° / °

Acervo
DIREITOS HUMANOS

Faltam registros sobre 13 mortos ou desaparecidos da Ditadura Militar em cemitérios do Recife, diz Comissão

Segundo diagnóstico da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, cenário mais crítico é no cemitério da Várzea

Publicado: 13/02/2025 às 19:37

Militantes expuseram cartazes dos mortos e desaparecidos políticos durante audiência pública da CEMDP/Priscilla Melo/DP Foto

Militantes expuseram cartazes dos mortos e desaparecidos políticos durante audiência pública da CEMDP/Priscilla Melo/DP Foto

Militantes expuseram cartazes dos mortos e desaparecidos políticos durante audiência pública da CEMDP
A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) constatou a ausência de registros sobre 13 mortos ou desaparecidos pela Ditadura Militar nos cemitérios de Santo Amaro e da Várzea, no Recife. As informações foram divulgadas em audiência pública nesta quinta-feira (13), resultado de perícias realizadas na capital desde a última terça (11).

Segundo o relatório apresentado pelo perito Dr. Samuel Ferreira, as diligências preliminares realizadas pela Equipe de Identificação de Mortos e Desaparecidos Políticos (EIMDP) na capital pernambucana tinham como objetivo levantar informações sobre os sepultamentos de vítimas políticas nos locais e produzir um diagnóstico. Ao todo, Pernambuco contabiliza 51 mortos ou desaparecidos pelo regime militar.

A perícia recebeu duas listas contendo nomes de vítimas a serem encontradas nos livros de registros dos cemitérios da Várzea e de Santo Amaro. O material foi produzido com base em dados obtidos antes da extinção da Comissão no penúltimo dia de mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O colegiado foi recriado pelo Governo Lula em 2023.

“Recebemos duas listas de mortos e desaparecidos políticos elaboradas pela CEMDP a partir de documentos da Comissão Nacional da Verdade, da Comissão Estadual de Memória e Verdade Dom Helder Câmara, e a contribuição dos familiares (de desaparecidos) Amparo Araújo e Marcelo Santa Cruz”, afirmou Ferreira.

Várzea
O cenário mais crítico foi observado no cemitério da Várzea. A lista da perícia contava com dez nomes, e nenhuma informação sobre o sepultamento e destinação dos corpos foi achada nos arquivos – incluindo do padre Henrique, sacerdote católico torturado e morto pelo regime militar em 1969. O histórico de enterros no local começa em janeiro de 1973.

Das dez vítimas listadas na Várzea, nove foram mortas ou desaparecidas em 1973, incluindo a militante paraguaia da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), Soledad Barrett Viedma, morta na chacina da chácara de São Bento, em Paulista. Apesar do cemitério ter os registros daquele ano, nada foi encontrado pela perícia. O padre Henrique é o único nome com uma data anterior, e o histórico que poderia conter a informação não foi encontrado. As vítimas listadas são:
 
  • Antônio Henrique Pereira Neto, morto/desaparecido em 27/05/1969;
  • Eudaldo Gomes da Silva, morto/desaparecido entre 07 e 09/01/1973;
  • Evaldo Luiz Ferreira de Souza, morto/desaparecido entre 07 e 09/01/1973;
  • Gildo Macedo Lacerda, morto/desaparecido em 28/10/1973;
  • Jarbas Pereira Marques, morto/desaparecido em 08 ou 09/01/1973;
  • José Carlos Novaes da Mata Machado, morto/desaparecido em 28/10/1973;
  • José Manoel da Silva, morto/desaparecido em 09/01/1973;
  • Pauline Phillipe Reichstul, morta/desaparecido em 08 ou 09/01/1973;
  • Paulo Stuart Wright, morto/desaparecido em setembro de 1973;
  • Soledad Barrett Viedma, morta/desaparecida em 08 ou 09/01/1973.
Funcionários do cemitério da Várzea afirmam que a enchente que atingiu o Recife em 1975 destruiu os livros mais antigos. Samuel Ferreira afirmou que as futuras perícias realizadas no local vão constatar a veracidade dos relatos, mas apontou que os servidores não trabalhavam no cemitério na época da cheia, e as histórias são, até o momento, suposições.

A partir de relatos de familiares e funcionários, EIMDP também constatou que o cemitério da Várzea possuia uma vala conhecida como “buraco do inferno”, onde eram depositados ossos de pessoas não identificadas ou que não eram buscadas pelas famílias após o prazo de dois anos e um dia para a exumação administrativa – para se abrir espaço para novos cadáveres.

No buraco a céu aberto, os restos mortais também eram misturados com ossos transferidos do cemitério de Santo Amaro, além de outros detritos. Ao longo dos anos, o “buraco do inferno” foi fechado com terra e grama, e não foi encontrado pelos peritos.

“Tivemos a oportunidade de conversar com um sepultador que trabalha no cemitério desde agosto de 1969, e nos confirmou que ele, inclusive, fazia esse procedimento, que era uma rotina do cemitério”, disse Ferreira.

Santo Amaro
A estrutura do cemitério de Santo Amaro, por sua vez, agradou mais a perícia da CEMDP. A lista de mortos e desaparecidos que poderiam ter sido sepultados no local conta com nove nomes, e seis foram confirmados após a pesquisa nos arquivos. São eles:
 
  • Amaro Luiz de Carvalho, morto/desaparecido em 22/08/1971;
  • Anatália de Souza Melos Alves, morta/desaparecida em 22/01/1973
  • Ivan Rocha Aguiar, morto/desaparecido em 01/04/1964;
  • Jonas José de Albuquerque Barros, morto/desaparecido em 01/04/1964;
  • Luiz Gonzaga dos Santos, morto/desaparecido em 13/09/1967;
  • Odijas Carvalho de Souza, morto/desaparecido em 08/02/1971;
As três vítimas fora dos arquivos são Evaldo Luiz Ferreira de Souza, desaparecido em janeiro de 1973; João Mendes Araújo, desaparecido em janeiro de 1972; e Raimundo Gonçalves de Figueiredo, desaparecido em abril de 1971.

Recomendações
A partir das perícias no Recife, a CEMDP determinou um conjunto de recomendações às autoridades, incluindo a realização de novas perícias nos cemitérios da Várzea e de Santo Amaro, além do cemitério Parque das Flores, que não foi visitado pela Comissão durante a agenda na cidade.

Ainda, a CEMDP pede por pesquisas ante mortem e preliminares, baseadas nas melhores práticas nacionais e internacionais, com a entrevista de familiares e pesquisas em arquivos para levantar o maior número possível de informações sobre as vítimas e o contexto de seus desaparecimentos.

A Comissão também pediu ao poder público a extensão do prazo para a exumação administrativa dos corpos para além dos dois anos e um dia atuais, a garantia de que a informação dos sepultamentos de pessoas identificadas não-reclamadas cheguem às famílias, e a sinalização dos mortos e desaparecidos em seus túmulos.
Mais de Acervo