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Julgamento

Bolsonaro réu mostra força da democracia brasileira, dizem especialistas

40 anos depois da redemocratização, país já conta com dois presidentes réus e outros dois Impeachments, mas comprova solidez das instituições

Publicado em: 31/03/2025 06:00 | Atualizado em: 31/03/2025 10:59

 (Antonio Augusto/STF)
Antonio Augusto/STF
Com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de tornar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) réu, acusado de comandar a trama golpista, o Brasil já soma quatro chefes do Executivo envolvidos em processos judiciais ou políticos desde a redemocratização, que completou 40 anos neste mês de março. Apesar da conotação negativa que o fato pode trazer, especialistas avaliam que a responsabilização de ex-presidentes mostra a força da democracia brasileira.

Para o procurador do Estado de Pernambuco e advogado do processo que tornou Bolsonaro inelegível até 2030, Walber Agra, os casos comprovam a atuação das instituições, que não permite que políticos se tornem intocáveis.

"Isso prova que a democracia do Brasil é pujante, que o judiciário é atuante. A questão não é a decisão do judiciário, é quando há uma decisão e ninguém pode dizer nada. Bolsonaro teve o contraditório, a ampla defesa. Realmente, os fatos são evidentes de que houve uma tentativa de golpe, e que ele tem que pagar. Ou seja, desta vez não há questiúnculas políticas, mas uma total imersão no jurídico, e o jurídico deve dar a resposta", afirmou Agra.

A visão é compartilhada pelo cientista político Hely Ferreira, que reforçou o papel do poder Judiciário em fiscalizar as atividades que desrespeitem os princípios democráticos do país, e assegurar o cumprimento da Constituição.

“Na democracia temos acesso às informações com relação a práticas que vão de encontro ao espírito republicano, e entende-se que as pessoas acusadas têm o direito de serem julgadas de maneira justa, prevalecendo aquilo que faz parte do ordenamento jurídico brasileiro, que é o princípio da não-culpabilidade. Ou seja, alguém só pode ser considerado culpado depois de transitar em julgado”, disse.

Ferreira, no entanto, não ignorou a visão negativa de quatro dos cinco presidentes eleitos nos últimos 40 anos envolvidos em escândalos. “Passa a ideia de que um dos requisitos para o mandato presidente é, depois, ser enquadrado nas barras da justiça”, ironizou.

Além de Jair Bolsonaro, o presidente Lula (PT) foi preso em 2018 por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, investigados pela Operação Lava-Jato. As condenações foram anuladas pelo STF em 2021, considerando que o Tribunal Regional Federal de Curitiba julgou o caso fora de sua jurisdição. O caso foi movido para Brasília, e acabou arquivado pela Justiça.

Ainda, o ex-presidente Fernando Collor de Mello sofreu um Impeachment em 1992. Apesar de ter sido absolvido das acusações criminais no Supremo, perdeu o direito de exercer cargos públicos por oito anos. Hoje, ele é senador. 24 anos depois, a presidente Dilma Rousseff teve seu mandato cassado, mas não perdeu os direitos políticos nem sofreu acusações criminais.

Alienação

É comum encontrar afirmações de descrença com a classe política entre o eleitor brasileiro, muitas vezes associadas às polêmicas enfrentadas pelos últimos presidentes. Na análise de Hely Ferreira, entretanto, esse sentimento vai além das imbróglios judiciais, tanto que os envolvidos continuam sendo lideranças políticas. É sobre a falta de transformações promovidas por políticos eleitos sob a narrativa de “salvador”.

Para o cientista político, depositar as esperanças do país em uma figura personalista prejudica a democracia.

“O eleitor brasileiro tem esse problema porque deposita a esperança e as transformações em uma pessoa, esquecendo que, num regime democrático, o que deve prevalecer são as ideias, e não uma figura personalista. É por isso que nós temos uma tendência natural em querer achar que vai surgir um salvador, e uma polarização que é um fenômeno não só no Brasil mas no mundo inteiro”, analisou.

Segundo Walber Agra, é apostando neste fenômeno que Jair Bolsonaro vem reforçando uma narrativa de que está sendo perseguido politicamente pelo Judiciário, visando inflamar seus apoiadores para garantir a opinião pública ao seu lado. O advogado acredita, no entanto, que o funcionamento das instituições tem colocado sua liderança em cheque.

"Bolsonaro tem um eleitorado que se adequa a essas pautas, mas o mais consciente já tem um distanciamento de tê-lo como um líder, porque fica evidente as falhas. O mais interessante na democracia é que quando se perde, deve-se obedecer o resultado do jogo, esperar a próxima eleição. Se ele assim o fizesse, poderia competir em 2026. O que notamos é que uma parte do eleitorado é totalmente alienada ao que acontece, e não só no Brasil, mas em várias partes do mundo, onde as pessoas que serão afetadas por políticas econômicas continuam apoiando-as pensando que elas poderiam beneficiar-lhes, quando na verdade vão gerar prejuízos", avaliou.

Para Agra, o problema enfrentado pela democracia é além do eleitoral ou institucional, mas é sobre a crescente desigualdade no território nacional.

"O sistema brasileiro tem respaldo.  O problema da democracia brasileira não é esse, é como vamos atender a população excluída. A democracia em todo mundo é um sistema ao qual se compatibiliza com um distanciamento entre setores sociais. Aqueles que ganham muito são cada vez menos em relação aos mais pobres. Essa é a grande falência da democracia. Não é só voto, é todo um respeito a determinadas narrativas baseadas em direitos fundamentais. A democracia não é um símbolo, é uma forma política, econômica e social de governo que pressupõe uma inclusão social. Sem inclusão social, não há democracia”, frisou.
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