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Entrevista
Entrevista: O futuro do jornalismo
Jornalista Ward H. Bushee III conta detalhes sobre sua trajetória e opina sobre o presente e o futuro do jornalismo
Publicado: 18/01/2016 às 07:47
Editor do San Francisco Chronicle (SFC) de 2008 a 2013, quando se aposentou, Ward H. Bushee III, 66, acredita no jornalismo como forma de construção da sociedade. Foi com a certeza de que deixaria o emprego caso fosse impedido de publicar “a coisa certa” que saiu de um pequeno jornal em Watsonville, Califórnia, e chegou ao topo do maior periódico do estado, com circulação de 350 mil exemplares diários.
Em 1982, Bushee integrou a equipe que criou o USA Today, um jornal nacional graficamente inovador, que se tornaria um dos mais lidos do país. Para exercer a profissão, aprendeu a trabalhar com tecnologias que mudavam cada vez mais rapidamente. Assistiu à migração dos leitores do jornal impresso para a internet sufocar as finanças dos jornais, que perdiam aos poucos qualidade e alcance. Apesar disso, acredita que a notícia em papel nunca vai acabar.
Atualmente, está engajado no projeto Hearst Fellowship, que ensina a prática jornalística aos jovens que se interessam pela profissão através de um programa de dois anos. Bushee recebeu o Diario de Pernambuco no dia 6 de janeiro em San Francico, na Califórnia, para uma entrevista exclusiva na qual contou detalhes sobre sua trajetória e opinou sobre o presente e o futuro do jornalismo.
Gostaria que você falasse um pouco sobre a sua trajetória dentro do jornalismo.
Eu tive uma carreira tremendamente interessante e divertida. Sim, divertida, porque estive trabalhando em quase todos os níveis de jornalismo possíveis. Meu pai foi editor do mesmo jornal na Califórnia por 42 anos. Eu cresci na redação e, ao mesmo tempo, lembro da mesa de jantar da minha casa estar cheia de repórteres que trabalhavam com ele – ou para ele. Eles estavam sempre falando das histórias sobre as quais estavam escrevendo. Eu era muito interessado e apaixonado por aquilo tudo. E era um jornal pequeno, com circulação diária de 12 mil exemplares. Mas que, mesmo assim, fazia um jornalismo excelente. Em 1956, eles realizaram um trabalho investigativo que venceu o mais proeminente prêmio do jornalismo norte-americano. Então, fui sendo inspirado por eles enquanto ia crescendo. Fui para a faculdade, me graduei em História e voltei para começar a trabalhar com meu pai por meio período. E aí comecei a me virar sozinho. Mudei de casa 13 ou 14 vezes na minha carreira. De jornais locais até aqueles como o USA Today, onde tive a experiência fabulosa de começar um jornal do começo. Todos éramos jovens jornalistas com menos de 30 anos, 35 no máximo.
Como o USA Today conseguiu ter tanto sucesso?
Houve muitas razões para o USA Today ter se tornado um sucesso tão grande. Primeiro, o fato de os norte-americanos não terem um jornal nacional disponível. Apenas havia o New York Times e o Wall Street Journal. E era muito bem vendido, com uma logística que permitia que estivéssemos sendo vendidos em todos os lugares. Nos tornamos ubíquos, onipresentes. As pessoas nos encontravam onde quer que fossem. Por outro lado, éramos únicos e o jornalismo estava se tornando mais divertido com a gente, com histórias curtas e fotos coloridas. Foi o primeiro jornal a ter fotos coloridas e gráficos em todas as páginas. Fazíamos um ótimo trabalho na cobertura de esportes e de economia. Com o tempo, nos tornamos um jornal de cobertura política e, por fim, tínhamos um jeito singular de cobrir cultura pop e entretenimento.
Como era a atmosfera de uma redação na época que você começou a trabalhar com jornalismo?
Comecei a trabalhar como jornalista há 40 anos, eu acho. E vi muitos graus diferentes de tecnologia desde então. Quando meu pai estava no jornal, ele precisva utilizar um processo rústico e incrivelmente longo. Quando eu comecei, o processo já tinha evoluído, mas ainda era extremamente diferente do que é hoje. Escrevíamos à máquina em fitas e as colávamos em um papel, onde víamos a matéria sendo formada. Nós fabricávamos cada página. Mas, claro, computadores mudaram tudo e continuam a mudar hoje em dia. O engraçado disso é que o jornalismo não mudou. O processo básico continua o mesmo: nós temos que fazer o melhor possível para contar uma história da maneira mais precisa e honesta. Isso não mudou muito, não deve mudar.
Como foi sua experiência como editor do San Francisco Chronicle (SFC) no fim dos anos 2000? Como lidou com a interação necessária entre as edições online e impressa?
O SFC está completando 150 anos em 2016. E sua circulação, assim como a da maioria dos jornais norte-americanos, está declinando ao longo do tempo porque as pessoas estão migrando para a internet. É a edição digital crescendo. Acredito que a circulação hoje está em cerca de 220 mil cópias por dia, mas não posso ter certeza porque não é um número público. Quando saí de lá, em 2013, era de 350 mil. As escolhas do que vai ser impresso na edição do dia seguinte são uma evolução ininterrupta. Eu só posso falar do eu estava lá, mas acredito que a transformação seja ensinar os jornalistas a serem jornalistas 24h, sete dias por semana. Eles devem estar sempre produzindo ou adquirindo o conhecimento de algo que deve ser produzido. Antigamente, as pessoas podiam trabalhar em matérias durante dias e o ciclo de uma notícia era muito bem definido. Em uma reunião formalizava-se o que o jornal do dia seguinte seria. Era um passo atrás do outro, e eles levavam à edição impressa. Hoje é diferente. No momento em que os leitores recebem e pegam o jornal em suas casas, em cima do capacho em frente à porta, muitas histórias já se desenvolveram porque o deadline da impressão não é o final do ciclo. Ou seja, estamos constantemente atualizando as notícias, preparando-as e empacotando tudo para ser impresso, embora muito do que é mostrado online não chegue a ser impresso.
Você disse uma vez que o jornal impresso não iria acabar. Mas aqui em São Francisco vi as livrarias fechando. Você ainda acha que o papel vai sobreviver?
É uma boa observação porque São Francisco é a cidade americana em que as pessoas mais leem livros e, mesmo assim, as livrarias estão lutando muito para se manterem vivas. Há pessoas que compram porque sabem que é importante que a livraria esteja ali, mas no fim compram mais barato a versão digital na internet. Por outro lado, tem aquele sentimento incomparável de entrar numa livraria e escolher um livro do qual você nunca ouviu falar e que lhe surpreende. Um livro da prateleira, que é totalmente diferente das compras pela internet. Muitas pessoas sentem o compromisso de frequentar uma livraria para que elas continuem a existir. Da mesma forma, continuam a comprar o jornal impresso porque acreditam ser importante para a comunidade que ele continue a ser publicado. É uma atitude de compromisso com um ente que as pessoas julgam dever existir.
Há diferentes modelos de jornalismo, com regulamentação em vários países. Como funciona essa questão nos Estados Unidos?
É um choque de realidade quando pessoas de países como China e Rússia, onde a mídia é regulada, chegam aqui nos Estados Unidos. Aqui nós simplesmente colocamos a caneta no papel. Vemos muito atrito quando os conservadores falam em ter uma televisão pública como acontece na Inglaterra, com a BBC. E isso mostra como os norte-americanos são sensíveis em relação a qualquer ameaça de intrusão no mercado livre da comunicação. É preciso dizer, contudo, que o modelo vem mudando de vinte anos para cá. Antes, você tinha sua mídia local e isso era tudo. Hoje há tanta informação que você não sabe o que é de credibilidade e o que não é.
Qual o equilíbrio ideal entre o jornalismo sério, objetivo e aquele sensacionalista?
Há audiências diferentes, que precisam receber diferentes tipos de jornal. Pode ser genial criar um periódico muito sério se você está cercado de tabloides sensacionalistas que focam apenas em sexo e esportes. Aqui nos Estados Unidos, o sensacionalismo não é muito difundido como é na Inglaterra, porque ele não seria tolerado. Este não é um país do “jornalismo tablóide'”, como ele surgiu na Inglaterra. O jornalismo norte-americano tende a ser muito sério, vinculado a um conjunto de princípios sobre o modo correto de lidar com a notícia. Existe um certo “autopoliciamento”. Talvez isso tenha a ver com a nossa tradição no qual um jornalista assina uma declaração de boas práticas quando entra num jornal. Muitos jornais seguem essa política de práticas justas, de fazer o melhor para buscar a verdade, checar que a notícia seja apurada, que não seja influenciada por ninguém que esteja pagando por ela. O jornal, contudo, pode mudar junto com seus novos donos. Não sabemos se eles vão tentar vender os jornais individualmente ou espremer o quanto conseguem para fazer o lucro que der enquanto há tempo. Mesmo assim, no SFC, por exemplo, nunca tentaram influenciar o que eu iria publicar.
O que essas declarações assinadas pelos jornalistas contêm exatamente?
Nelas, eles garantem que vão checar se as informações escritas estão corretas e que não serão influenciados por fatores externos, por exemplo. Ao mesmo tempo, têm o direito de não revelar a fonte de suas informações. Na Justiça eles podem ser forçados a isso, mas alguns podem ser condenados e vão para a prisão, sem revelar as fontes. Um jornalista premiado do Cincinnati Enquirer, onde trabalhei no começo dos anos 2000, por exemplo, foi preso porque não revelou a fonte que denunciava uma empresa multinacional da cidade. A companhia processou o jornal, que foi obrigado a pagar US$ 14 milhões, mas não disse a fonte. Tudo por causa de fontes não-reveladas que não foram inteiramente checadas pelo jornalista.
Os jornalistas devem levar em consideração as necessidades da empresa ou somente as do leitor?
Os donos do jornal e os editores precisam compartilhar os mesmos valores do que é ou não notícia. Precisam ter um entendimento de que o objetivo comum de um jornal deve ser fazer a coisa certa em relação aos leitores, mesmo que seja doloroso. Eu acho que os jornais norte-norte-americanos estão fazendo um trabalho o.k. em relação a isso, o que pode trazer situações desconfortáveis. Um editor precisa estar pronto para deixar seu emprego se esbarrar em uma situação na qual não pode publicar aquilo que tem o dever de mostrar. Muitos já fizeram isso. A razão pela qual você está neste negócio são os seus princípios. Se você os perde, não está fazendo o que deveria.
Como balancear o modelo de jornalismo profissional e baseado em princípios com as tendências de crescente envolvimento de grandes grupos econômicos com o controle acionário dos jornais?
Não tenho visto muitos exemplos de interferências que tenham reduzido a autonomia e a aplicação dos princípios de objetividade na produção dos conteúdos. O caso do SFC é emblemático, mesmo depois da sua aquisição pelo Grupo Hearst.
Qual o equilíbrio ideal entre os diferentes modelos de jornalismo?
Jornalismo é estar lá quando as coisas acontecem. Publicar esse tipo de matéria é nossa missão primária. Cobrir o que estão fazendo as pessoas que tomam decisões importantes para nossa vida, para a comunidade. Como eles estão gastando o nosso dinheiro? Precisamos ser um cão de guarda e ajudar a sociedade a exercer vigilância em relação a isso. Depois vem o resto, que certamente é esperado pelo leitor. Ele quer saber o horário do jogo do time dele e outras informações úteis para sua vida cotidiana. Também é muito importante que o jornal tenha colunistas, que tragam análises e olhares diferentes sobre os temas importantes para a comunidade, a cidade.
Em 1982, Bushee integrou a equipe que criou o USA Today, um jornal nacional graficamente inovador, que se tornaria um dos mais lidos do país. Para exercer a profissão, aprendeu a trabalhar com tecnologias que mudavam cada vez mais rapidamente. Assistiu à migração dos leitores do jornal impresso para a internet sufocar as finanças dos jornais, que perdiam aos poucos qualidade e alcance. Apesar disso, acredita que a notícia em papel nunca vai acabar.
Atualmente, está engajado no projeto Hearst Fellowship, que ensina a prática jornalística aos jovens que se interessam pela profissão através de um programa de dois anos. Bushee recebeu o Diario de Pernambuco no dia 6 de janeiro em San Francico, na Califórnia, para uma entrevista exclusiva na qual contou detalhes sobre sua trajetória e opinou sobre o presente e o futuro do jornalismo.
Gostaria que você falasse um pouco sobre a sua trajetória dentro do jornalismo.
Eu tive uma carreira tremendamente interessante e divertida. Sim, divertida, porque estive trabalhando em quase todos os níveis de jornalismo possíveis. Meu pai foi editor do mesmo jornal na Califórnia por 42 anos. Eu cresci na redação e, ao mesmo tempo, lembro da mesa de jantar da minha casa estar cheia de repórteres que trabalhavam com ele – ou para ele. Eles estavam sempre falando das histórias sobre as quais estavam escrevendo. Eu era muito interessado e apaixonado por aquilo tudo. E era um jornal pequeno, com circulação diária de 12 mil exemplares. Mas que, mesmo assim, fazia um jornalismo excelente. Em 1956, eles realizaram um trabalho investigativo que venceu o mais proeminente prêmio do jornalismo norte-americano. Então, fui sendo inspirado por eles enquanto ia crescendo. Fui para a faculdade, me graduei em História e voltei para começar a trabalhar com meu pai por meio período. E aí comecei a me virar sozinho. Mudei de casa 13 ou 14 vezes na minha carreira. De jornais locais até aqueles como o USA Today, onde tive a experiência fabulosa de começar um jornal do começo. Todos éramos jovens jornalistas com menos de 30 anos, 35 no máximo.
Como o USA Today conseguiu ter tanto sucesso?
Houve muitas razões para o USA Today ter se tornado um sucesso tão grande. Primeiro, o fato de os norte-americanos não terem um jornal nacional disponível. Apenas havia o New York Times e o Wall Street Journal. E era muito bem vendido, com uma logística que permitia que estivéssemos sendo vendidos em todos os lugares. Nos tornamos ubíquos, onipresentes. As pessoas nos encontravam onde quer que fossem. Por outro lado, éramos únicos e o jornalismo estava se tornando mais divertido com a gente, com histórias curtas e fotos coloridas. Foi o primeiro jornal a ter fotos coloridas e gráficos em todas as páginas. Fazíamos um ótimo trabalho na cobertura de esportes e de economia. Com o tempo, nos tornamos um jornal de cobertura política e, por fim, tínhamos um jeito singular de cobrir cultura pop e entretenimento.
Como era a atmosfera de uma redação na época que você começou a trabalhar com jornalismo?
Comecei a trabalhar como jornalista há 40 anos, eu acho. E vi muitos graus diferentes de tecnologia desde então. Quando meu pai estava no jornal, ele precisva utilizar um processo rústico e incrivelmente longo. Quando eu comecei, o processo já tinha evoluído, mas ainda era extremamente diferente do que é hoje. Escrevíamos à máquina em fitas e as colávamos em um papel, onde víamos a matéria sendo formada. Nós fabricávamos cada página. Mas, claro, computadores mudaram tudo e continuam a mudar hoje em dia. O engraçado disso é que o jornalismo não mudou. O processo básico continua o mesmo: nós temos que fazer o melhor possível para contar uma história da maneira mais precisa e honesta. Isso não mudou muito, não deve mudar.
Como foi sua experiência como editor do San Francisco Chronicle (SFC) no fim dos anos 2000? Como lidou com a interação necessária entre as edições online e impressa?
O SFC está completando 150 anos em 2016. E sua circulação, assim como a da maioria dos jornais norte-americanos, está declinando ao longo do tempo porque as pessoas estão migrando para a internet. É a edição digital crescendo. Acredito que a circulação hoje está em cerca de 220 mil cópias por dia, mas não posso ter certeza porque não é um número público. Quando saí de lá, em 2013, era de 350 mil. As escolhas do que vai ser impresso na edição do dia seguinte são uma evolução ininterrupta. Eu só posso falar do eu estava lá, mas acredito que a transformação seja ensinar os jornalistas a serem jornalistas 24h, sete dias por semana. Eles devem estar sempre produzindo ou adquirindo o conhecimento de algo que deve ser produzido. Antigamente, as pessoas podiam trabalhar em matérias durante dias e o ciclo de uma notícia era muito bem definido. Em uma reunião formalizava-se o que o jornal do dia seguinte seria. Era um passo atrás do outro, e eles levavam à edição impressa. Hoje é diferente. No momento em que os leitores recebem e pegam o jornal em suas casas, em cima do capacho em frente à porta, muitas histórias já se desenvolveram porque o deadline da impressão não é o final do ciclo. Ou seja, estamos constantemente atualizando as notícias, preparando-as e empacotando tudo para ser impresso, embora muito do que é mostrado online não chegue a ser impresso.
Você disse uma vez que o jornal impresso não iria acabar. Mas aqui em São Francisco vi as livrarias fechando. Você ainda acha que o papel vai sobreviver?
É uma boa observação porque São Francisco é a cidade americana em que as pessoas mais leem livros e, mesmo assim, as livrarias estão lutando muito para se manterem vivas. Há pessoas que compram porque sabem que é importante que a livraria esteja ali, mas no fim compram mais barato a versão digital na internet. Por outro lado, tem aquele sentimento incomparável de entrar numa livraria e escolher um livro do qual você nunca ouviu falar e que lhe surpreende. Um livro da prateleira, que é totalmente diferente das compras pela internet. Muitas pessoas sentem o compromisso de frequentar uma livraria para que elas continuem a existir. Da mesma forma, continuam a comprar o jornal impresso porque acreditam ser importante para a comunidade que ele continue a ser publicado. É uma atitude de compromisso com um ente que as pessoas julgam dever existir.
Há diferentes modelos de jornalismo, com regulamentação em vários países. Como funciona essa questão nos Estados Unidos?
É um choque de realidade quando pessoas de países como China e Rússia, onde a mídia é regulada, chegam aqui nos Estados Unidos. Aqui nós simplesmente colocamos a caneta no papel. Vemos muito atrito quando os conservadores falam em ter uma televisão pública como acontece na Inglaterra, com a BBC. E isso mostra como os norte-americanos são sensíveis em relação a qualquer ameaça de intrusão no mercado livre da comunicação. É preciso dizer, contudo, que o modelo vem mudando de vinte anos para cá. Antes, você tinha sua mídia local e isso era tudo. Hoje há tanta informação que você não sabe o que é de credibilidade e o que não é.
Qual o equilíbrio ideal entre o jornalismo sério, objetivo e aquele sensacionalista?
Há audiências diferentes, que precisam receber diferentes tipos de jornal. Pode ser genial criar um periódico muito sério se você está cercado de tabloides sensacionalistas que focam apenas em sexo e esportes. Aqui nos Estados Unidos, o sensacionalismo não é muito difundido como é na Inglaterra, porque ele não seria tolerado. Este não é um país do “jornalismo tablóide'”, como ele surgiu na Inglaterra. O jornalismo norte-americano tende a ser muito sério, vinculado a um conjunto de princípios sobre o modo correto de lidar com a notícia. Existe um certo “autopoliciamento”. Talvez isso tenha a ver com a nossa tradição no qual um jornalista assina uma declaração de boas práticas quando entra num jornal. Muitos jornais seguem essa política de práticas justas, de fazer o melhor para buscar a verdade, checar que a notícia seja apurada, que não seja influenciada por ninguém que esteja pagando por ela. O jornal, contudo, pode mudar junto com seus novos donos. Não sabemos se eles vão tentar vender os jornais individualmente ou espremer o quanto conseguem para fazer o lucro que der enquanto há tempo. Mesmo assim, no SFC, por exemplo, nunca tentaram influenciar o que eu iria publicar.
O que essas declarações assinadas pelos jornalistas contêm exatamente?
Nelas, eles garantem que vão checar se as informações escritas estão corretas e que não serão influenciados por fatores externos, por exemplo. Ao mesmo tempo, têm o direito de não revelar a fonte de suas informações. Na Justiça eles podem ser forçados a isso, mas alguns podem ser condenados e vão para a prisão, sem revelar as fontes. Um jornalista premiado do Cincinnati Enquirer, onde trabalhei no começo dos anos 2000, por exemplo, foi preso porque não revelou a fonte que denunciava uma empresa multinacional da cidade. A companhia processou o jornal, que foi obrigado a pagar US$ 14 milhões, mas não disse a fonte. Tudo por causa de fontes não-reveladas que não foram inteiramente checadas pelo jornalista.
Os jornalistas devem levar em consideração as necessidades da empresa ou somente as do leitor?
Os donos do jornal e os editores precisam compartilhar os mesmos valores do que é ou não notícia. Precisam ter um entendimento de que o objetivo comum de um jornal deve ser fazer a coisa certa em relação aos leitores, mesmo que seja doloroso. Eu acho que os jornais norte-norte-americanos estão fazendo um trabalho o.k. em relação a isso, o que pode trazer situações desconfortáveis. Um editor precisa estar pronto para deixar seu emprego se esbarrar em uma situação na qual não pode publicar aquilo que tem o dever de mostrar. Muitos já fizeram isso. A razão pela qual você está neste negócio são os seus princípios. Se você os perde, não está fazendo o que deveria.
Como balancear o modelo de jornalismo profissional e baseado em princípios com as tendências de crescente envolvimento de grandes grupos econômicos com o controle acionário dos jornais?
Não tenho visto muitos exemplos de interferências que tenham reduzido a autonomia e a aplicação dos princípios de objetividade na produção dos conteúdos. O caso do SFC é emblemático, mesmo depois da sua aquisição pelo Grupo Hearst.
Qual o equilíbrio ideal entre os diferentes modelos de jornalismo?
Jornalismo é estar lá quando as coisas acontecem. Publicar esse tipo de matéria é nossa missão primária. Cobrir o que estão fazendo as pessoas que tomam decisões importantes para nossa vida, para a comunidade. Como eles estão gastando o nosso dinheiro? Precisamos ser um cão de guarda e ajudar a sociedade a exercer vigilância em relação a isso. Depois vem o resto, que certamente é esperado pelo leitor. Ele quer saber o horário do jogo do time dele e outras informações úteis para sua vida cotidiana. Também é muito importante que o jornal tenha colunistas, que tragam análises e olhares diferentes sobre os temas importantes para a comunidade, a cidade.
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