SAÚDE PÚBLICA
Pesquisadores lutam contra o tempo para estudar sobre a Mpox
Pouco estudada desde a descoberta nos anos de 1950, a doença deixa a todos em alerta, apenas dois anos após o surto mais recente. A Clade 1b, predominante nos novos casos, tem maior transmissibilidade, letalidade e afeta mais criançasPublicado em: 01/09/2024 12:48
Agência da ONU para migrações pede US$ 18,5 bi para combater mpox (foto: EBC) |
De olhos fechados. Assim estariam trabalhando os pesquisadores que lutam contra o tempo para entender sobre o novo clade - ou variante - de mpox, responsável pelo surto atual, que emergiu na República Democrática do Congo (RDC). "Estamos trabalhando às cegas", disse, na semana passada, o infectologista Dimie Ogoina, presidente do comitê de emergência da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a doença no continente africano. Negligenciada por décadas, a enfermidade voltou com uma nova cara, ainda muito pouco conhecida para a ciência.
"Eu não diria que estamos totalmente às cegas, mas é como se fôssemos míopes sem óculos, vendo tudo borrado", compara Vanderson Sampaio, doutor em Medicina Tropical, professor da pós-graduação na Fiocruz Amazônia e na Universidade do Estado do Amazonas, e diretor de operações do Instituto Todos pela Saúde (leia entrevista nesta página). O problema é que, se já havia pouca literatura científica sobre uma doença que não atraiu, desde sua descoberta, na década de 1950, a atenção da indústria farmacêutica, menos ainda se sabe sobre o clade 1b, aparentemente mais agressivo que o 2, responsável pelo surto de 2022.
Na sexta-feira, a OMS informou que a RDC já registra 18 mil casos prováveis ou suspeitos neste ano, com 629 mortes. "O número de casos da nova variante vem aumentando rapidamente há diversas semanas", disse Tedros Adhanom Ghebreyesus. Fora da República Democrática do Congo, há 258 notificações do clado 1b no Burundi; quatro na Uganda; dois no Quênia e quatro em Ruanda. Fora do continente africano, foram registradas, por enquanto, uma ocorrência na Suécia e uma na Tailândia.
Artigos
Publicações científicas sobre a mpox são escassas - no Pubmed, um dos maiores indexadores de artigos biomédicos -, há somente 44 registros dos últimos 12 meses, número que cai para quatro quando são buscados estudos clínicos. Na Califórnia, Estados Unidos, cientistas do Instituto de Imunologia de La Jolla (ILJ) lideram uma pesquisa sobre o potencial da clade 1b afetar crianças e idosos e buscam entender como novas vacinas podem ajudar o organismo a reagir.
Atualmente, o imunizante mais seguro é a terceira geração de uma substância relacionada ao vírus da varíola, erradicado na década de 1970. Ele é considerado extremamente eficaz, mas não se sabe se futuras mutações poderão criar resistência à vacina. "O vírus mpox do clado 1b é totalmente novo, e a situação está evoluindo rapidamente", conta Alessandro Sette, codiretor do Centro de Inovação de Vacinas do ILJ. "O novo comportamento viral pode mudar o jogo e também afetar uma gama mais ampla de pacientes, incluindo mais crianças, mulheres e pacientes mais velhos", diz.
A pesquisa que ele conduz analisa as respostas imunológicas em grupos diversos, em busca de diferenças, dependendo da idade ou do sexo. De acordo com Sette, uma questão que precisa ser respondida o mais rápido possível é se a vacina atual pode treinar as células de defesa para reconhecerem a nova cepa. "Não está claro o quão diferente esse vírus é da cepa de 2022 - ou onde estão as diferenças nas proteínas virais", admite o cientista.
Complicações
A infectologista Helena Brígido, professora da Universidade Federal do Pará (UFPA), destaca que as observações do novo surto apontam para especificidades do clado 1b - não só em relação ao perfil dos pacientes afetados, mas quanto às complicações. "Estão sendo vistas mais casos de uveíte, uma infecção nos olhos; miocardite, no coração, e infecções bacterianas em quem tem a doença", diz. Ela destaca que a OMS tem relatos de transmissão vertical, da mãe para o bebê, embora não se saiba, ainda, se isso ocorre devido ao contato com as lesões no momento do parto. "Também há relatos de abortos e prematuridades", conta.
A médica ressalta que a expansão da doença no surto atual é muito rápida, algo que não havia sido visto anteriormente. "É a primeira vez que vemos uma disseminação nessa velocidade e com mais complicações." Porém, Helena Brígido afirma que não é possível dizer se novas mutações poderão tornar a mpox ainda mais virulenta e letal.
Para Eoghan de Barra, consultor em doenças infecciosas do Beaumont Hospital, na Irlanda, é preciso expandir o planejamento do enfrentamento à doença. "Em 2022, as infecções foram causadas por um clado menos virulento, e os programas de testagem, educação e vacinação foram implementados de forma limitada. Temos as ferramentas para frear o impacto da mpox na saúde humana, mas precisamos de recursos, educação e pesquisa científica contínua para isso."
Confira as informações no Correio Braziliense.
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