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Notícia de Turismo
Histórias de Terror Catamaran Assombrado, o Recife contado através de lendas assustadoras Passeio turístico relembra casos famosos do imaginário popular em uma embarcação preparada para arrepiar no rio Capibaribe

Por: Mike Torres - Diario de Pernambuco

Publicado em: 29/06/2016 14:15 Atualizado em: 29/06/2016 22:10

Seis artistas da Companhia Pernambucana de Arteatro participam do passeio. Foto: Rafael Martins/Esp DP
Seis artistas da Companhia Pernambucana de Arteatro participam do passeio. Foto: Rafael Martins/Esp DP

As lendas obscuras que, pelas décadas, são contadas em rodas familiares e de amigos no Recife, passam por uma releitura turística no passeio Catamaran assombrado. O projeto tem como base as histórias que permeiam o imaginário dos recifenses, como a Emparedada da Rua Nova e a Perna Cabeluda. O roteiro é elaborado por André Balaio e Roberto Beltrão (editores do site O Recife assombrado) e começa para o público a partir desse sábado, durando por todos os sábados do mês de julho, sempre às 18h, com ingressos a R$ 50 (R$ 30 para crianças entre 10 e 12 anos).

Durante a volta pelo Capibaribe, é possível conferir atores caracterizados como os personagens citados ao longo da noite. Ao todo, são seis artistas da Companhia Pernambucana de Arteatro. Na noite desta terça-feira, o Diario foi conferir o passeio. Acompanhe as histórias assombrosas abaixo.

"Encanta moça": o começo do arrepiante passeio pelo Capibaribe
"Historicamente, uma cidade cosmopolita como o Recife tem no imaginário de seu povo personagens fantásticos que metem medo até nos céticos e lendas que muitas vezes se confudem com as águas dos rios que banham a cidade", começa o narrador do passeio, antes de partirmos do cais.

Saímos pelas águas do Capibaribe em marcha lenta, a bordo do Catamaran assombrado. "Histórias como a que conhecemos como Encanta moça, que é, com certeza, a mais melancolicamente romântica lenda da tradição recifense".

A Emparedada da Rua Nova e a Perna Cabeluda são algumas das histórias narradas no passeio. Foto: Rafael Martins/Esp DP
A Emparedada da Rua Nova e a Perna Cabeluda são algumas das histórias narradas no passeio. Foto: Rafael Martins/Esp DP

O caso relata as desventuras acontecidas, "provavelmente no século XIX", de uma moça rica e bonita que passeava, à noite, margeando o manguezal onde hoje se localiza o bairro do Pina. De repente, a mulher se vê seguida pelo próprio marido. O homem havia cismado que ela o traía com outro.

"Conhecedora dos horrores do marido", segue a narração, "a linda moça, tomada por um súbito desespero, se põe a correr". Durante a fuga, em uma área quase desabitada, ela, de repente e como se fosse mágica, desaparece. Segundo a lenda, foi habitar o mundo do além.

Há quem diga que a jovem foi assassinada pelo esposo. Outros afirmam que, durante a corrida pela vida, ela foi encantada "não pelo marido, mas pelo próprio demônio ou outro espírito ruim". Em noites de lua cheia, a encantada apareceria nua na região, a fim de amaldiçoar homens que ousam passar por ali, por vingança. A história é relatada por Gilberto Freyre em seu livro Assombrações do Recife velho.

Acidentes inexplicáveis
Chegamos à antiga Ponte Giratória. Conta-se que, quando inaugurada, muitos motoristas, "que por motivos que nunca poderão explicar", ignoravam os sinais de aviso de abertura da ponte, passavam direto e caíam, sendo imediatamente tragados "pelas águas deste misterioso estuário". Sons de freadas bruscas produzidos pela sonoplastia assustaram os navegantes nesse momento.

Seguimos, pelo rio, entre os cais do Imperador e da Alfândega, "que nos remete a Ascenso Ferreira". O poeta traz, em suas obras, muito misticismo, "alguns temores do tempo de menino", como diz o locutor do barco.

Atores também encarnam os personagens fora da embarcação. Foto: Rafael Martins/Esp DP
Atores também encarnam os personagens fora da embarcação. Foto: Rafael Martins/Esp DP

Papa-figo, temor da capital
O Papa-figo, como diz o narrador do Catamaran assombrado, é o temor de muitos moradores do Recife. Tal medo "esteve relacionado à inclemência de um tipo de monstro desalmado que, segundo dizem, não hesitava em raptar e matar crianças para roubar seus fígados". "Volta pra casa, menino, o Papa-figo vai te pegar!", diziam as mães para assustar seus filhos.

O relato mais espalhado pelo burburinho urbano recifense remete ao final do século XIX. O boato dizia que um senhor de uma poderosa família foi acometido por uma horrível doença no sangue, que causava chagas asquerosas. Um negro velho, escravo do senhor, afirmou que o mal tinha cura, bastava comer "figo" de criança nova.

O escravo saía pelas ruas com um saco nas costas capturando meninos, atraídos pelo doce de banana "nego bom". Para disfarçar e escapar das perguntas sobre o conteúdo do saco, afirmava que eram ossadas de boi ou carneiro.

A Cruz do Patrão é de arrepiar
A Cruz do Patrão se localiza no Porto do Recife, construída no século XVIII. O monumento servia como baliza para os navios no terminal. A coluna de alvenaria, de seis metros de altura, virou lenda entre os recifenses. Acreditava-se que negros pagãos, falecidos durante viagens de navio que vinham da África, eram enterrados ali.

A areia da maré colaborava para que os sepultamentos ocorressem sem rituais religiosos, surgindo a lenda que tornou o local amaldiçoado. Entretanto, nenhum arqueológo foi capaz de encontrar, em pesquisas recente, quaisquer indícios de cemitérios clandestinos.

O catamarã passa por debaixo de algumas pontes históricas do Recife. Foto: Rafael Martins/Esp DP
O catamarã passa por debaixo de algumas pontes históricas do Recife. Foto: Rafael Martins/Esp DP

Clássicos irretocáveis: Cumade Fulôzinha e Perna Cabeluda
Tradicionais no imaginário popular local, Cumade Fulôzinha e a Perna Cabeluda são histórias conhecidas pela grande maioria. "Dizem que ela é uma caboclinha ágil, com olho escuros e vivos, de longos cabelos escuros", diz o locutor, sobre Fulozinha.

A cumade seria uma espécie de protetora das florestas da Zona da Mata do estado. Uma guadiã permanente dos animais e da flora e terror dos caçadores. A lenda diz que ela lhes desorientava ou até mesmo lhes dava surras.

A Perna Cabeluda, já citada nas páginas do Diario pelo escritor e jornalista Raimundo Carrero, se esconde às sombras de muros ou árvores, à espera de uma vítima para ser atacada durante o silêncio da cidade. A criatura, de tão assustadora, faz com que o infeliz tenha tanto medo ao ponto de o coração disparar sem freio e o faz gritar o quanto pode. Fugir é inútil. O monstrengo persegue, derruba no chão e chuta a pessoa até massacrá-la.

Moça emparedada, Boca-de-ouro e outros contos
O passeio prosseguiu pelo Capibaribe com relatos de histórias sobre jovens moças que faleceram tragicamente e voltaram para assombrar como vingança, além de clássicos do terror mundial recontados em versão pernambucana e outras lendas locais.

Coração de pedra, um morador da Rua Nova resolveu castigar a própria filha emparedando-a viva. O português Jaime Favais seria dono de uma loja na rua. Clotilde, sua menina, engravidara de um vadio de nome Leandro, que também era amante da mulher do comerciante.

Favais descobre tudo e manda matar Leandro, para desespero da mãe, Josefina, que perde a razão. Para terminar de emendar, ele quer que Clotilde se case com seu sobrinho João. Ambos recusam a medida. O velho se enfurece e condena a filha a ser emparedada vida no banheiro do sobrado. Jaime escapa para Portugal e volta para a Rua Nova após três anos, sendo perturbado por aparições, "gemidos lúgubres e abafados".

Outra história de uma jovem moça morta antes do tempo é a de Ana Luiza. A debutante, em seu aniversário de 15 anos, estava para participar de sua festa no antigo Clube Internacional do Recife, na rua da Aurora. Mas não chegou a dançar a primeira valsa, já que caiu da escada e morreu na queda. Ana Luiza, hoje, assombra o prédio do Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães.

O passeio acontece todos os sábados do mês de julho. Foto: Rafael Martins/ Esp DP
O passeio acontece todos os sábados do mês de julho. Foto: Rafael Martins/ Esp DP

Retorno do passeio no barco fantasma
O passeio foi "regido" pela voz do narrador e dos atores, que conferem à volta um ar ainda mais sombrio. Um dos integrantes da Companhia Pernambucana de Arteatro interpretou o Guia dos Mortos, que de instante em instante batia com sua bengala no chão da embarcação. Alternou entre gritos e risadas, que, combinadas à trilha sonora, deu toda uma sensação de "barco da morte".

Gilberto Freyre Neto, 43 anos, descendente do famoso sociólogo e coordenador geral de projetos da Fundação que leva o nome de seu avô, afirma que o passeio foi uma surpresa muito positiva. "O que a gente percebe aqui é um envolvimento muito grande dos atores com a cidade, do público com a cidade, que se mostra, também, efetivamente brilhante. É um produto que tem tudo a ver com o Recife, a capital dos malassombros", classifica.

Já a blogueira Cuca Amorim considera que vale a pena conhecer o passeio por causa da nova visão proporcionada. "Eu gostei muito de ver a cidade à noite. Já é um passeio diferente e a gente aprende a ser turista em nossa própria cidade, porque às vezes quem é daqui acaba não valorizando o próprio local", ressalta. A publicitária Luciana Araújo reviveu as histórias que já conhecia recontadas no passeio e lembra de outras de sua infância em Boa Viagem. "Tinha a história da menina do banheiro na escola, que ficava à espreita para pegar outras garotas", lembra.

Ao final do passeio, o narrador lembrou de uma última lenda. "Aquele que sair deste barco após o passeio deve ficar em silêncio. Quem contar o que se passou aqui, sua língua cairá". Coitada da reportagem.

Serviço
Catamaran Assombrado
Onde: Catamaran Tours (Cais de Santa Rita, s/n, Recife)
Quando: Todos os sábados de julho, às 18h (02, 09, 16, 23 e 30)
Ingressos: R$ 50 (crianças entre 10 e 12 anos pagam R$ 30)
Como comprar: Nas bilheterias do Catamaran Tours ou pelo site http://www.catamarantours.com.br/
Classificação etárea: 10 anos

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