecutivo, uma vaga na universidade, quando, finalmente, chega o dia de saber o resultado na prova que definirá o seu futuro. À tarde, descobre que 529 mil dos 6,19 milhões de candidatos do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) tiraram nota zero na redação, considerada um “divisor de águas” nos processos seletivos. E, apenas à noite, vê que atingiu a pontuação 980, em um máximo de 1.000 (obtido por somente 250 pessoas em todo o país).

Consegue imaginar o seu sentimento? Multiplique-o e, talvez, você compreenda o que se passou pela cabeça de Misma Lucena, pernambucana de 20 anos que perdeu a mãe quando estava prestes a concluir o ensino médio na rede pública, mas encontrou forças para dar a volta por cima e lutar por uma vida melhor.

Moradora de São Lourenço da Mata, na Região Metropolitana do Recife, Misma pretende estudar biomedicina ou odontologia e, apesar da nota em redação, ainda não está convicta de que conquistará o objetivo. Caso não seja desta vez, já avisou: “Mesmo que eu passe em algo que não quero, vou continuar estudando no ano que vem, para minha área”. Decisão semelhante à da irmã, Mizraim, 21, que foi aprovada em quatro vestibulares em 2014, começou a cursar ciências biológicas na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), mas manteve o foco no Enem, em nome do sonho de fazer medicina. “Quero ser médica desde a infância. Não é só pelo salário, mas pelo amor que tenho de querer cuidar e ajudar as pessoas”, diz a jovem, que não espera alcançar a meta desta vez, mas já começou a planejar os estudos nos próximos meses.

Os bons resultados e a persistência de ambas explicam-se, em grande parte, pelo apoio e pelo estímulo que o pai, o vigilante Edvaldo José, continuou oferecendo às meninas, mesmo após a morte inesperada da esposa, Maria do Carmo, por infecção generalizada, em agosto de 2011. Na época, Misma estava prestes a concluir o terceiro ano do ensino médio, mas, com a perda da mãe, desistiu de continuar lutando pelo futuro profissional.

“Não quis mais saber de nada. Muita gente me incentivou a retornar aos estudos, mas eu não conseguia. Ia para a aula, mas ficava chorando no fundo da sala. No vestibular para administração, levei ponto de corte”, lembra. “Depois, caiu a ficha, para mim e para minha irmã, que precisávamos estudar, porque era o nosso futuro em jogo. Além disso, era o que nossa mãe mais queria, foi na nossa formação que ela mais investiu.”

Para honrar esse desejo materno, Misma não mediu esforços em 2014. Saía de casa cedo e só retornava à meia-noite, depois do pré-vestibular gratuito Portal UFPE. A tarde era dedicada a um cursinho particular e as manhãs de segunda e quarta-feira a outro. Em ambos, ela e Mizraim conseguiram bolsas de estudo. As irmãs, aliás, também se prepararam juntas fora da sala de aula.

O estudo individual (ou em dupla), muitas vezes, entrava pela madrugada, um dos poucos horários que restavam na rotina tão intensa, quanto compensadora. “Sinto que valeu a pena todo o esforço e que é muito importante não desistir do seu sonho. Sempre vai existir gente disposta a lhe colocar para a frente. Por isso, agradeço muito a Deus, mas também aos meus professores e monitores”, diz a futura biomédica. Ou seria odontóloga? A julgar pela redação do Enem, está chegando a hora de Misma decidir...



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